Ao longe o som fazia um bip bip baixinho. Diferente de outros bip bip a que me acostumara. Sentia uma sensação estranha, como se tirassem pouco a pouco minha camisa e o calor fosse descendo. Olhei no relógio: 4h da manhã.
Senti a morte ao lado. Sem forças para gritar ou acenar, seria uma morte silenciosa. Com muito esforço virei a cabeça para o lado, de onde vinha sons, procurando ajuda. Observei um casal de auxiliares de enfermagem trocando os lençóis de uma das camas da UTI Cardíaca, de alguém que horas antes partira. Trocamos olhares. Eles pararam o que faziam. Fitaram-me. Viram que de meu pescoço escorria, pelo curativo da jugular, um rio de sangue. Acionaram a ilha da enfermaria que estavam ocupados com outras ocorrências. Pessoas de branco corriam. Expressões preocupadas ao meu redor. Ouvi "pressão 6 por 4". Sentia calma. Nada de luz, de desespero. Uma calma de quem partiria sem grandes dívidas emotivas. Aos poucos, o calor foi voltando. Mexia o corpo para ter certeza de que ali ainda estava. Uma alegria invadiu-me, estampou-se no meu rosto. Fora engano. Erro de leito. A morte seguiu adiante. Queria fazer amor com todos. Queria publicar minhas graças, revelar minhas bênçãos. Em êxtase pensava em beijar a todos. Rememorei quantos estavam me esperando, lado de fora. Quantos que por eles eu tinha uma razão para voltar para casa. Aplicaram-me um sossega leão. Acordei pelas 10hs. Cansado. Exausto. Abri os olhos, a cama ao lado agora tinha um novo cliente. Vi um lanchinho ao lado de meu leito. Um suco, umas frutas, bolachas e uma pequena garrafa com leite. Sorvi um a um como um banquete divino. Que sabor! Deliciava-me com coisas simples que desaprendera a gostar, até a bolacha quebrando no céu da boca. Coisas que os olhos opacos da indiferença tornaram-nas banais. Saboreei aquela pera como a única. Rodei-lhe e vi nela um traço de mulher. Estava tendo alucinações? Aceitei de bom grado o chamado do fisioterapeuta para andar, andar dói com a sonda. Aceitei tudo como dádiva. Aprendi que sou "morrível". E, em assim sendo, preciso ser "vivível" sempre! Para que, quando ela não errar o endereço, eu possa - pelo amor que plantei ter pelo menos seis pessoas levando-me - do leito lenhoso para a terra macia. Semearão meu ser ali e germinarei nos braços do Pai.
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