Meu pé de ipê, ainda sem flor.


Andar em Brasília nestes dias é contemplar, em forma de ipês, o traço de nosso Arquiteto maior, na sua singular perfeição. Nos parques, canteiros, calçadas e jardins eles estão presentes, imponentemente vestidos de rosa, alegrando nossa jornada. Em alguns, fica até difícil ver os galhos e resto de folhas, tal a profusão de cachos de flores que recobrem toda a árvore. Cachos de flores que encantam e embevecem a todos que são brindados pela sua presença. Pessoas maravilhadas param os carros e registram o espetáculo.

Voltei para casa pensando no meu ipê, único sobrevivente de três que plantara em 2008, de cores diferentes: amarelo, branco e rosa. Percebi, com uma pontinha de decepção de que ainda não sei a cor do meu. Hoje pela manhã acordei cedo, e como sempre faço, abro a varanda para contemplar as montanhas. Sobre elas paira uma neblina, tal qual uma seda divina, “orvalhando” as plantinhas sequiosas do Cerrado. Volto o olhar para o pomar, onde na sua extremidade plantei um pé de Ipê, aquele descrito no início deste texto.
Ele crescerá muito, nestes cinco anos de vida. Agora está uma arvorezinha exuberante, formosa. Apuro o olhar nele, procurando esperançoso um cacho de flor em formação, “umazinha” sequer... E nada!
Lembro as risadas de meus pedreiros quando delimitei a área do pomar, e ainda sem paredes finalizadas, já aguava minhas mudinhas de frutas e flores. Eles não entendiam a razão de plantá-las ainda nas fundações da construção. Eu dizia, são minhas companheiras de travessia. Elas marcarão minha história neste lugar desde seu início.
Meu ipê sobrevivente, já que os outros dois morreram, nega-se a florescer. O meu ipê sem flor. Debaixo dele tem um balanço azul, no qual me sento nos finais de semana, com Balu – meu labrador transloucado, lambendo meus pés. Ali embaixo tomo um drink, escuto uma canção, e fico procurando uma flor de ipê. Digo com meus botões, ai meu Deus, mais um ano que ele não floresce.
Comparo-o a outros ipês de seu porte, o que não deveria fazer, e lanço sobre ele ofensas do tipo: “puxa vida, você já tão grande e ainda não botou uma florzinha qualquer, e os outros de sua espécie - até menores, já estão todos vestidos em flor.” Acho que ele não gosta do que ouve, e se defende do ataque em sua autoestima abrigando alegres sabiás-laranjeira em suas copas.
São impropérios bestas, em momentos de incompreensão humana.
Ah, meu ipê sem flor, como se parece com áreas de nossas vidas que também não floresceram ainda , que não apresentaram e revelaram todo seu potencial.

Áreas num estado de vir-a-ser.
Alguns de nós poderão sentir a falta das flores nos troncos amorosos de nosso ipê interior. Seja por ter tomado na cabeça na relação a dois, ter sido maltratado, seja por não conseguir ceder e flexibilizar – a arte do encontro a dois. Seja por opção, por decepção, frustração ou por pura falta de sorte.
Outros poderão sentir falta de flores rosa na relação com o trabalho. Arrastam-se ali como se carregassem fardos. As horas passam lentamente e o olhar perde-se em meio a carimbos, clientes e rotinas operacionais.
Outros poderão sentir falta de júbilo na sua realização como pais. Os filhos perderam-se ao longo da caminhada, buscaram outras referências, meteram-se de cabeça em encrencas.
Outros ainda têm falta de cores nas suas famílias, com divisões, contendas e mágoas que nem as celebrações familiares do tipo batizados, formaturas, aniversários ou até enterros, são capazes de restaurar a paz.
Flores às vezes se fazem ausentes na nossa saúde, em áreas de nosso corpo no seu bio-psico-espiritual, e sofremos com isso.
Ou até, estas bem comuns numa nação de remediados, nas finanças pessoais. Passa ano após ano, e não saímos do fundo do poço, do cheque especial, da rolagem das dívidas.
Meu ipê ensinou-me que todos nós temos uma ou outra área sem flor em nosso existir. E que eu não gostaria de ouvir da Vida, sobre estas áreas sem flor em meu viver, o que ele ouviu de mim, ao compará-lo com outros da mesma espécie.
É que em matéria de flores interiores cada um de nós tem sua própria carência, e nem por isso nos tornamos menos belos. Somos assim mesmos – incompletos por natureza. Sempre em falta com algo. Sempre à procura. Somos retirantes de nós mesmos, em busca de melhores e novos tempos.
Será que por ter uma área de nossa vida que não floresceu ainda nos tornamos menos ipê? Ou seja, tem áreas de nosso ipê interior que faltam flores? Lógico. Todos as teremos, mais cedo ou mais tarde. Pode ser até na área espiritual, na qual poderemos virar um monte de ossos secos, como predisse o profeta Ezequiel: “E eis que eram muito numerosos os ossos sobre a face do vale, e estavam sequíssimos" (Ez 37.2).
Será que certo grau de não florescer, em algum aspecto de nosso existir, um ou outro osso seco, não faz parte da própria existência humana? Não dá para vencer em todas. Ganhar todas. “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendo a lição”. Talvez este seja o caminho.
Tem área sem flor que realmente a gente vai ter que sublimar, relevar, mudar a nós próprios perante o não esplendor da mesma. Se não podemos mudar uma situação, pense numa situação-limite, sob a qual não tem controle, ainda assim podemos mudar a nós mesmos, diante dela, do quanto permitimos que ela nos afete, nos mobilize e leve-nos para o vale de lágrimas.
Não é por que nosso ipê interior, sem flor em alguma área de sua vida, é diferente de outra pessoa florido na mesma área, que temos o direito de destruir nossa autoestima com comparações estéreis.
Pode ser por que ainda não chegou o tempo desta área florescer. Ou que só lhe falta uma oportunidade. O rio corre sozinho. Não apresse o rio. E, nesse correr, ele dá voltas, serpenteia, em alguns lugares parece fraquinho... Fraquinho, só um filetezinho, mais à frente transforma-se e encontra-se com o mar num turbilhão de águas, como as do rio São Francisco.
Nós também somos promessa, possibilidades, temos potencias adormecidos que poderão um dia nos surpreender, quais as flores de meu ipê um dia o farão. Áreas que ainda não revelaram todo seu vigor. Flores negadas que por terem sua árvore interior maltratada, ainda não puderam se expressar em toda sua completude, ao largo do infinito de possibilidades do acontecer.
Mas será que a falta não é justamente a própria existência humana, situações que agente ainda estão por se revelar. Quantas pessoas encontraram o sentido no trabalho na sua segunda, ou terceira tentativa. Quantas pessoas encontraram-se no amor já na viuvez. Outros que viram os filhos dando trabalho, que achavam que não teria solução, mais a frente foram reconhecidos no seu esforço de não os abandonarem. Pois eis que revelaram suas flores.
Pois é, o meu ipê sem flor vai florescer ainda. Eu acredito. Ele tem o seu tempo.
Mas, e se ele não florescer? Será menos o meu ipê? Vou passar o facão nele?
Não! Ele é meu ipê. Com flores ou sem flores. Ele faz parte de minha história. E, só pela possibilidade de um dia vir a se vestir de flores já me encanta.
Vou continuar cuidando dele. Ficando embaixo de sua copa. Mudarei a partir de hoje a frase que digo pra ele. Para: “Ei amigo, ambos somos sobreviventes e você, assim como eu, ano-a-ano lança suas raízes nesta terra distante e cresce em estrutura e apoio para os que te rodeiam”. Ambos podemos ser abrigo, apoio, harmonia para quem cruzar em nosso caminho.
Será que isto não é importante? Penso que sim. Não gosto desta cultura americana de querer ser um vencedor em tudo, o primeiro lugar em tudo, na qual o segundo lugar é tido como o primeiro dos derrotados. Onde o termo “loser” (fracassado) é quase um palavrão. Esta é uma cultura excessivamente competitiva que limita e empobrece relações.
Outro extremo que também não gosto, nesta área de perdas e ganhos das flores, são as profecias autorealizadoras para conosco mesmos. Do tipo: “Vou ser sempre infeliz no amor”. “Nunca vou me realizar no trabalho”. “Na vida serei sempre um sou um lascado mesmo”. Estas profecias autorealizadoras moldam nossas percepções e comportamentos, induzem cursos e raios de ação. São mantras incapacitantes, imanentes. Começam muitas das vezes com uma palavra-deusa, chamada Sorte, que absorve e irradia todo o nosso porvir. Esta Deusa é adorada em formulações mais ou menos assim: Eu não dou sorte no amor; com mudanças; nos empregos; na saúde, nas finanças; com os filhos.
De tanto falarmos estes mantras e profecias autorealizadoras, elas vão ficando impregnadas em nossa realidade. Alteramos tudo a nosso redor, distorcemos realidades, para que estas profecias não neguem seu valor e façam sentido. Procuramos justificar os desastres em nossa vida com estas crenças, e passamos a ouvir a vozinha interior que fica nos dizendo: eu não disse! Elas viram perigosas predições, que justificam e nos colocam na posição de vítimas.
Diferentemente destes extremos: o da busca incessante e ansiosa pelo sucesso em todas as áreas do viver; ao do fatalismo trágico que nos posiciona num cômodo estado de aceitação mórbida de tudo que nos acontece, temos o estado da conscientização e autonomia do ser, plenificado numa postura de transcendência.
Alternativamente ao fatalismo, ou ao vazio existencial provocado pela busca incessante de querer vencer em tudo temos a transcendência – lugar da autonomia de nosso ser interior. Esta posição da transcendência faz-nos olhar para além das flores que nos faltam. Neste estado temos clareza que somos frutos de nossas escolhas. E que sobre elas nem sempre temos o controle. Aliás, navegar é que é preciso, de precisão, lógica, cartesianas, coordenadas, de previsão, viver não é preciso.
Cuidado para não fixar demasiadamente o olhar em galhos sem flores de seu interior. Onde a gente fixa permanentemente o olhar, altera nossa percepção de outras áreas ao nosso redor. E pode até induzir um sentimento de que somos como um todo fracassados.
Convido-lhe a ver outras áreas floridas em seu viver. Eu sei, eu sei, às vezes dói não ter conseguido resultados em algum espaço vital. Dói. Pense numa mãe que olha para um filho drogado, ou por ter sido preso por ter feito algum crime. Dói. Mas, esta mãe continua acreditando no potencial de seu filho, no seu futuro, no seu desabrochar. Esperando contra toda desesperança. Teimando em acreditar em dias melhores para ele. Ajoelhando todos os dias e suplicando por ele ao Criador. Que se emociona ao pensar nele quando canta a música Valsinha, “um dia ele chegou tão diferente do seu modo de sempre chegar.” Será que só fato de tê-lo, na perspectiva de uma luta, do amor exigente, que não permite tudo, que cuida, que acolhe, não será por si só flor noutra área destra mãe esperançosa? Não seja uma razão para viver, nem que seja a luta pelo resgate e restauração do seu filho.
Então, existirão sempre áreas de nosso acontecer no mundo que estarão sem flor. São áreas de fracasso, de derrota. Mas, isso não nos tornará uns derrotados. Não faz nos fará perdedores do jogo da vida. Lembro-me de pessoas que conheci que estavam completamente destruídas, em alguma área de seu viver, e que renasceram noutras áreas como, por exemplo, a ajuda ao próximo, reencontrando o prumo e sentido da vida. Mesmo sem preencherem-se na área faltante, a ajuda solidária produz satisfação suficiente para compensar outras perdas.
Sabe o que acontece com estas sábias pessoas? Param para olhar o que faz falta. Olham para o que resta, para além das flores ausentes. Testemunham com seu viver que o que lhes constitui não são as flores, e sim os caules, raízes e folhas, estes bem mais perenes, como os valores que possuem.
Aprendi com meu pé de ipê sem flor que são os valores quem fará a diferença em nosso existir, em nosso vir-a-ser. Eles são a estrutura. O tronco, ramos e folhas do ser. Valores como a bondade, gentileza, justiça, solidariedade, amor, paz, retidão.
Mesmo a gente não alcançando tudo que queríamos ser, são estes valores que dão suporte ao nosso viver. São eles que nos tornam vida para os outros. Abrigo, fortaleza, sombra, aconchego, refrigério para almas cansadas. Então, tiremos o foco dos galhos sem flor de nosso ipê interior. Não digo que devamos negar nossas dores. Ou justifica-las como fazia Poliana.
Só digo que precisamos nos acalmar, transcender.
Aponte-me uma pessoa que não tenha um galho sem flor, em alguma área de sua vida!
No amor você não é o primeiro infeliz. Com filhos não é o primeiro em dificuldades. No emprego, não é o primeiro de que não gosta.
Mas a vida não é feita somente disso. A vida não é feita só das flores que não acontecem.
Ela é feita justamente da busca pelas flores. Do cuidado com as estruturas que darão suporte às possibilidades de um dia vir a florescer – as atitudes.
A vida é feita do caminho para a flor. E é no caminho para as flores que passamos a admirar a beleza de folhas, troncos, caules, raízes – nossos valores.
Os valores são mais importantes do que as vitórias.
Despeço-me com o belo poema de Henfil que retrata esta saga por achar o sentido, um sentido qualquer que nos dê uma razão a mais para viver!
“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”

Voltei para casa pensando no meu ipê, único sobrevivente de três que plantara em 2008, de cores diferentes: amarelo, branco e rosa. Percebi, com uma pontinha de decepção de que ainda não sei a cor do meu. Hoje pela manhã acordei cedo, e como sempre faço, abro a varanda para contemplar as montanhas. Sobre elas paira uma neblina, tal qual uma seda divina, “orvalhando” as plantinhas sequiosas do Cerrado. Volto o olhar para o pomar, onde na sua extremidade plantei um pé de Ipê, aquele descrito no início deste texto.Ele crescerá muito, nestes cinco anos de vida. Agora está uma arvorezinha exuberante, formosa. Apuro o olhar nele, procurando esperançoso um cacho de flor em formação, “umazinha” sequer... E nada!Lembro as risadas de meus pedreiros quando delimitei a área do pomar, e ainda sem paredes finalizadas, já aguava minhas mudinhas de frutas e flores. Eles não entendiam a razão de plantá-las ainda nas fundações da construção. Eu dizia, são minhas companheiras de travessia. Elas marcarão minha história neste lugar desde seu início.Meu ipê sobrevivente, já que os outros dois morreram, nega-se a florescer. O meu ipê sem flor. Debaixo dele tem um balanço azul, no qual me sento nos finais de semana, com Balu – meu labrador transloucado, lambendo meus pés. Ali embaixo tomo um drink, escuto uma canção, e fico procurando uma flor de ipê. Digo com meus botões, ai meu Deus, mais um ano que ele não floresce.Comparo-o a outros ipês de seu porte, o que não deveria fazer, e lanço sobre ele ofensas do tipo: “puxa vida, você já tão grande e ainda não botou uma florzinha qualquer, e os outros de sua espécie - até menores, já estão todos vestidos em flor.” Acho que ele não gosta do que ouve, e se defende do ataque em sua autoestima abrigando alegres sabiás-laranjeira em suas copas.São impropérios bestas, em momentos de incompreensão humana.Ah, meu ipê sem flor, como se parece com áreas de nossas vidas que também não floresceram ainda , que não apresentaram e revelaram todo seu potencial.
Áreas num estado de vir-a-ser. Alguns de nós poderão sentir a falta das flores nos troncos amorosos de nosso ipê interior. Seja por ter tomado na cabeça na relação a dois, ter sido maltratado, seja por não conseguir ceder e flexibilizar – a arte do encontro a dois. Seja por opção, por decepção, frustração ou por pura falta de sorte. Outros poderão sentir falta de flores rosa na relação com o trabalho. Arrastam-se ali como se carregassem fardos. As horas passam lentamente e o olhar perde-se em meio a carimbos, clientes e rotinas operacionais.Outros poderão sentir falta de júbilo na sua realização como pais. Os filhos perderam-se ao longo da caminhada, buscaram outras referências, meteram-se de cabeça em encrencas.Outros ainda têm falta de cores nas suas famílias, com divisões, contendas e mágoas que nem as celebrações familiares do tipo batizados, formaturas, aniversários ou até enterros, são capazes de restaurar a paz.Flores às vezes se fazem ausentes na nossa saúde, em áreas de nosso corpo no seu bio-psico-espiritual, e sofremos com isso.Ou até, estas bem comuns numa nação de remediados, nas finanças pessoais. Passa ano após ano, e não saímos do fundo do poço, do cheque especial, da rolagem das dívidas. Meu ipê ensinou-me que todos nós temos uma ou outra área sem flor em nosso existir. E que eu não gostaria de ouvir da Vida, sobre estas áreas sem flor em meu viver, o que ele ouviu de mim, ao compará-lo com outros da mesma espécie. É que em matéria de flores interiores cada um de nós tem sua própria carência, e nem por isso nos tornamos menos belos. Somos assim mesmos – incompletos por natureza. Sempre em falta com algo. Sempre à procura. Somos retirantes de nós mesmos, em busca de melhores e novos tempos.Será que por ter uma área de nossa vida que não floresceu ainda nos tornamos menos ipê? Ou seja, tem áreas de nosso ipê interior que faltam flores? Lógico. Todos as teremos, mais cedo ou mais tarde. Pode ser até na área espiritual, na qual poderemos virar um monte de ossos secos, como predisse o profeta Ezequiel: “E eis que eram muito numerosos os ossos sobre a face do vale, e estavam sequíssimos" (Ez 37.2). Será que certo grau de não florescer, em algum aspecto de nosso existir, um ou outro osso seco, não faz parte da própria existência humana? Não dá para vencer em todas. Ganhar todas. “Nem sempre ganhando, nem sempre perdendo, mas aprendo a lição”. Talvez este seja o caminho.Tem área sem flor que realmente a gente vai ter que sublimar, relevar, mudar a nós próprios perante o não esplendor da mesma. Se não podemos mudar uma situação, pense numa situação-limite, sob a qual não tem controle, ainda assim podemos mudar a nós mesmos, diante dela, do quanto permitimos que ela nos afete, nos mobilize e leve-nos para o vale de lágrimas. Não é por que nosso ipê interior, sem flor em alguma área de sua vida, é diferente de outra pessoa florido na mesma área, que temos o direito de destruir nossa autoestima com comparações estéreis. Pode ser por que ainda não chegou o tempo desta área florescer. Ou que só lhe falta uma oportunidade. O rio corre sozinho. Não apresse o rio. E, nesse correr, ele dá voltas, serpenteia, em alguns lugares parece fraquinho... Fraquinho, só um filetezinho, mais à frente transforma-se e encontra-se com o mar num turbilhão de águas, como as do rio São Francisco.Nós também somos promessa, possibilidades, temos potencias adormecidos que poderão um dia nos surpreender, quais as flores de meu ipê um dia o farão. Áreas que ainda não revelaram todo seu vigor. Flores negadas que por terem sua árvore interior maltratada, ainda não puderam se expressar em toda sua completude, ao largo do infinito de possibilidades do acontecer. Mas será que a falta não é justamente a própria existência humana, situações que agente ainda estão por se revelar. Quantas pessoas encontraram o sentido no trabalho na sua segunda, ou terceira tentativa. Quantas pessoas encontraram-se no amor já na viuvez. Outros que viram os filhos dando trabalho, que achavam que não teria solução, mais a frente foram reconhecidos no seu esforço de não os abandonarem. Pois eis que revelaram suas flores.Pois é, o meu ipê sem flor vai florescer ainda. Eu acredito. Ele tem o seu tempo. Mas, e se ele não florescer? Será menos o meu ipê? Vou passar o facão nele?Não! Ele é meu ipê. Com flores ou sem flores. Ele faz parte de minha história. E, só pela possibilidade de um dia vir a se vestir de flores já me encanta.Vou continuar cuidando dele. Ficando embaixo de sua copa. Mudarei a partir de hoje a frase que digo pra ele. Para: “Ei amigo, ambos somos sobreviventes e você, assim como eu, ano-a-ano lança suas raízes nesta terra distante e cresce em estrutura e apoio para os que te rodeiam”. Ambos podemos ser abrigo, apoio, harmonia para quem cruzar em nosso caminho. Será que isto não é importante? Penso que sim. Não gosto desta cultura americana de querer ser um vencedor em tudo, o primeiro lugar em tudo, na qual o segundo lugar é tido como o primeiro dos derrotados. Onde o termo “loser” (fracassado) é quase um palavrão. Esta é uma cultura excessivamente competitiva que limita e empobrece relações.Outro extremo que também não gosto, nesta área de perdas e ganhos das flores, são as profecias autorealizadoras para conosco mesmos. Do tipo: “Vou ser sempre infeliz no amor”. “Nunca vou me realizar no trabalho”. “Na vida serei sempre um sou um lascado mesmo”. Estas profecias autorealizadoras moldam nossas percepções e comportamentos, induzem cursos e raios de ação. São mantras incapacitantes, imanentes. Começam muitas das vezes com uma palavra-deusa, chamada Sorte, que absorve e irradia todo o nosso porvir. Esta Deusa é adorada em formulações mais ou menos assim: Eu não dou sorte no amor; com mudanças; nos empregos; na saúde, nas finanças; com os filhos.De tanto falarmos estes mantras e profecias autorealizadoras, elas vão ficando impregnadas em nossa realidade. Alteramos tudo a nosso redor, distorcemos realidades, para que estas profecias não neguem seu valor e façam sentido. Procuramos justificar os desastres em nossa vida com estas crenças, e passamos a ouvir a vozinha interior que fica nos dizendo: eu não disse! Elas viram perigosas predições, que justificam e nos colocam na posição de vítimas.Diferentemente destes extremos: o da busca incessante e ansiosa pelo sucesso em todas as áreas do viver; ao do fatalismo trágico que nos posiciona num cômodo estado de aceitação mórbida de tudo que nos acontece, temos o estado da conscientização e autonomia do ser, plenificado numa postura de transcendência.Alternativamente ao fatalismo, ou ao vazio existencial provocado pela busca incessante de querer vencer em tudo temos a transcendência – lugar da autonomia de nosso ser interior. Esta posição da transcendência faz-nos olhar para além das flores que nos faltam. Neste estado temos clareza que somos frutos de nossas escolhas. E que sobre elas nem sempre temos o controle. Aliás, navegar é que é preciso, de precisão, lógica, cartesianas, coordenadas, de previsão, viver não é preciso.Cuidado para não fixar demasiadamente o olhar em galhos sem flores de seu interior. Onde a gente fixa permanentemente o olhar, altera nossa percepção de outras áreas ao nosso redor. E pode até induzir um sentimento de que somos como um todo fracassados. Convido-lhe a ver outras áreas floridas em seu viver. Eu sei, eu sei, às vezes dói não ter conseguido resultados em algum espaço vital. Dói. Pense numa mãe que olha para um filho drogado, ou por ter sido preso por ter feito algum crime. Dói. Mas, esta mãe continua acreditando no potencial de seu filho, no seu futuro, no seu desabrochar. Esperando contra toda desesperança. Teimando em acreditar em dias melhores para ele. Ajoelhando todos os dias e suplicando por ele ao Criador. Que se emociona ao pensar nele quando canta a música Valsinha, “um dia ele chegou tão diferente do seu modo de sempre chegar.” Será que só fato de tê-lo, na perspectiva de uma luta, do amor exigente, que não permite tudo, que cuida, que acolhe, não será por si só flor noutra área destra mãe esperançosa? Não seja uma razão para viver, nem que seja a luta pelo resgate e restauração do seu filho. Então, existirão sempre áreas de nosso acontecer no mundo que estarão sem flor. São áreas de fracasso, de derrota. Mas, isso não nos tornará uns derrotados. Não faz nos fará perdedores do jogo da vida. Lembro-me de pessoas que conheci que estavam completamente destruídas, em alguma área de seu viver, e que renasceram noutras áreas como, por exemplo, a ajuda ao próximo, reencontrando o prumo e sentido da vida. Mesmo sem preencherem-se na área faltante, a ajuda solidária produz satisfação suficiente para compensar outras perdas. Sabe o que acontece com estas sábias pessoas? Param para olhar o que faz falta. Olham para o que resta, para além das flores ausentes. Testemunham com seu viver que o que lhes constitui não são as flores, e sim os caules, raízes e folhas, estes bem mais perenes, como os valores que possuem. Aprendi com meu pé de ipê sem flor que são os valores quem fará a diferença em nosso existir, em nosso vir-a-ser. Eles são a estrutura. O tronco, ramos e folhas do ser. Valores como a bondade, gentileza, justiça, solidariedade, amor, paz, retidão. Mesmo a gente não alcançando tudo que queríamos ser, são estes valores que dão suporte ao nosso viver. São eles que nos tornam vida para os outros. Abrigo, fortaleza, sombra, aconchego, refrigério para almas cansadas. Então, tiremos o foco dos galhos sem flor de nosso ipê interior. Não digo que devamos negar nossas dores. Ou justifica-las como fazia Poliana.Só digo que precisamos nos acalmar, transcender. Aponte-me uma pessoa que não tenha um galho sem flor, em alguma área de sua vida!No amor você não é o primeiro infeliz. Com filhos não é o primeiro em dificuldades. No emprego, não é o primeiro de que não gosta. Mas a vida não é feita somente disso. A vida não é feita só das flores que não acontecem. Ela é feita justamente da busca pelas flores. Do cuidado com as estruturas que darão suporte às possibilidades de um dia vir a florescer – as atitudes.A vida é feita do caminho para a flor. E é no caminho para as flores que passamos a admirar a beleza de folhas, troncos, caules, raízes – nossos valores.Os valores são mais importantes do que as vitórias. Despeço-me com o belo poema de Henfil que retrata esta saga por achar o sentido, um sentido qualquer que nos dê uma razão a mais para viver!“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente.”

Esta crônica é de 11/06/2012, hoje, em 02.09.2012, registrei as primeiras e tímidas flores róseas de meu ipê, agora com fores. Procure na foto que achará.

3 comentários:

  1. como eu precisava ler isto hoje...
    Obrigada, meu amigo.

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  2. Olha, meu amigo, eu digo pra vc que vou deixar a vergonha de lado.rs.. esse texto realmente veio a calhar... é bem isso mesmo.... acho que eu tb precisava ler isso. e apesar de ser super centrada, trabalhar com questionamentos dos pacientes todos os dias.... a gente tb é humano e como humano algumas coisas tb caem, desabam para se solidificarem depois em outros conceitos em outras escolhas.... sem vergonha de falar, preciso realmente ler o teu livro.rs..... sei que me fará bem... pois vc conhece minha história e sabe dos desdobramentos..rs... deixo aqui meu abraço , carinho pra ti e família e teu guri sapeca..... bom domingo!!!!

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