Sons dos Repinique (Autor Ricardo de Faria Barros)


Nada mais bacana que ver a bateria de uma escola de samba, no dia do desfile. Tudo encadeado, orquestrado e funcionando. uma vibração que dá gosto.

A música enche a alma e não tem como deixar de se remexer.
Acho lindo, inclusive a paradinha e o recuo que fazem.
Na escola de samba se a bateria atravessa o samba já viu, né?
Invariavelmente todas recebem 10 nas notas da apuração.
Para isto, meses de treino, ensaios, suor e aprendizados.
Naquela noite João ia tocando seu Repinique, ou Repique Timbal , como queiram.
O som dele, marcava a cadência com um grave ritmado.
Eis que a pele do repinique do João rompe. Não aguentara a força de seus toques, e o contínuo estresse a que vira sendo submetida, ao longo de ensaios diários. além, claro, do próprio tempo da pele, uma espécie de couro branco, que dele se tira o som, ao bater nele.
João compunha uma fileira de 12 repeniquistas, e estava passando em frente da Comissão julgadora do desfile.
João continuou a bater seu repenique.
Mesmo furado, mesmo sem dele extrair som algum, continuou na formação.
Se ele saísse da formação rpejudicaria a escola, pelo buraco que deixaria, facilmente percebido pela Comissão.
Então, continuou batendo o vazio, como numa espécie de dublagem.
No recuo da escola, a organização logo socorreu-lhe com um reserva.
João, grande João e que lição nos deu.
Nosso aparelho emocional é como a pele do repenique. Vai aguentando a dor e a delícia de viver.
Contudo, em situação mais delicadas pode se romper.

Aí, nesse momento, percebemos que tudo não faz mais sentido. 

Não conseguimos extrair som algum de nosso ser.

Perdemos a graça, o brilho nos olhos, a vontade de tocar velhos ou novos projetos, e até os mais cotidianos deles.

Vivenciamos lutos e sofreres interiores.

Reais, ou imaginários.  A nossa pele existencial rompeu, agora estamos à mercê do que pensa os outros sobre nós, ou do que pensamos que deles recebemos.

Perdemos a capacidade de reagir, de nos defender, de lidar com coisas antes tão triviais.

Temos raiva de nós mesmos por nos sentimos tão frágeis, perecíveis, impotentes frente aos acontecimentos, que antes tirávamos de letra.

Algo em nós se quebrou, rompeu, cindiu. 

Recomendo aos que assim estão se sentindo. 

Continue em formação, na escola de samba de tua vida, tal o João.

Não pare de andar.

Marche.

Não é hora de trocar o Repinique, saindo da formação da vida.

A Comissão julgadora observa.

Finja, morda a língua, continue.

Tenha um senso de representação, de personagem mesmo, e atue no seu próprio palco.

Duble-se a si mesmo, quando de ti saiam sons belos.

Não se deixe abater!

Logo, seu Repinique será trocado. 

Mas, repito, não desista!

Continue levando-se para passear, indo ver os filmes em cartaz, aceitando à contra-gosto os convites dos amigos para sair.

Continue.

Não pare.

Essa dor que sente vai passar é na dinâmica da própria vida.

Acredite.

Não pare.

Matricule-se num curso de dança de salão. Inscreva-se numa equipe de corrida de rua. 

Saia sem rumo fotografando o amanhã. Mas, não pare!

Continue batendo seu repinique, mesmo om o tecido rasgado, sem dele sair som algum, finja!

A depressão quer motivos para te deprimir. Não os dê.

Finja. Faca entrando goela abaixo, coração apertado, finja!

Continue perfilado no grupo dos repiniqueiros. Entre onze sambistas emitindo o som, ao teu lado, quem perceberá você?

Engane a Comissão Julgadora, ou, até seja destacado por ela por ter continuado cantando o enredo e compondo o grupo, no lugar em que os fracos teriam desistido.

Nosso pano existencial rompe-se ao longo da vida e do viver.

Mas, garanto-lhes, ele se recompõe, mais cedo ou mais tarde.

Desde que não saia da vida.

Passar uns tempos sem emitir som algum, no repinique da vida, faz parte do crescimento do ser. 

Saber lidar com esse momento é o que fará toda a diferença.




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