Carta ao JG - A Copa das Copas – Brasil 2014

Querido JG, escrevo-lhe dia 09/07/2014, com um misto de alegria e pesar. Alegria por ser o aniversário de teu irmão mais velho, o Tiago. Ele faz 29 anos.

A data de seu aniversário não poderia cair em dia mais significativo, no qual uma nação inteira chora, inclusive teu pai.

O aniversário de teu irmão trouxe luz num dia de trevas, de vergonha, tristeza e decepção com nosso time de futebol. Trouxe-me um pouco de paz e felicidade. Um bálsamo pra mim.

Hoje acordei cedo para te deixar com tua irmã Priscila e ir trabalhar. Ontem você “trabalhou” comigo, picando papéis no setor, enquanto esperávamos a hora do jogo.

Mas, leva-lo novamente seria abusar dos colegas. Você não para quieto e não há mais papeis a serem fragmentados, você catou todos ontem e fez um bom trabalho, operando a fragmentadora de papel, sob supervisão dócil e atenta da Carol.

Depois, você entrava na caixa de papel picado e brincava.

No caminho seguiu triste. Os carros silenciosos. Ontem, nossa Seleção Brasileira de Futebol tomou uma goleada da Alemanha, na Copa do Mundo 2014, aqui no Brasil. O jogo valia pelas quartas de final.

Em 29 minutos, de primeiro tempo, já tínhamos levado cinco gols. Um fato inédito na história do futebol. Vexatório.

No caminho pra casa do Tio Hugo perguntei-lhe:

- Qual time você torce: flamengo ou fluminense?

Você perguntou-me em que país nasceu. Achei uma pergunta muito fora de propósito e um tanto avançada para seus agora, cinco anos e três dias.

Respondi-lhe que você nasceu no Brasil.

Então você me respondeu que torce pelo Brasil.

Aí fiz a pergunta matadora.

E por que ontem você torceu por aquele time de vermelho e preto, mas parecendo com o Flamengo?

- Por que o Brasil não estava jogando, ué! ´!

Levei uns minutos atônito com tua resposta. De todas as tuas tiradas, aquela fora a mais sincera.

No teu mundo infantil, ainda tão jovem não era o Brasil que tomava aqueles gols todos.

Era um outro time.

Nasci em 1964, e já são 64 anos que nos separam da fatídica derrota de 1950, na Copa do Mundo no Brasil, daquela vez contra o Uruguai. A derrota de ontem, pelo inusitado e vergonha da goleada, frente a um time que não reagia, que mal disfarçava a vontade de que o jogo acabasse logo, foi um trauma nacional de igual proporção, reação agora que reverberou nas mídias sociais.

Vimos bons jogos juntos na Copa. Lembra-se de EUA e Bélgica? Lembra de Argentina e Irã? As torcidas, as comunidades que hospedavam as Seleções, vimos uma energia linda tomando conta do Brasil. O humor do brasileiro mudou, virou uma fanfest. E na hora de nosso hino nacional, todo mundo cantando à capela. Que cenas marcantes.

Fizemos uma bela dupla de torcedores, mais dois que se juntou aos 200 milhões de brasileiros.

Vimos uma abertura da Copa fuleira. Sem graça. Sem o vigor de nossa dança e som. Sem arte tupiniquim. Vimos um mascote da Copa, o boneco inspirado no tatu-bola, chamado Fuleco que não vimos. Um mascote que foi vetado, que não apareceu em nada. Um esquecido num canto qualquer.

Vimos um monte de gente saindo de casa para trocar as figurinhas do álbum da Copa. Entre eles nós. Na página do Brasil, ainda falta a figurinha do Neymar. Sempre o Neymar. Colecionar figurinhas da copa virou uma febre aqui em Brasília. Chegávamos da escola e trabalho e íamos, eu, você e sua mãe, pregar no álbum as novas aquisições do dia.

Vimos um povo alegre indo aos estádios e uma corrente que jogo a jogo foi se fazendo para torcer. A Copa pegou mesmo na segunda rodada. Um povo que preparava a casa com o cuidado de que quem prepara uma celebração religiosa, tudo para que o momento de ver os jogos fosse uma verdadeira festa.

Vimos a mordida de Suarez. Um jogador que meses antes tinha operado o joelho e que seu fisioterapeuta descobriu um câncer nas vésperas de embarcar pra Copa e que ainda assim veio para ajudar ao jogador a se recuperar da operação. Ele virou noites fazendo fisioterapia, aplicando compressas, recebendo massagens e conseguiu brilhar na copa. Foi afastado por uma reação indevida à ira, à frustação. Ele perdeu o controle e mordeu o adversário. Em sua trajetória futebolística foi a terceira mordida. Como punição saiu da Copa.

Vimos nosso time perder o artilheiro Neymar, e o melhor defensor, o Thiago Sylva, vítimas de falta e cartão, respectivamente. O país entrou em êxtase pelo afastamento do Neymar. Ele teve direito a uma overdose de matérias das grandes TVs brasileiras. Só dava Neymar. Até psicóloga levaram para trabalhar a perda do Neymar junto à Seleção. Dramatizaram mais da conta. Só se falava nisso. Fiquei chateado. Achei que aquilo tiraria o foco e objetividade da partida. Que seria um emocionalismo inútil, que poderia contaminar o time todo, aumentando ainda mais a tensão da partida. Quando nosso time chegou para jogar com aquele boné (saudando o Neymar), e num falso break para a mídia, demorou a sair do ônibus cantando.

Lá dentro a Delegação Brasileira sambava “É dia de sol, mas o tempo pode fechar” (Tá Escrito. Ao ver aquelas cenas ficamos, eu e você, ainda mais desconfiados. Ninguém chega pra uma quarta de final tão relaxado. A adrenalina nos capacita à reação. A NEYMAR fixação estava demais. Todos mundo queria jogar pelo Neymar, e esqueceram de jogar por eles mesmos. Para eles mesmos. Um vexame o de ontem dia 08/07/2014, o dia que o Brasil dormiu em campo.

Vimos o técnico holandês Louis trocar o goleiro, pelo 2 goleiro reserva, minutos antes de iniciarem os pênaltis após uma prorrogação sem gols, entre em Holanda e Costa Rica. Na hora, eu esbravejei ao teu lado, lembra? Fiquei achando que ele estava humilhando o goleiro titular. Depois vi que ele estava dando uma aula de gestão ele foi ousado, inovador e conhecia a fundo as melhores características de sua equipe. Uma pintura de decisão. Passará para a história e poderá criar uma nova forma de pegar pênaltis em prorrogação.

Vimos o técnico da Bélgica, Wilmots, após mais de 20 bolas que seu time chutava e que o goleiro Tim Howard dos EUA pegava, se aproximar da área na qual o técnico americano orientava o seu grupo, o Klinsmann, e saudá-lo. Quem veria técnicos combatentes entre si, numa partida emocionante e tensa, pararem uns segundos e juntos conversarem sobre a beleza do espetáculo que estavam testemunhando? Quem veria? Nós vimos.

E vimos a forma elegante com a qual os Alemães reagiram ao nosso fiasco. Não chutaram o Brasil caído e ferido.

Essa foi uma copa especial. Foi nossa primeira Copa juntos. Você não perdia um jogo ao meu lado. Esqueceu até dos jogos de celular.

Ontem, voltando do trabalho, você ia pontuando sobre o engarrafamento. Estava louco para chegar em casa, botar sua camisa do Neymar e ver o jogo.

Sua irmã nos chamou para ver na casa dela, e o vizinho na casa de uns amigos, papai recusou. Tinha medo do trânsito louco e bêbados pós-jogo.

Ficamos sozinhos. E, você e sua mamãe. Mamãe Cristina passava roupas, um olho na tábua de passar outro na Televisão.

E, todas as vezes que ela subia para buscar uma peça de roupa, ou algo na dispensa, o placar era outro. Que coisa!!!




Gostei de ver a Copa em meu país. Foi a minha primeira. Gostei da emoção a cada jogo, do ajuntamento de amigos e família. Lembra o que fizemos na casa de Tio Guga? Papai, ao término da inesquecível e suada partida com o Chile teve perda total, apaguei no colchonete, sendo ninado por Priscila, tua irmã. Naquele dia juntamos toda nossa família, e seus irmãos em peso: Rodrigo, Priscila e Tiago.




Essa energia que nos move como Nação é que quero que nunca se esqueça.

O pano da bandeira de uma Nação também se tece com esportes, cinema, livros, teatro, música e dança.

E, cada coisa no seu lugar. Você pode ser o mais aguerrido crítico político do Brasil. Pode lutar pela saúde, educação, emprego, moradia, saneamento e ainda assim gostar de forró, de uma partida de futebol, de celebrar as mais variadas e ricas expressões da cultura popular de nosso povo. Falo-te isso pelo mimimi (gente que resmunga) que ouvi e li sobre a Copa do Mundo no Brasil.

Ela acontece em ano eleitoral, e muitas agendas ficam confusas. Muita gente se aproveitando para tirar uma casquinha.

Tenha discernimento para separar o joio do trigo.

Muitos protestaram, e no seu legítimo direito de assim o fazerem, negam-se a si mesmos como povo.

Quando acabarem as festas, as danças, os esportes, acaba junto o senso de pertencimento, de coletivo, o elo que nos une e que faz cada um se sentir irmão um do outro pelo simples fato de ver em seu carro a mesma bandeira que nos une e eu tremula.

Não seja um intelectual chato. Aliás, não seja um intelectual.

Goste das coisas simples, como ver uma partida de futebol pela TV junto aos vizinhos.

Ou comer pastel de feira livre.

Não tenho vergonha de sofrer. Eu, sofro uma noite e um dia. Amanhã já estarei bom e desejando que a Copa da Rússia chegue logo.

Quanto a você, vou doutriná-lo melhor para torcer pelo Fluminense.

Torcemos na Paraíba pelo Campinense, mas temos que ter um segundo time, de expressão nacional.

Como o hino do Fluminense é lindo, uma marcha canção, vale a pena torcer por ele.

Acho que teu tio e meu irmão, o Guga, está te botando no mau caminho do Flamengo.

Por último, não tenho nada contra os Argentinos. Lá têm uns filhos da puta, mas aqui também!

Cuidado em preconceitos. Estamos nutrindo um distanciamento com aquele país que excede o campo de futebol. O que era para ser uma pura sacanagem, entre os dois países que amam o futebol, está virando um muro de intolerâncias e agressividade, de ambas as partes, que não é legal.

Não embarque nessa. A Argentina tem um povo lindo e com excelente autoestima, coisa em falta no nosso povo que tem síndrome de vira-latas. Precisamos de mais orgulho de ser brasileiros e, isso eles nos ensinam em relação ao seu país, e talvez seja o que mais nos incomode.

Eles perdem e ainda continuam dizendo: As Ilhas Malvinas são nossa! Que cidadania santa...

Eles só não sabem jogar futebol.

Sim meu filho, foi a Copa das Copas, mesmo que nos dramas que vivemos.


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores