Tempos de Descartáveis {Autor Ricardo de Faria Barros}

Acessando os portais de notícias li que um casamento foi desfeito em minutos, após terem assinado o contrato nupcial. O fato ocorreu na Ásia, no Kuwait, no início deste mês.
O motivo foi que ao descerem as escadas do cartório, já casados, o marido a chamou de estúpida, por ela ter tropeçado e caído no chão.
Aí, ela ficou brava, retornou pelas escadas de onde acabara de descer, e pediu ao juiz a anulação do casamento, por ter se sentido injuriada. Ao que ele procedeu; três minutos após o casamento ter sido oficializado.
Talvez seja o recorde de temo de casamento desfeito. Não vou defender de maneira alguma a atitude do cara que a classificou de estúpida. Classificar quem leva um tombo de estúpida é ser, no mínimo, um bruto de um insensível. Mas, o que me chama a atenção é o pouco limite para deixar as coisas se acalmarem, para contar até dez antes de tomar uma decisão importante.
Como julgar uma pessoa, para a qual se entregará uma jornada de vida futura, por uma cena apenas?
Mesmo que seja uma cena que tenha tirado o outro do sério, machucado e feito infeliz?
Como se julga algo de ruim em um relacionamento por uma cena?
E não pelo filme do conjunto da obra entre eles?

Se fosse filha minha eu perguntaria assim:

Filha, ele é sempre assim? Violento e sem noção?
Filha, ele está com algum problema?
Filha, ele te pediu desculpas, assumindo a pisada na bola que fez?
Filha, você o ama?
Filha, desde que conheceu este cara, até a decisão de casar com ele, você se sentiu respeitada, cuidada, admirada?
Tirando este infeliz xingamento, ele te admira, demonstra interesse por tuas coisas, tu sente que ele te faz especial, e a mais feliz das mulheres, quando ao lado dele está?

Da avaliação das respostas às questões acima é que eu diria para ela decidir, mas não na hora.
Tem um filósofo polonês, falecido em 2017, chamado Zygmunt Bauman que escreveu um livro chamado Amor Líquido.
Neste livro, Bauman nos alerta para a banalização dos relacionamentos, que viraram objeto de consumo, e como tal podem ser comprados e descartados, na velocidade de um clique, ou de uma subida das escadarias para anular um casamento, recém-homologado.
A banalização das relações acompanha o mesmo ritmo da internet das coisas, transformando tudo numa velocidade imensa, em supérfluo, desnecessário, tão logo apareçam novas demandas, expectativas e necessidades, muitas das vezes idealizadas.
Perde-se capital psicológico positivo, no seu componente da resiliência, otimismo e esperança, e na ausência deste capital, nada compensa o esforço e investimento para o seu aprimoramento.
Melhor jogar fora, e comprar outro.
Correndo por fora das relações de consumo, que adentram perigosamente nos relacionamentos sociais, está o aumento da individualidade e egoismo.
E este excessivo culto ao EU, muitas das vezes reforçado em postagens sedentas de desejosas de likes acaba por criar um ambiente de pouca tolerância e empatia, e até uma certa dose de flexibilidade, ao outro EU, que também está inflado.


E, dois EUs inflados, quando se juntam, explodem.
Como um coração inflado de si mesmo acomodará parte do outro dentro de si?
Como uma pessoa que aprende que pode tudo, que compra tudo, que todas as suas necessidades-expectativas precisam ser atendidas, com exclusividade e prioridade, pode ser generosa ao outro, doando-se a ele?

Então, vivemos sob o império de um tripé: consumismo, individualismo e egoísmo.
E, neste tripé, falar em perdoar, aceitar o outro, ou acolher o que ocorreu quando as coisas lhe entristeceram, soa tão distante.
Tudo mundo cheio de razões e armado. Pronto ao menor deslize que o outro cometa a sacar-lhe as armas das palavras.
Aí, antes de dormir, a pessoa ainda entra nas redes sociais, posta o ocorrido, e encontra um monte de apoiadores, "likedores", e incendiadores. Gente que vai dar-lhe razão, mimá-la, enchê-la com um monte de conselhos, do tipo, "você está mais que certa em largar este cara".
E aí vamos ficando craques em cobiçar os gramados dos vizinhos, mas não sabemos o quanto de esforço eles levam para mantê-lo daquele jeito.
O quanto de sujeira eles precisam processar. O quanto de esperança, na força das sementes, eles precisam cultivar. E o quanto de otimismo eles precisam ter para com aquele gramado, infestado de tiriricas e caracóis, de que com o uso das ferramentas e cuidados certos, logo ele estará bonito novamente.

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