Um Armário de Aromas-Afetivos

Hoje abri um armários de aromas.
Senti o cheiro da casa de meus pais, cheiro de bife refogado, cheiro de cera no piso, mil vezes encerado.
Senti o cheiro da praia, cheiro do sargaço, das ondas em vapor.
Senti o cheiro do amor, cheiro de liberdade.
Revirei mais um pouco e senti o cheiro das folgueiras de São João, das pólvoras de buscapés.
O perfume das fraldas de meus filhos.
Sorvi o aroma de leite com café, tomado nas madrugadas dos treinos de natação no SESI.
Tomei coragem e fui mais a fundo, revirei no cantinho do armário, e senti o cheiro de minha mãe. Quanta saudade de seu colo, no qual deitava a cabeça para ver TV.
Cheiros, odores, memória afetiva-aromática que vamos construindo com nossa história.
Alguns, daria a vida para sorvê-los novamente.
Alguns, só de senti-los pulsa em mim a força da vida.
Outros, temia. Cheiravam a mistério, ao sagrado, um sagrado que reverencio e que cheira a incenso.
Tem lares que cheiram.
Tem pessoas que cheiram.
Cheiro para mim é o que cheira bem. O que fede chamo de fedor. Catinga.
Tem pessoas que são aroma. Tem cheiro de terra chuva na terra.
Queria uma máquina de guardar e reproduzir aromas afetivos.
Cada manhã escolheria um deles para abrir meu dia.
Como não existe, procuro sorvê-los intensamente, neste aqui e agora, com a certeza de que passarão.
Sinta o aroma dos que te rodeiam.
Sinta o aroma das coisas, da terra, do lar, do quarto, da cozinha, dos móveis, das plantas.
São aromas que falam.
São perfumes que escrevem tua história.
Fechei o armário de cheiros, não sem antes pegar um deles para reviver, um cheiro especial, o cheiro de estrume de vaca que sentia ao passar finais de semana no sitio de meu avô, no sertão da Paraíba.
Como gostava de acordar cedinho, ouvindo os sinos da criação, os sons de meu Avõ aboiando, e sorvendo aquele aroma de estrume.
Abria a janela do quarto que dava para o pequeno estábulo e a vida acontecia lá fora.

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