Tolerância


Sábado de sol, mês de junho. Festas juninas a mil em Brasília. Sigo com JG para o arrraiá de seu colégio. Atrasados, como sempre. Corro, 120 por hora. Chegamos quase no último segundo, sua par de quadrilha já desesperada.

Eles entram no salão divinamente, ao som de Luiz Gonzaga. Encho os olhos de lágrimas. Saudades de meu povo, muitas saudades.
Após apresentação, João Gabriel vai brincar no pula pula inflável. A algazarra das crianças impressiona. Sento-me na entrada, e escuto aqueles sons embevecido. Uma mãe acompanha comigo os pulos de sua filha. Eis que soltam perto de seu pés um daqueles estalos que explodem. Ela surta com o barulho. Olha pra trás e solta os cachorros: "Que merda, vão soltar este negócio na puta que pariu!"
O pai da criança que estalou o estalo sai em defesa dela e xinga a mulher. A mulher vocifera que não gosta de barulho aos seus pés. João Gabriel brinca, sua filha brinca. O avô toma as dores da neta que soltou o estalo e xinga também a mulher, todos xingam a mulher que acuada cala-se. O pai do menino, não satisfeito com tantos xingamentos, ao sair da cena, volta-se repentinamente e joga um estalo nos pés da mulher. Vejo tudo assustado. Nosso filhos brincam no pula pula.
Fico imaginando o porquê daquela mulher estar tão azeda com folguedos juninos.
E o porquê da reação daquele pai que foi provocar a mulher.
Afinal, tudo é alegria e trata-se de uma festa junina. Testemunho a cena impotente, contudo pronto para reagir em defesa daquela mulher, afinal são dois contra uma. Nossos filhos olham assustados o bate-boca. Inocentes sorriem. Só não interfiro para não piorar ainda mais a situação. Após um monte de imprecações os homens "adultos" saem, e satisfeitos, "pagaram"o dissabor que ouviram. Não sabem o exemplo que semearam no filho que tudo via, aquele que soltou o estalinho
Terminam as apresentações juninas. Vamos nos dirigindo ao nosso carro.
À nossa frente segue aquela mulher, a do barraco do traque junino, vejo que ela tem dois filhos. Um deles vai com ela, outro com a babá. O que vai com a babá tem dificuldade de locomoção e compreensão. Deve ter sofrido paralisia cerebral ao nascer. Imagino o quanto ele deve se assustar com barulhos, já que sua cognição é imatura. O quanto ela deve estar estressada com a lida diária com uma criança com necessidades especiais. Ahh!!! Agora entendo aquela mãe.
Como seria legal se pudéssemos saber da história dos outros, antes de violentá-los com nossas sábias razões.

Eles poderiam simplesmente terem saído da cena. Mas, o gosto da batalha, do sangue, os mobilizam. Precisavam mostrarem-se fortes, e não perguntaram o cara ainda voltou e cuspiu um estalo nos pés da senhora. Assustando-lhe mais uma vez. Sequer procurou saber o que tinha assustado aquela frágil mulher. Ou sacarem o quanto ela poderia ter reagido daquela forma por uma vida difícil que leva. Não relevaram. Sofri por ela, ao saber de sua condição. Mas, não justifica sua atitude também grosseira. Cansado. Estou cansado de tanta violência e falta de tolerância. Precisava terem voltado e estalado um traque nos pés da senhora, na frente de sua filha?

No caminho de volta para casa, um jardineiro que tem um ano que me promete recuperar meu sistema de irrigação, comido pelos cachorros, diz que está na minha casa e que vai resolver a parada. Peço para passar o fone para minha mensalista, e a oriento para fornecer-lhes cerveja. Minha esposa reclama, diz que ele não merece nada, pelas desfeita que me fez. Digo-lhe: "é minha cota de bondade que faço neste dia... o que custa uma cerveja gelada, mesmo para quem me traiu por um ano?"
Quanto custa reatar uma relação? Uma cerveja?

Saiu barato!

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