Uotzape

Meu chefe ligou-me pergutando pelo meu “uotezap”.
Eu disse: “uot” o que?
“Uotezap”, Ricardim.
Pela entonação de meu "uot", ele viu que eu era um analfa.
Mas, educado que foi, sorriu e desconversou.
"Tu não tem? Criei um grupo na gerência e você é o único que não faz parte.
Não te localizei para adicionar."

Disse-lhe que amanhã mesmo providenciaria. Quem tem, tem medo. rsrs
Naquela hora me senti deslocado.
Meu mundo caiu, que diabos era aquele uot qualquer coisa que todo mundo falava dele.
Senti-me como meu pai quando falei para ele o que era a máquina de telex que eu operava, primeira função ao entrar no BB.
Dizia, “papai, você digita de uma cidade e ele escreve na outra, e vice-versa".
Ele dizia: “mas quem está do outro lado?”

Cri cri cri

Logo de pronto procurei socorro no Lyra. Ele ficou tirando uma comigo, pois ele tinha o tal do uot.
Mas, pelas suas dúvidas, vi logo que ele era daquela espécie que tem e nunca fuça.
Ou seja, estava mais vendido do que eu, pois não vinha respondendo às mensagens do chefe, enviada para seu uot, pois já o adicionara.
rsrsrs
Logo acorreram as meninas-Y e num passe de mágica lá tava eu com meu uotzapi instalado.
Até com foto e tudo mais.
Agora eu existia.
Fiquei pensando que assim como para mim foi o WhatsApp, é o acesso a um monte de coisas que muitas pessoas desconhecem, ou pelo apartheid social não têm direito.
Algumas dispensáveis, outras, após a conhecermos nunca mais passaremos sem elas.
Gosto de tecnologia. Depois que descobri para que servia o negócio, vi que ele era um chat dentro do telefone.
Forma-se um grupo e pronto, tá todo mundo na tela de seu celular numa grande sala de bate-papo, a la-ZAZ, saudosa, ZAZ.
Precisamos de mais WhatsApp humanos, menos uotzaps digitais. Como seria bom se pudéssemos voltar a nos conectar novamente. Famílias conectadas. Amigos conectados, vizinhos conectados, colegas de trabalho conectados. Mas sem ser pelas ondas da internet das coisas, mais sim pela banda larga humana. A vida anda tão agitada, trânsito, III turnos de estudo, agenda de filhos, cobranças no trabalho, que de tão ofegantes vamos ficando ilhados.
Socialmente ilhados. Juntos e separados. Talvez, por isso mesmo, o sucesso de tecnologias que aproximam pessoas, que rompam cadeias de isolamento e construam redes relacionais.
Hoje meu whatsapp afetivo não conectou ninguém.
Amanhã vou esforçar-me mais para conectar corações ao meu grupo existencial.
Mais amor. Mais carinho. Mais perdão. Mais aproximação.
Quem adicionarei ao grupo whatsapp de meu coração amanhã?
A quem perguntarei como vai? Como está passando? Como se sente?
A quem...?

6 comentários:

  1. Me identifiquei muito com o texto, tanto que acabo de instalar meu 'uotezape' e amanhã vou descobrir como funciona! rs. A sengunda parte do post é bem reflexiva, gostei muito.

    ResponderExcluir
  2. Vez ou outra observamos em locais públicos, bares e restaurantes, casais e amigos que passam maior parte do tempo com seu "uot" sem saborearem o prazer de uma boa e velha prosa.

    ResponderExcluir
  3. É dúbio. A mesma tecnologia que afasta, também aproxima. Possibilita a fuga ao covarde que se esconde do outro lado da linha, ao mesmo tempo que permite aos tímidos iniciar um relacionamento com o outro, protegido nessa mesma couraça. No fundo tudo tem seus dois lados, como no ying yang. Mais uma vez, a diferença entre o veneno e o antídoto é a dose. Mais amor, sim! Mais toque, sim! Mas não seria o meio digital um amplificador? E porque não um transformador. Experimenta transmitir as mesmas palavras tuas acima num salão. Num estádio que seja. Elas passariam diante daquelas poucas mil pessoas de uma só vez, proferidas ao vento, sem retorno. Aqui não! Aqui são quase imortais. Daqui são extraídas as suas essências até restar só o bagaço, pois estão disponíveis no tempo e velocidades de cada um que lê. E o que lê não estava naquele estádio, nem nunca te viu. Quem sabe ele apenas esbarrou (felizmente), nesse post por acaso. Muitos Uot´s e Telex passarão nessa vida, mas eles somente deixarão sua marca se houver alma humana dentro deles assim como aqui em tuas palavras.

    ResponderExcluir

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores