Deguste Prazeres.


Tem um pedacinho de céu em Londrina-PR que sempre que posso vou ali restabelecer as energias.
Trata-se de um restaurante rural chamado de Porco no Tacho.

De culinária alemã, italiana e caipira juntas e misturadas, ali aprendo sempre que vou a arte da convivência. Fica na região Norte de Londrina, num bairro chamado Heimtal.

Já sou recebido como um amigo da família. Já sei quem casou, adoeceu, viajou.

Pego logo “meu lugar, em pé e no canto grande balcão no qual o Julinho serve as costelas no bafo, preparadas com horas de antecedência.

Ali, exerço uma das minhas maiores vocações: observar.

Fico tomando minha caipirinha e vendo o prazer que o Julinho tem de atender, de destrinchar a carne e servi-la a clientes salivantes.

Sempre troca um dedinho de prosa, nem que seja um “espero que goste”.

A cada um ele destina um encantamento. Muitos conhecem pelo nome.

E, a vários, apresenta-me como “o Paraíba que mora em Brasília, trabalha no BB e sempre vem nos ver.”

Ele usa o “Paraíba” com carinho, não como em algumas regiões o termos é usado.

Ali fico proseando, prosa curta, com cuidado para não atrapalhá-lo na fina arte de abrir a costela, e limpá-la antes de servi-la.

Aos poucos os outros membros do clã vão passando pelo “meu balcão” e me atualizando das novidades de suas famílias.

O assunto ontem foi as artes do patriarca da família, alemanzão da gema, casado com a matriarca italiana Nilda, que há dois meses quebrou a clavícula.

Ele é o responsável por assar o porco no tacho.

E, entre uma fornada e outras, encosta no balcão pra prosear.

Ontem em contou que sarou rápido porquê fez uma receita antiga, um unguento que aprendeu com o clã: gema de ovo e breu misturados, e aplicados sobre a derme como um emplasto.

Fiquei pensando: o emplastou pode ter ajudado, mas a vontade de viver e voltar a mexer o tacho do porco funcionaram como catalisadores da recuperação.

Você tem um lugar “Porco no Tacho” em seu viver?
Um cantinho de paz, de valorização, no qual você não é mais um RG na multidão?
Um cantinho de afeto, de boas lembranças, de fraterna coletividade.
Aliás, afeto é o que mais se cozinha no tacho daquele restaurante.

Fico observando como o clã se trata, e trata aos clientes.

Overdoses de alegria, respeito e afeto. Ninguém passa despercebido.
Aliás, na fila pra servir a costela ninguém escapa do afeto do Julinho.
Daquele que olha nos olhos, sorri e te abraça na alma.
A fila pode estar grande, clientes ávidos e babando, mas mesmo assim ele dispensa a cada um uma saudação, um dedo de prosa, um reconhecimento da presença.
Julinho gosta do que faz. Gosta de atender. Gosta de gente.
Aliás, gostar de gente é uma característica do clã que ali trabalha e nos recebe tão bem.

São uns 12 ítalos-alemãs-brasileiros que se alternam nas várias atividades de um restaurante rural.

A mistura da italianada, alemanizada e brasileirada deu um toque cultural maravilhoso ao lugar, uma energia de encontros e coragem.
Coragem de migrantes e sobreviventes, como todos nós.

O lugar nasceu do futebol. Como assim?

Faz parte da propriedade da família um campo de futebol gramado e bem cuidado, ainda existente e que funciona ao lado do restaurante.

Dona Nilda, a matriarca da família, servia aos jogadores – quando do término das partidas, fartas porções de porco assado num tacho, feito em rústicos fogões a lenha.

O cheiro da fritada inebriava os jogadores que encontravam nas farta comida uma razão a mais para se alegrarem.

Aos poucos, e de tanto ouvir que ela tinha jeito pra coisa, dona Nilda foi abrindo seu restaurante.

E, os jogadores foram chamando amigos e familiares para almoçarem ali.

O lugar nasceu com a marca de encontros, de confraternizações.

Tal qual os que acontecem ao término das peladas, país afora.

Pelo tamanho do lugar, poderíamos passar despercebidos, afinal são mais de 500 lugares.

Porém, ninguém ali passa despercebido.

Ali mora o amor.

E o amor reconhece pessoas, mesmo nas multidões.

O amor torna-nos únicos, indivíduos, plenos.

O amor consegue gerar amálgamas de coletivos, onde antes habitava um punhado de gente dispersa.

Naquela família, mais que saciar a fome, saciamos necessidades de afeto, de presença, de comunhão e alegria de estarmos vivos.
Imagino dona Nilda temperando o porco hoje, aproveitando o dia que fecha para preparar as carnes. Temperar os porcos, carneiros, preparar as linguiças.
Imagino a alegria daquele povo, hoje reunido em família, comentando sobre a semana que passou, e sobre um Paraíba que gosta de prosa e de fotografia.

Imagino-os desejando minha volta em breve. Querendo receber meus livros, ver os resultados das fotos, comentarem como o JG cresceu.

Recebo com fartura, no coração, as energias de ser bem aceito, de ser querido e sigo minha jornada mais forte, mais pleno e agradecido por existirem ainda pessoas-ninho como aquelas: famílias recebendo famílias. Com emoções cozidas no tacho, e esquentadas na lenha do amor, sendo partilhadas em doses fartas.

Imagino dona Nilda temperando hoje as carnes da semana; com olhos de esperança e generosas pitadas de dedicação, ansiando para que elas cumpram a missão de ser milagre.

De juntar e encantar pessoas na difícil arte do encontro e convivência.

Nas mesas de refeições milagres podem ocorrer.

Conquistas podem ser celebradas. Projetos podem ser desenhados.

Afetos podem ser expressados.

Quando nos reunimos, para brindar e saborear prazeres gastronômicos, milagres podem ocorrer.
Milagres do perdão, da aceitação, do dissolver de mágoas encardidas, do destilar de ódios ressentidos, do saborear de novas esperanças... coisas que uma mesa farta e ao lado de pessoas queridas podem proporcionar.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores