Porco no Tacho

Hoje uma de minhas alegrias foi ao parar no sinal e ver aquela senhora, distribuidora de jornal Metro, trabalhando. Quanta alegria e jovialidade, do alto de seus 60 e poucos anos. Saí maravilhado com tanta entrega dela a um trabalho rotineiro e nada glamouroso. Ela encontrou seu jeito de ser feliz e fazer a diferença, mesmo entregando jornal num sinaleiro. Quem quiser tomar uma dose de esperança, preste atenção nela, ao parar no Setor de Industria e Alimentação do DF, na esquina da Cinfel. Ela atua naquele ponto no início das manhãs, entregando otimismo aos seus clientes, junto com o jornal Metro. 
Entro no prédio e dou de cara com a atendente do subsolo, ela logo me disse que as sementes que eu a presentei, quinze dias atrás, estão germinando e que são flores do tipo Chitinha. Enquanto aguardo o o adotou. Agora tá uma belezura.
Lembrei-me de minha mãe: "quer conhecer como anda a saúde emocional de um lar, veja como estão cuidando do jardim". Sábia mamãe.
Fiquei sabendo por Chris Rodrigues que essa mesma atendente, no Natal, faz coleta de brinquedos no prédio e se fantasia de papai noel para distribuí-los juntos às crianças carentes de onde mora. Bela mulher.
Chego no setor, abro uns emails, compartilho decisões e dirijo-me à copa, para o cafezinho matinal. Sem ele não funciono. Ali, embeveço novamente o coração, dou de cara com as duas copeiras bordadeiras do 1. andar. Hoje, elas estão no mesmo turno, e entre uma garrafa de café e outra, elas bordam paninhos de prato que ali mesmo são vendidos para complementar suas rendas. São R$ 10,00 de pura arte. Hoje as fiz felizes ao comprar um paninho de cada, mas feliz mesmo fiquei eu ao conversar um dedindo de prosa com tão doces senhoras, cheias de cicratizes que a vida lhes deu, mas que não perderam o viço, a coragem de viver e a mansidão no olhar.
Sou pescador de pessoas especiais, ou um garimpeiro, como queira. As coleciono como troféus. Muitas de minhas crônicas são inspiradas nelas. Elas são para mim um sustento, uma esperança e um estímulo. Nelas, miro meu viver e me fortaleço. Elas estão espalhadas em todo o lugar. Para vê-las precisamos de óculos 3D.
Como assim, Ricardim, óculos 3D?
Amigo(a), você já percebeu que alguns filmes que passam no cinemas são em 3D? E que na entrada nos dão uns óculos para poder apreciá-los em todas sua gama de efeitos especiais que mais parece que vamos tocar nos objetos e pele dos atores.
Quando tiramos os óculos e tentamos ver o filme, não é a mesma coisa. Aparece uns borrões.
Desenvolver a visão 3D emocional e ver o não visto. É ver para além das aparências, rótulos, cargos, ver até o invisível.
Assim o filme da pessoa à nossa frente fará sentido, ficará mais belo e complexo, plexos que somos em nossas entranhas comportamentais.
Nem sempre estou com o 3D ativado. Aí vejo o que a maior parte das pessoas veem: crachás, cargos, ferramentas em forma de gente, atendentes automatizados, colegas no piloto automático e relacionamentos sem envolvimento.
Para ver a distribuidora de esperança, a jardineira de sonhos e as bordadeiras de coragem precisamos ativar a função 3D do olhar.
Ver profundamente, em empatia e compaixão, procurando esvaziar-nos de nós mesmos e todas os conceitos encardidos para dá lugar às pessoas especiais que movem a humanidade no que ela tem de melhor: a esperança e amorosidade.
Você deve conhecer alguma pessoa que vista no 3D te causa uma paz enorme, ou te enche de alegria.
Aliás, pode ser uma destas pessoas que enche a vida de esperança por onde passa.
Há anos frequento pessoas assim e elas vêm esculpindo em mim um outro ser. Ainda sou bruto e às vezes desanimado, mas sinto que estou melhorando.
Queria contar uma história recente de uma família 3D.
São pessoas lindas. Tive a felicidade de conhecê-los no ano 2000, desde então viramos bons amigos. Visito esta família uma vez por ano, quando vamos pra Londrina-PR aproveitando o feriado de final de ano.
Em 2000 dei sorte. Estava com o óculos 3D. Vi o que muitos que ali frequentam não vêm. Vi amor, dedicação, paz, trabalho em equipe, alegria, serviço e atenção aos clientes.
Logo aproximei-me do balcão, no qual Julinho abria as carnes preparadas no bafo, e as servia a cada cliente com um sorrizão no rosto e um instantezinho especial para cada um deles, no qual ele fazia saudação ou referência às suas vidas pessoais.
Fiquei encantado. O clã é formado por descendentes de italianos e alemães e atuam num estabelecimento chamado de Porco no Tacho, em Londrina-PR.
Domingo passado fui convidado pelo patriarca Alemão (O Bisavô da turma) para adentrar a cozinha. Até então ficava pelo balcão, ou mesas próximas. Ser chamado para adentrar a cozinha é prova inconteste de confiança e admiração pela visita.
Pelo menos na minha terra.
Fiquei emocionado. Do alto de seus 82 anos, aquele patriarca da família com um vozeirão olhou para mim e disse-me: "Venha comigo ver onde trabalho".
Entrei por corredores e salas de preparação de carnes de estufas climatizadas até chegar à cozinha. Ali, ele mostrou-me orgulhoso o tacho. O tacho no qual prepara o porco previamente temperado nos dias anteriores. Explicou-,me com candura todo o processo. Eu estava muito feliz. Um dos garçons levou até mim a minha bebida, ele disse que me acompanharia. Senti que era outro sinal de deferência.
Tomei coragem e fui mexer as carnes no imenso tacho.
Aí ele contou-me sua vida cheia e a de Dona Nilda Cantagalli (a matriarca descendente de italianos) e do quanto foram crescendo e mantendo a família junta e trabalhando com eles: 4 filhos, 6 netos e agora a Mariana, a primeira bisneta.
Ricardim, e o que tem a ver a cozinha de Sr. Strass com os óculos 3D?
Elementar amigo(a), quando usamos os óculos 3D para melhor enxergar os que nos rodeiam é como se estivéssemos acessando a cozinha de seu coração.
Acolhendo-o no que tem de melhor, vendo para além da nata empoeirada que cobre as retinas de nosso coração e que nos brindam com olhares de indiferença a tudo e a todos.
Óculos 3D emocionais nos dão acesso à cozinha do ser, lugar no qual habita o que temos de melhor, nem sempre visto, compreendido ou valorizado.
Sem eles, o outro será sempre um borrão disforme à nossa frente. Nunca se revelará por inteiro, na sua completude e complexidade.
Será sempre escravo de nossos preconceitos, idiossincrasias e muros ideológicos.
Que legal que em 2000 estive com eles, e que hoje também fizeram presença em meu viver. Vou tentar amanhã olhar pra vida com esta prumada, foco ou luz.
Se tua vida anda cansada, cheia de preocupações e ansiedades para com o amanhã, se várias expectativas estão sendo uma a uma frustradas, bote seu melhor óculos 3D e saia para a festa da vida, pronta(o) a pescar, garimpar, e cultivar pessoas especiais, que te darão força, pessoas que sob as mesmas condições - ou até piores, desafiam a ordem reinante e insistem em serem portais da esperança e amor.
Quem sabe, inspirando-se nelas, e usando um bom óculos 3D emocional, mais pessoas especiais se farão presente em teu viver, ou aquelas que já foram um dia, voltarão a ser - após um brilho de Kaol que dará nas retinas de teu coração para podê-las novamente fitar com as dimensões do belo.
Quem sabe...

2 comentários:

  1. Olha só!!! Viajando por esse veículo de tantas informações, cheguei até aqui. Não me pergunte como, mas parei aqui qdo vi a foto do meu pai e vc ao lado dele. Que honra. Esse texto ainda nao tinha lido. E esse seu blog, que eu amo o nome dele: bode com farinha… só de ler o nome a gente já imagina q vem boa coisa, do tipo, alegre, animada e o melhor, uma lição de vida a cada texto.
    Vc não imagina, o quanto vc me ajudou em uma simples conversa na mesa do restaurante. Ao contar um fato q aconteceu com um amigo seu, vc simplesmente abriu meus olhos e me fez ver que o q eu tinha em mente era a coisa mais errada q eu poderia fazer.
    Não sei por onde vc e sua família andam, mas penso q seu filhinho já deve estar enorme. Vindo para Londrina, não deixe de nos visitar, será uma honra receber vc e sua família.
    Abraços
    Rosemeiri

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  2. Eita Rose, meu blog deixou de mandar pra mim as noficações de comentários. O João Gabriel está enorme, com 12 anos, um menino lindo. Tenho muitas saudades de tudo aí em Londrina, e do Porco no Tacho. Eu me divorciei, têm 5 anos, e perdi o contato com a cidade de minha ex-mulher. Mas, está nos meus planos fazer um passeio pelo Paraná e ir ver vocês.

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