Feedback pode ser um ato de amor.



Todo mundo um dia se depara com a necessidade de falar algo a alguém, e um algo nem sempre agradável.
Algo que incomoda e que precisa ser resolvido.
Na administração, chama-se de feedback, palavra que caracteriza um retorno sobre algo acontecido.
No jargão popular, chama-se de conselho. 
Conselho e feedbacks nem sempre são fáceis de serem dados, ou bons, nem pra quem os emite nem para quem os recebe.
Um dia estava esperando meu filho ser liberado das aulas do colégio. 
Na portaria, uma grade nos dividia das crianças que brincavam no pátio.
Os meninos mais velhos já liberados correm pelo pátio.
Uma mãe ao meu lado procura seu filho.
Eis que um jovenzinho aproxima-se pelo lado de dentro e dirige a palavra àquela mãe.
Tia, você é a mãe do Juninho? 
Ela responde que sim.
E ele continua o diálogo perguntando.
- Por que o Juninho não usa meias quando bota tênis?
A mãe responde que o Juninho na pressa de se vestir não gosta de colocar meias.
A criança emenda.
- Ohh tia, quando ele tira o tênis fica tudo fedido.
Que sabedoria dessa criança ao emitir um feedback.
Ele fez duas perguntas. 
Na primeira procurou se cercar de cuidados conferindo se aquela senhora de fato era a mãe do Juninho.

O feedback deve ser fornecido à pessoa correta, e não a terceiros, pois virará fofoca, maledicência e da pior qualidade.
Em nada ajudará ao ser humano em seu crescimento. 

O jovem procurou a pessoa correta, a mãe. Uma mãe de um menor, para quem de direito devem ser dirigidas críticas ao comportamento de seus filhos.
Na segunda pergunta ele sondou o que poderia haver com o Juninho, já que para ele meias e tênis andavam juntos.
Ele fez uma coisa difícil e mágica, ele perguntou. Uma pergunta maiêutica, socrática.
Uma pergunta que abre um monte de possibilidades de análise, na sua resposta. Que abre uma avenida de compreensão.
Uma simples pergunta.
Por que?
A mãe respondeu e o jovem continuou sendo impecável.
Ele não discutiu, debateu, tentou convencer a mulher de que o seu filho era fedido. Ele não a agrediu.
Apenas constatou, com simplicidade e autenticidade, não sem antes emendar uma exclamação e um carinhoso “tia”: 
- “Quando ele tira o tênis fica tudo fedido”.
Perfeito.
Ele caracterizou um comportamento observado. Ele descreveu uma cena.
Não rotulou. Não agiu com preconceito, ou afirmou algo do tipo:
“Juninho é fedido!”.
Não, não é Juninho que é fedido. É a falta de meias ao usar o tênis que deixa tudo fedido.
Exalando chulé!
O jovem conseguiu fazer uma análise clara e sábia da situação. Usou da razão e lógica para entender o fenômeno do fedor.
Ele foi grande.
Não tenha dúvida que aquela mulher, também sábia, uma vez que não retrucou o jovem também cresceu com o feedback ou conselho.
Juninho passará a usar meias, ou pó anti-chulé, ahh se passará.
Se todo mundo tivesse esse cuidado no que fala ao outro, na hora de admoestar, na hora de orientar, na hora de avaliar algo que não está nos conformes.
Ter a sabedoria de iniciar perguntando sobre o acontecido ao envolvido. Dando-lhe chances de explicar o contexto da ação, seus motivos e direcionadores do comportamento observado.
“Juninho tem pressa ao se arrumar...”
Ao iniciar uma sessão de feedback com uma pergunta, suscita-se espaço para o diálogo socrático, o parto das ideias chamado de maiêutica.
Abrem-se possibilidades para reposicionamentos, esclarecimentos, melhor compreensão do observado, agora descrito pelo seu próprio protagonista. Sem terceiros, sem distorções perceptivas, furto de nossa limitação inata de perceber. 
O pequeno jovem usou de táticas estratégicas na condução de um feedback qualificador, aquele que nos torna melhores depois que ouvimos:

1. Pedido de maiores informações sobre aquilo que ocorreu. Na perspectiva de seu protagonista.

2. Narração descritiva do incômodo com o fato acontecido, sem adjetivações, sem personalização.

3. Criação de um ambiente sereno, de respeito, de diálogo. (“Oh tia...”)

4. Corte cirúrgico da cena, possibilitando ao outro um espaço de reflexão e mudança. Lembram que o jovem não fez uma réplica. Ouviu as explicações da mãe e ponto.

Costumo dizer que um feedback, ou conselho, pode ser um ato de amor. 
Um ato de quem acredita na força dos seres humanos de mudarem e que todos podem despertar o potencial interior no outro. Que muita das vezes só precisa de um toque, uma palavra, uma orientação.
Cuidar da forma é meio caminho andado para o resultado que se espera. Tem gente que bota os pés pelas mãos, chuta o balde, agride com palavras e acha que está dando conselho ou feedback.
Está não. Feedback precisa ser acolhido por quem recebe e este acolhimento é vital para a transformação. Um acolhimento de quem sabe que quem o está formulando não quer o mal dele, confia nele, acredita nele.
Feedback é um ato de amor, de profunda humanidade, de amorosidade.
Mesmo duro, às vezes constrangedor, difícil... ainda assim quando formulado com amor ele mexe com quem o escuta. Às vezes dias depois, ou até anos. Mas, fica a semente.

Ainda hoje lembro-me de um “fodeback” que recebi, estes também ficam. Após um processo seletivo uma das entrevistadoras disse-me que minha risada, alegria, ao longo das atividades tinha um “que de cinismo, de ironia...”.
Aquilo acabou comigo, por muitos meses adiante. Se ela perguntasse o porquê de minha alegria, naquele dia, eu teria tanto a lhe falar.
Uma pena! Outro dia um colega me procurou arrasado, alguém lhe dissera que o fato dele ter uma leve gagueira o incomodava.
Como alguém pode dizer isso a alguém?
O colega iria poder curar a gagueira? Era algo sobre o qual tinha controle?
Poderia mudar?

Por que então essa necessidade de violentar o outro com conselhos e feddbacks inúteis, que mais bem faz a quem o fala, numa masoquismo inverso, de ver o outro sofrer, de que para o outro que o recebe.
Aprendamos com este jovem que não deixou de pontuar o que lhe incomodava, sem queimar as pontes de relacionais.

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