Acordo pensando na tarde anterior, na qual nossa família que chegou à Recife, para o casamento d e meu filho Tiago com a Carol, curtiu um fim de tarde daqueles “pés na areia”, bem rejuvenescedor, registrado numa das fotos desta crônica.
Como é bom cultivar famílias.
Precisamos aproveitar outros ajuntamentos familiares, ou criá-los, para além dos enterros.
Chamo a isto de celebrar o nada. Como o fato de todos terem chegado bem à Recife, no dia anterior ao casório.
Degusto estas lembranças enquanto pego uma barraca de praia: guarda-sol gigante, cadeiras, mesinha, papai e JG, e paz, muita paz.
O trecho da praia de Boa Viagem já está apinhado de banhistas, que querem aproveitar o feriado ao máximo. Certo eles.
À minha frente, passa uma senhora com uma panela de caranguejos na cabeça, vendidos na beira-mar, numa espécie de delivery tupiniquim. Alguns estão com as patas de fora, gerando desejos salivantes nos banhistas, entre eles eu.
A fisionomia da vendedora está cansada, não é mole caminhar com algo na cabeça, sob sol escaldante e areia fofa.
Comprei-lhes alguns, para deliciar-me deles com o JG, mesmo sem prato e martelinho, nós comemos foi com os dentes mesmo, numa arte milenar de quebrar ossos para deles tirar a sustança do viver. E essa carninha de caranguejo é uma das maravilhas de Deus.
A senhora segue mais feliz, e até sorriu com as presepadas do JG, pegando receoso os caranguejos com medo de estarem vivos.
Na barraca ao lado vai chegando família grande.
Eles estão com roupas sociais, todos becados, parecem que vão a algum evento. São em dez: Três crianças (um menino e duas mocinhas), 5 jovens (dois rapazes e três jovens) e o patriarca e a matriarca, presumo.
Contemplo-lhes olhando o mar. As crianças correm até perto das ondas e voltam assustadas e risonhas. Para logo em seguida retornarem à farra das idas e vindas das ondas que chegam e voltam.
O menino molha a bermuda e leva um cocorote. Mas, logo pai amoroso volta atrás, tira-lhe a bermuda e o deixa tomar banho de cuequinha.
Uma das senhoras enche uma garrafinha de água mineral com a água do mar e um pouco da areia. Vai levar de recordação, com certeza!
Ela terá um tesouro em casa. Que ainda não tenho. Uauu! Meus olhos acostumaram-se com aquilo. Os dela não, ainda sao virgens ao assombro do acontecer.
Próxima vez trarei uma.
Os outros da família miram o mar, sem tempo para selfs.
Estão boquiabertos, com expressão de admiração. Depois fiquei sabendo, pelo patriarca, que só os mais velhos conheciam o mar.
JG aproxima-se deles para brincar.
Crianças são brincantes, e logo fazem amizade, não têm as tralhas emocionais e traumas dos adultos, cheios de reservas e desconfiança social.
Vendo a alegria deles, rolando na areia molhada, pensei em como é bom brincar.
As meninas, duas irmãs, vestidas com longos vestidos verdes, olhavam desejosas. Mas, de calcinha num pode. Diz as convenções.
Elas vestem vestidos da mesma cor e modelagem, e não estão nem aí. Daqueles de metro de tecido que aproveitamos, nas coisas simples da vida do interior, e com ele vestimos toda a família.
O chefe do clã tenta tirar uma self, mas num cabe todos, afinal são dez e a areia está muito fofa para pose melhor.
Vejo o aperreio dele e me ofereço para documentá-los, mandando as fotos em seguida pelo zap.
Fiz amizade com ele, chama-se Gelson. Descobri que vieram a um encontro de pastores e que moram no interior, do interior, do interior, do Maranhão, em São Domingos do Maranhão, 430 km de São Luís. Fiquei uma boa hora admirando aquela alegria genuína do clã do Gelson, inclusive a dele. Alegria dos simples, com as coisas boas da vida, cujo olha ainda permite vê-las.
As mulheres brigam com o vento nos cabelos, e riem com gosto, lá se foi o penteado, mas não se importam, não querem perder o momento único.
Então é hora deles partirem. E, cada um deles, como á moda antiga, passa pela nossa barraca, cumprimentam-nos e seguem, deixando-nos melhores naquela manhã.
Cem metros ao meu lado, observo movimentação estranha na praia de Boa Viagem, e não é tubarão chegando. (SIC!)
São grandes cadeiras amarelas que descem em direção ao mar, alegremente pilotadas por voluntários com camisa da mesma cor.
Aproximo-me e vejo uma das cenas mais lindas de minha vida. São cadeirantes que nela estão sentados, que são levados pelos voluntários da UNINASSAU, um projeto social em parceria com o Estado e a Prefeitura, para tomarem um belo banho, e em total segurança, protegidos pelos arrecifes, dos tubarões. E, por dispostos voluntários, segurando suas cadeiras, de algumas ondas mais rebeldes.
A alegria do grupo é contagiante. São umas seis cadeiras que estão na água. Cada um tem muitas histórias de superação pra contar, e sinto que estarem ali é algo muito especial naquele dia.
Sr. Josué é um deles. E só alegria e paz. JG pede pra ajudar a segurar a cadeira dele, numa das alças. Aí é só festa, babei com o gesto do pequeno JG.
Sr. Josué perdeu os movimentos das pernas após um severo AVC que teve, e, desde a criação do projeto, há seis anos, é um dos usuários mais entusiasmados do banho de mar aos finais de semana.
Volto pra minha barraca, e papai aponta para um pai enchendo a piscina do filho, baldinho a baldinho. Certamente não pode alugar aquelas que passam oferecendo, a 20,00 reais o dia, e cheia.
Mas, baldinho a baldinho, ele faz a sua, e demonstra tanto amor por aquele filhote, que ver aquela cena restaura vidas cansadas.
Perto de nós, um cheiro de frango assado invade os olfatos, aguçando nossa fome. Uma quentinha está sendo servida, e a garotada faz a festa com direito a boca melada de farinha.
Na praia, perto do mar, o Gordo da Salada arenga com o Zé da Geladinha, adivinhem o que discutiam?
Vou salvar o dia deles, encomendando algo pra o JG que ele nunca comera. E a discussão deles se encerra, então despedem-se, não sem antes alguns descontraídos xingamentos do 13 x 17.
E lá vai o Gordo da Salada seguindo o caminho. Adorei o marketing da camiseta dele.
Agora, o Severino do Gelada prepara duas pra nós, uma de coco para mim e uma de morango, para o JG, delícia.
Ao nosso lado, um jovenzinho brinca de cambalhotar na areia, um verdadeiro às olímpico.
JG quer imitá-lo, mas é admoestado para priorizar a gelada. Foco JG!
Terminando a gelada, ele corre pra bater bola com os meninos próximos.
Um deles, filho do dono do guarda-sol, é um amor de criança. Tadinho, após a lida de ajudar seu pai com as cadeiras e guarda-sóis, agora quer brincar. Criança é pra brincar.
Passa picolé, e ofereço uma rodada a todos.
De longe, observo que ele deixa o dele cair na areia. Mas, ele não é de desanimar. Pega o que restou, corre pra banhar com água, e senta-se para terminá-lo, junto aos demais meninos, que sorriem numa algazarra das boas.
Telefone toca e é a amada. Quer saber das novidades, interessa-se, mostra admiração, cuidado com meus filhos, e em especial com o JG (olhe o filtro solar, não deixe ele ir fundo, têm tubarões, dê água pra ele, cuidado pra ele não se perder...” Coisas que diz só quem ama)
Então, devagarinho, faço-lhe o relato acima, que não seria justo deixar só com ela.
Afinal, em tempos que se prega e se vende tanto ódio, de tudo e de todos, poder ver o que vi faz uma renovação toda especial nos tecidos da alma.
Há tanta coisa boa na Humanidade. E, para cada 10 razões para nela não mais acreditar, ainda existirão outras 1.000 que nos provarão, todos os dias, o contrário.
É só ajustar o dial do Ser para se sintonizar nas boas estações da vida e do viver.
Pense nisso!
Cure-se a si mesmo, nestes tempos de tanta pequenez social.
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