Cartas ao JG – Não Renegue teus Outonos (Autor Ricardo de Faria Barros)


Nesta tarde, após te pegar no colégio, você vinha eufórico para casa de teu pai. Acabara de fazer as provas de Ciências e História, que estavam reservadas para aquela quarta feira.
Você me diz que gosta destas disciplinas. Falou-me que uma das perguntas era sobre as quatro estações do ano: Outono, Verão, Inverno e Primavera.
Disse-me que aprendeu que o Outono é a mais “triste” das estações. E que ele, o Outono, deixa tudo sem cores, sem folhas, fazendo um monte de sujeira nas cidades.
Engoli em seco, olhei-te com olhos de compaixão, de misericórdia, e agora vou te ensinar o que é o Outono. Quando tiveres idade para entender esta carta compreenderá.
Sabe filho, eu sinto pelo preconceito que tiveram sobre o Outono. De fato, ele não tem as flores da primavera, nem os frutos do verão, nem os tentos brotinhos que nascem no inverno.
Mas, sem ele não haveria crescimento algum das plantinhas. A natureza precisa do Outono, como nós humanos precisamos de momentos de recolhimento, de reflexão e busca de um maior autoconhecimento.
No outono as árvores entram no modo esperança. Neste modo, elas largam fora tudo aquilo que está sugando sua essência, pois a pouca água que ainda existe no solo, deverá ser priorizada para mantê-la viva, por dentro do tronco e galhos, em fletes de seiva salvadores.
Então elas se despedem das folhas, dos frutos, das flores, para poder sobreviver.
Se ela não fizer isto, já no outono, preparando-se antecipadamente, quando chegar a próxima estação, ela não aguentará passar por ele.
Ela precisa perder para poder crescer. E, filho meu, crescer além de ser muito arriscoso, dói.
Quantas das vezes em teu viver tu terás que abrir mão de coisas, para manter tua essência viva?
Quantas tralhas tu vais carregando, sugando teu melhor existir, que em algum momento tu vai ter que tomar a coragem de delas se livrar. Para poder cuidar de ti, e atravessar dias mais áridos.

Filho, sabe qual é o sentido em Latim da palavra Outono?
- Aumento ou crescimento;
- Acrescentar ou fortalecer

Não é bacana? Então filho meu, inspire-se no Outono para crescer e para se fortalecer.
As folhas de teu viver que deixará cair, por já estarem secas, sem flores e frutos, já cumpriram seu papel em tua vida, e hora de deixá-las partir.
Tem gente que quer carregar tudo pela vida, e a mala existencial fica pesada. Carrega pessoas que lhes fazem mal, carrega emoções negativas: inveja, mágoa, ressentimentos e ódio. Carrega a falta de perdão, de recomeços, carrega o pessimismo de si mesma, do outro e da vida.
Carrega um monte de “Se” que são as culpas encardidas: Se eu tivesse feito Isto..., Ou Aquilo
Ou carrega um outro monte de “Quando”: Quando acontecer Isto...ou Aquilo...
Têm pessoas que queimam as Estações do Viver. Não querem passar pelo Outono. Não querem se esvaziar de suas certezas e dogmas sagrados, de seu estilo de vida sufocante, de sua postura escravizante sobre os outros. Ou de vidas de aparências, ou manipuladas pelos outros.
É desafiador ser Outono.
No Outono não temos nada que chame a atenção e que nos faça receber migalhas de afeto ou reconhecimento.
Nunca vi pessoas encherem suas redes sociais com fotos de árvores sem flores, folhas ou frutos.
O Outono não desperta a estética do olhar.
Todo mundo só quer ser Verão, com seus dias brilhantes. Ou Primavera, com seu florescer vibrante. Ou Inverno, com a abundância da natureza em doação: em sementes, frutos e legumes.
E Outono, aos olhos pouco avisados, só é estação de Perda. Perda das flores e folhas.
Mas, sem ele não haverá crescimento, nem fortalecimento.
Sabe filho, as vidas editadas das redes sociais não mostram seus Outonos.
Então, ficamos pensando que só se vive sorrindo, viajando, sendo promovido, em lua de mel, ou naquele show ou local digno de um cartão postal.
Mas, muitas dessas pessoas só estão usufruindo de uma vida que realmente faça-lhes sentido porque passaram pela etapa da muda.
Aceitaram e acolheram a dor da perda, deixaram ir o que não lhes fazia mais sentido.
E, despedidas de si mesmas, sem nada que causasse aração: beleza exterior, fama, poder, dinheiro, elas descobriram-se a si mesmas, e quem de fato gosta delas, em sua essência.
Quem já passou por períodos de luto, por crises na saúde, por aperreios sabe do que falo.
Eu amo as árvores de galhos e troncos desnudos, amo o Outono com suas folhas secas.
Aqui no Cerrado, do Distrito Federal do Brasil, elas são aulas vivas de esperança.
Os desavisados pensam que estão mortas. Tolinhos
Elas estão vivinhas por dentro. Só estão recolhidas, aprendendo com a natureza dos dias, buscando forças para manter a seiva interior, até que um tempo melhor lhes apareçam.
Pois, são nos Outonos, nos desertos dos Outonos, que podemos ter o privilégio de nos ouvir a nós mesmos, como em nenhuma outra estação existencial do Ser.
Filho meu, não tema perder suas folhas secas. Não tema períodos de reflexão, de introversão, períodos de silêncio e sofrimento existencial, daqueles que angustiam o peito.
Nesta sociedade consumista e narcisista, além de extremamente individualista, só aparece na mídia as pessoas realizadas, alegres, bonitas e de sucesso. E, e em selfs de cenas variadas de si mesma.
Então, por isso o Outono incomoda.
Pois parece que passar dias mais triste é uma doença. Não é filho meu!
Você precisará de dias assim para crescer, para amadurecer, para se fortalecer e fazer escolhas. E, não há escolhas sem renúncias. E, para cada renúncia uma folha seca que deixa que ela siga o caminho.
Só não ache que será para sempre. Um belo dia, de teus troncos secos, dos galhos sem vida, um brotinho nascerá, e um novo ciclo começará.
Aí tu se sentirás mais forte, mais belo, mais humano e valoroso, pois enfrentou a angústia de si mesmo, em noites de insônia e vazio.
Lembre-se sempre:
“É no Outono que a gente descobre que tem muita vida dentro da gente”, como diz a Brisa Azul.

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