Treinando Gratidão

Aquele senhor tinha algo incomum. Atendia a todos com um sorriso tão largo, tinha prazer em servir. Já fiz muitos vôos e nunca tinha visto um comissário tão solícito. Na saída, eu lhe disse: "Seu atendimento é espetacular".

Ando treinando gratidão. Treinando agradecer o que me faz bem.

Percebi que essa competência escasseava em mim.

Agora treino. Procuro ficar com as antenas ligadas e reconhecer os que me ajudaram em algum momento de meu viver, sendo-lhes grato.

O garçom que agrega um pires de arroz, num prato no qual isto não estava previsto, só para atender a um desejo de mãe para que seu filhote almoce melhor.

Vim meditando sobre gratidão. Parece que sempre merecemos as coisas e nunca paramos para reconhecer aquela ajuda especial, aquela força que recebemos, aquele abraço fraterno, ou até um telefonema solidário.

Achamos que não precisa.

Hoje, ao abrir minha caixa de email, li um agradecimento de leitor de meu blog, o Bode com Farinha, nesses termos:

"Escrevo para agradecer a você por compartilhar com os leitores através de seu blog, e agora também através de seu novo livro, tamanha beleza, sabedoria e amor à vida e ao ser humano!"

Esse leitor deixou em mim sua marca. A marca da gratidão. Tal a mão na foto que ilustra o texto.

Olhe para essa marca de mão nas costas de meu cunhado. Ela foi desenhada com filtro solar. Uma mão de filtro solar protegeu parte das costas, a outra ficou exposta. Deu no que deu.

Acho que a gratidão age assim em nossas vidas.

Ela deixa marcas, em que agradece e no que é agradecido.

Mas tem que ser verdadeira e sem segundas intenções.

Tem que ser genuína.

Pare e pense nas coisa que todos os dias alguém faz para que sua vida se torne melhor. Você já agradeceu por isso?

Quantas pessoas passam em nossas idas, levantando-se cedinho para fazer nosso café, sequer receberam um obrigado ao longo de nossas vidas.

Quantos filhos nunca agradeceram por nada aos seus pais.

Quem treina os músculos da gratidão, desenvolve-se em humanidade.

Gratidão são as marcas que os outros deixam em nós. Pequenos gestos, grandes atitudes. Coisas que poderiam passar despercebidas, ou desprezadas, se não fosse pelo simples fato de dizer: "Obrigado pelo que fez."

Dizemos tão pouco isto. Parece que achamos que não precisa. Que o outro já sabe do que pensamos sobre aquilo que ele fez por nós. Etc, etc, etc.

Ou, como não recebemos, não damos.

Deveria haver a disciplina gratidão nas escolas. Na sociedade de consumo tão individualista, tão mercantilizada, tão banalizada em suas relações com o outro, vamos materializando tudo - convertendo tudo em preço, e este é o principio da não gratidão.

Achamos que sempre temos direito, sempre merecemos, e nunca apuramos nossa percepção para ver o quanto o outro se esforçou para nos fazer o bem, nos apoiar, nos ajudar.

Eu agora treino gratidão. Tenho metas diárias de agradecer.

Fico procurando uma oportunidade, e, pimba: meta do dia cumprida.

O porteiro do condomínio, um entre tantos, é o único que diz: "Sr. Ricardo têm correspondências."

O restante espera que eu vá abrir a caixa postal. Ele não, ele sabe quando ela está cheia e me avisa.

Hoje completei minha meta com ele. Agradeci ser reconhecido por ele.

Quando agradecemos, quando temos gratidão, exercitamos também a humildade. Humildade de saber que sozinhos somos nada, somos matéria orgânica sem viço.

É preciso treinar a gratidão. Educar-nos na gratidão.

Seremos melhores como coletividade, não tenho dúvida. E, reforçará, em quem agiu com esmero, o comportamento que ele teve e que foi digno de registro.

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