Dias de lama! (autor Ricardo de Faria Barros)

Todo mundo tem aquele dia que na primeira hora da manhã tudo ocorre de errado. Aquele dia em que nos sentimos encalhados numa praia, tal qual este veleiro da foto.

Quem não teve um dia destes que pare de ler este texto.

É a filha que amanhece doente, é a diarista que falta, é a mãe do outro lado da linha que acorda rabugenta e resolve te ligar para rabujar. É o teu celular que insiste em mandar mensagens de help, para teu amado, e ele não abre as mensagens, como se estivesse lhe evitando.

É o carro com o tanque na reserva, precisando abastecer, e recebe um zap do chefe, convocando a equipe para uma reunião logo cedo. E, pra complicar mais ainda, na pauta consta o "status-report" daquele teu projeto que não está andando, por razões maiores do que você mesmo, mas que para o chefe, isto é problema teu.

Então, nestas horas o rio dos pensamentos negativos descem com fúria, pelos vales da mente e coração, e tudo fica enlameado. Tal qual um tsunami de lama, leia sobre a tragédia de Brumadinho (Brasil), a onda de coisas ruins que ocorrem ao mesmo tempo é asfixiante, paralisante e tira o ânimo.

A movimentação da psiquê fica difícil. Qual um animal, atolado no lamaçal, a pessoa que recebe uma sobrecarga de notícias não consegue se mover, e entra em colapso emocional, em parafuso.

Por isso precisamos compreender o funcionamento de nosso aparelho mental para nos ler melhor e saber acolher estes momentos, sem atolar mais ainda o corpo na lama, ao tentar sair dela de qualquer jeito.

Têm dias em que é melhor acolher o sofrer que vem em cenas fartas e de naturezas variadas.

Acolher é uma estratégia sábia. Não significa se acomodar à dor. Não significa ser passivo, subserviente com o que te causa tristeza.

Significa que não temos controle de tudo.  E que em alguns dias de nossa existência, a barragem pode ceder, e vamos ser pegos por uma onda de coisinhas chatas, sob as quais não temos muito o que fazer, a não ser esperar que elas passem.

E passarão.

Logo virão dias melhores que vão dissolvendo esta lama negativa e vamos saindo de dentro dela.

Um abraço que recebemos de alguém especial, dissolve parte da lama.
Uma pessoa que nos oferece uma oração de intercessão, dissolve parte da lama.
Uma música edificadora que ouvimos, dissolve parte da lama.
Uma ajuda fraterna que prestamo, mesmo ainda presos na lama, ajudará também a dissolvê-la.
Um dia após o outro, deixando-nos guiar pelo Compositor do Tempo, e sua partitura da canção de  um Amanhã Melhor, dissolve parte da lama.

Em dias de prisão emocional apenas respire. Mantenha-se vivo. Acolha o que lhe ocorre como espaço de aprendizado, como mais um conjunto de lições da escola da vida.  Não se desespere, não desanime, não pare de acreditar que passará e que amanhã será melhor.

Verás que devagarinho, no tempo das coisas e dos "gnomos",  tudo vai se encaixando novamente. Ou, alguns desencaixes são para ficar desencaixados mesmo.
E, nos adaptamos a isto - a este desequilíbrio, com flexibilidade de pensamentos e comportamentos.

Contudo, existem quatro posturas que ajudam muito a velejar sobre o mar de lama de dias não tão bons. 

A esperança ativa - Que é aquela emoção de que "nada está tão ruim que não possa melhorar". E que é preciso continuar lançando as sementes, mesmo que o berço da terra esteja desconfortável para elas. É acreditar que amanhã pode chover, e as sementes vingarão. Mas, é a esperança ativa, tem que continuar lançando as sementes. Sementes de paz, de bondade, de doação ao próximo, de justiça, de amor e perdão. Um dias elas germinarão, e vão contribuir para sair do atoleiro existencial . Na metáfora com um veleiro, a esperança é o leme. Ela nos dá um Norte, um sentido. El nos guia, definindo e orientando novos rumos e cursos de ação.

O otimismo realista - Ser otimista não é ser bobo, nem alienado. Nem uma pessoa que não expressa dor, choro, raiva e desânimo. Daquelas que vivem sorrindo pra todos, e que sempre diz que tudo está bem. Isto não é ser otimista. Isto é ser sem noção. Otimismo e esperança são valores, ou emoções positivas, de espécie similar, mas de resultados diferentes. O otimismo é uma lente pela qual a vida vai sendo filtrada.   Ele nos ajuda a sempre buscar o lado bom das situações, ou o que nos sobra, apesar dela. Ele é um substantivo quase verbo. Um otimista move o destino a seu favor. Numa analogia com um veleiro, o otimismo são as velas. As velas da alma. O otimista aproveita as forças do vento, seja em que direção sopre, alterando suas perspectivas de pensar e atuar, para aproveitar melhor de onde sopra o vento. 


A resiliência  - Este sentimento nos faz mais fortes, diante das dificuldades. É como se nosso ferro existencial estivesse sendo malhado. A resiliência é expressa na coragem, a coragem dos sobreviventes. Coragem de continuar, no lugar em que todos já desistiram. Coragem de acreditar, no lugar em que todos desconfiam. Coragem de investir, no lugar em que todos já sacaram suas reservas emocionais. Coragem de ser tudo, no lugar em habitado por seres-nada.  A coragem de acolher os dias ruins, mantendo-se vivo e confiante. A coragem de encarar aquela reunião, no qual vai ser avaliado de forma negativa.  A coragem de superar distanciamentos dos conflitos e indiferença e conflito, usando as pontes das ternas palavras e os gestos de amorosidade proximal. A resiliência se desenvolve nos embates da vida. Aprendendo com eles, resistindo a eles, sobrevivendo a eles, se adaptando a eles, mudando com eles ou transformando-lhes.  Num barco à vela, a resiliência é o contra-peso que fazemos, para tensionar melhor as velas, aproveitando toda a força do vento. Este contra-peso pode ser feito com o próprio corpo humano, com cordas que puxam as velas. Ou, nas  jangadas mais simples, lançando água sobre as velas para torná-las menos permeáveis ao vento, aumento sua eficácia. 

Auto-eficácia - É o quarto componente do capital psicológico positivo. Sabe aquela sensação de que com nossas próprias capacidades podemos entregar algum resultado? Isto se chama autoeficácia. É aquela vozinha interior que nos diz que somos capazes. "Ser saber que era impossível, ele foi lá e fez". É bem isso. É aquela autoestima que nos coloca pra cima, pra frente. Que nos dá uma sensação de potência, de vigor, de que podemos conquistar aquele objetivo, ou realizar aquele sonho.  A auto-eficácia nos faz ver a nós mesmos com compaixão. Faz-nos julgar nossa vida com menos severidade e perfeccionismo.  Faz-nos nos acetar naquilo que, sob as condições em que estamos inseridos, ainda assim podemos entregar de melhor. Então, na analogia do barco, a auto-eficácia seriam os remos. E, quando lhes faltarem os ventos, remem! Esta era a filosofia dos maiores navegadores de todos os tempos, os Vikings. Seus barcos tinham velas e remos. Os remos representam bem a auto-eficácia. Quem rema, acredita que chegará em algum lugar, e com seu próprio esforço. Melhor analogia com a auto-eficácia impossível.

Velas, leme, contra-peso e remos tornam a navegação - mesmo em mares bravios, ou em calmarias sufocantes, muito mais eficaz.  Mas, tem que saber esperar a maré virar novamente. A maré subir e o teu barco flutuar. Teu barco desencalhar do banco de areia, ou atoleiro em que se meteu.  Enquanto isto, faça cuidados paliativos emocionais. Medite, ore, caminhe, cace flores com a retina.

Então, para você que acordou num dia ruim, acredite na força das marés. Logo, você entrará no veleiro existencial e usando da esperança, do otimismo, da resiliência e da auto-eficácia recomeçará de novo, sem ser novamente.

E, saindo velejando pela vida afora, verá que vai cortar a lama que lhe rodeia, e até navegará sobre ela mesma.

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