Cartas ao JG - Expanda Seu Pau de Selfie


Sabe filho, uma dica queria deixar pra tuas férias e viver: expanda teu pau de selfie. Acabamos de voltar de férias e estou baixando as fotos no micro. Essa que ilustra o texto foi uma das que muito me marcou. Tá na moda comprar esses trecos (pau de selfie), vendidos até nas praias, e fazer um monte de foto com os amigos.
Só deixo como dica a de expandir o raio de visão da foto.
Imagine que sua psiquê é um pau de selfie. Quando você foca nas oportunidades, nas possibilidades e no positivo da vida você amplia as fronteiras de seu pensamento, de suas emoções. Chamo a isso de estender, ou expandir, o teu pau de selfie.
Uso o pau de selfie, como o da foto, como uma metáfora. Nada contra selfies, selfiados e selfiar a vida.
Quando se expande a haste - configura-se mais coisas no enquadramento da foto, coisas bacanas que podiam estar passando despercebidas, indiferentes ao teu viver.
Mais amigos caberão no enquadramento, mais paisagens, ou seja, mais vida.
Expanda o seu olhar. Tem uma cena no filme Poder Além da vida que te recomendo ver. Aliás, veja o filme inteiro. É lindo.
Na cena, o professor de filosofia, do jovem atleta, leva-o a um parque e pede que que ele observe o movimento. O jovem se irrita e diz que não ver nada que lhe interesse, que está tudo parado.
O professor coloca a mão na mente do jovem, e na beleza da cena, o jovem passa a ver pelos olhos dele. Ver casais enamorados, filhos brincando com pais, borboletas e beija-flores, ver pessoas conversando alegres, ver outros dividindo o lanche, ver um turbilhão de coisas - como num transe elas se fizerem presente aos seu viver, antes despercebidas. e.
Isto é o que chamo de pau de selfie estendido.
Amplie o olhar do que está ao teu redor. Conecte-se às pessoas, à natureza, à história e cultura do lugar. Na Psicologia positiva essa ampliação do olhar chama-se de visão periférica.
A visão periférica da vida melhora a percepção de emoções positivas, nutrindo áreas de otimismo e esperança no ser.
Aí, suas férias, em qualquer lugar que irá, serão sempre maravilhosas.
Hoje caminhei pela praia pela derradeira vez. Vi o mar engolindo a areia e sorrindo para mim - como quem me dizia que batia foto com a máquina que perdi. Pescadores ajeitavam suas redes em barquinhos toscos, quase ruínas vivas, prontos a partir novamente para o desconhecido do alto mar.
Uma vovó banhava sua neta, ela tinha um daqueles gorrinhos que são um charme. A vovó era só doçura.
Conchinhas brincavam com as espumas, enquanto ansiavam serem descobertas por crianças vadias.
Vendedores de tudo que se imagina posicionavam-se estrategicamente, esperando banhistas sedentos e esfomeados como teu pai.
Uma igreja congregava irmãos para um batismo no mar. Cena envolvente e emocionante que vi.
Amplie seu olhar. Essa é a dica.
Aprenda a perceber o rotineiro, o tradicional, o tido até como feio. Veja o que apressados e pessoas de selfie pequeno não veem mais, uma vez que só veem a si mesmas.
Nessas férias tu adoeceu, infecção intestinal, e foram 3 dias de internação em hospital. Foi muito violenta e tememos por ti.
Nas tardes de hospital, vendo-te sofrer com dores abdominais, além de sofrer com coletas de sangue e aquele soro que te prendia, eu saia do quarto aflito e caminhava pelos corredores.
Conectava-me às enfermarias, aos outros pacientes, aos corredores, aos maqueiros, aos sons e cheiros do lugar, e, quando voltava para o teu quarto, conectava-me ao pôr do sol. Você me perguntava o que eu olhava pela janela, e eu o narrava para ti. Nosso quarto dava para o poente e aqueles fins de tarde foram especiais. À noite, nos conectávamos com a comida de hospital, tentando adivinhar qual seria a de pior sabor.
Cada enfermeiro que entrava era um pouco de prosa, de conexão com a vida dele. Ampliamos nossas fronteiras e descobrimos estratégias de sobrevivência, ao perceber o entorno e admirá-lo.
A visão positiva da vida nos capacita a observar o infinito, a navegar pelas extremidades e alargar a percepção das coisas que nos rodeiam e que estão passando pela nossa vida sem nós nos atermos a elas.
Quando você aprende a olhar o lado bom da vida, até da dor faz humor e sai mais forte.
Lembra quando perdi minha máquina fotográfica aquática. Foi semana passada no mar do Bessa, logo após do Shopping MAG. Aquele é um mar bravio. Você adora pelas ondas fortes. O mesmo que hoje pela manhã sorria para mim, ao engolir as areias.
Você tinha acabado de levar um caldo no mar bravo e eu o estava passando para seu avô.
Para que ambos saíssem.
Aí a máquina caiu no mar e já era.
Você chorou de tristeza, ao ver minha tristeza.
Eu, amei de amor, ao ver sua compaixão para comigo.
No outro dia, lembrei aos meus familiares - todos tristes pela máquina, que na manhã do ocorrido eu tinha trocado o disco dela, por um virgem. E que as fotos de parte das férias em Ilhéus e redondezas, tinha sido preservadas.
Essa era a visão estendida do ocorrido. Poderia ter sido pior.
Outra cena, no mesmo tema que me marcou, foi a de uma banhista que falava ao celular, olhando para o lado oposto ao mar. Enquanto ela falava, saia no molhe do porto de cabedelo um grande navio. Lentamente ele passava pela praia que frequentávamos, bem próximo e imponente. Uma cena de rara beleza. Ela não viu. Concentrada no telefonema de uns 5 minutos ela não virou-se um vez sequer.
Tem gente que fica tão concentrado num problema que vive que esquece outras facetas da vida, outros prazeres e viveres que estão passando ao largo e são legais. Absorvidos na dor, no sofrer, nas preocupações, perde-se a visão ampliada, abrangente da realidade. Vê-se apenas o problema e suas mazelas. Foca-se excessivamente nele e perde-se o encanto com tudo mais que lhe rodeia.
Cuidado, filho meu, pessoas assim sofrem de pau de selfie pequeno. Só percebem o ponto que se destaca na sua frente, e muitas das vezes o destaque é de dor, aí já era.
Essa é minha dica pra teu viver. Amplie sua visão de você mesmo, dos outros e de tudo que lhe rodeia. Há muitas cosias boas acontecendo ao redor da cena principal. Permita-se a elas e terá sempre uma vida plena de sentido. Conecte-se, estabeleça vínculos, interesse-se e perceba a vida em todo lugar.
Mas, sem domesticar tuas preocupações, tua ansiedade, teu corre corre para o poder, prazer e o ter nunca verás o que teu pai vê. Nunca!
Espero que aprenda mais cedo do que eu, só vim descobrir que a beleza está nas beiradas dos 45 em diante.

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