Contrata-se Personal Trainer Emocional




Acordamos cedo para o embarque, pelas três e pouco da manhã. Nosso vôo começaria o embarque às 4h35min. Chegamos ao saguão de embarque cambaleando de sono, aliás, nós e uns tantos outros. Logo identificamos uns amigos que também estavam vindo de Londrina-PR para Brasília-DF, nessa quarta feira de cinzas. Nossa aeronave estava a postos e os tripulantes já tinha embarcado para os preparativos iniciais. Pouco a pouco fomos ficando ansiosos. Corria um zum zum zum de que o aeroporto estava fechado. Pensei comigo, também a estas horas. Perto das 5h30min o sistema de som avisou-nos que não havia previsão para embarque, por motivos meteorológicos. O saguão ficou animado com gente brava. A todos, os operadores da Gol e Azul explicavam que a aeronave não poderia subir, pois não haveria teto para descer, caso necessário. Sei que o entendimento é difícil. Pra mim traduzi assim: subir, sobe. Mas, se precisar descer novamente, fazer a volta e abortar a partida, lascou. Não consegue ver a pista e já era.

Eu fiquei muito preocupado com o atraso. Mas, o que fazer?

Beirei, por uns momentos, o desespero e um estado de impotência da alma.

É que eu tinha um monte de providências no trabalho.

Pouco a pouco fui recuperando a lucidez e ativando o Plano B onde daria.

Noutras providências, paciência, perda total.

Nessas horas de profundo estresse, como a perda de um vôo com os seus compromissos dele derivados, testa-se à exaustão a natureza das emoções que por elas nos deixamos guiar.

É a hora da verdade para um monte de gente piedosa e temente, que solta as bestas feras em todo mundo quando se ver diante de uma crise.

Os mais exaltados cobravam uma providência, sobrando até para a Providência divina, na figura do célebre São Pedro.

Destacava-se da barbárie uma senhora com um casaco de couro carmim. Ela estava visivelmente descontrolada emocionalmente.

Xingou comissárias, atendentes, piloto, São Pedro, Londrina, Dilma e etc.

Perto das 10hr todos já estavam mais calmos, à exceção daquele casaco carmim.

Enfim o aeroporto abriu e todos foram para seus compromissos perdidos resignadamente.

Fazer o que? Costumo dizer que se não posso mudar uma situação limite, ainda assim posso mudar a mim mesmo permitindo ou não que aquela situação imutável abale totalmente meu ser.

Abalar um pouco eu permito,afinal não sou ameba.

Chegamos a Congonhas, almoçamos um banquete num dos restaurantes disponibilizados para eventos da natureza, tudo 0800.

Comi um filé de tilápia maravilhoso, de quebra ainda botei uns troços tipo francês, só para fazer a festa da gastronomia, já que a do trabalho em Brasília fora para o saco.

Após o merecido desjejum seguimos para nosso portão de embarque. O vôo só sairia 15hrs e ainda teríamos uma hora de espera.

Eis que nosso número de vôo desaparece da tela de chamada. Dirijo-me pra atendente e ela nos pede que aguarde o serviçod e som chamar para um novo portão.

Sentamos, e eis que da multidão ela aparece novamente.

Adivinha quem? Lady Casaco Couro Carmim passou a esbravejar novamente com atendente. Dizendo que não mais sairia dali para outro Portão, e coisas do tipo.

Que iria procurar os direitos, que era um absurdo mudar de portão, após tanta demora que já tinha passado.

Tome cortisol, tome adrenalina no sangue da coitada. Quase eu via uma baba escorrendo de sua boca.

Adivinha quem senta atrás de minha fila no avião?

Dona Carmim. E a comissária pergunta-lhe se ela sabe usar a saída de emergência.

Outro desaforo ela soltou, e eu pedindo a Deus que ela parasse pois poderia ter que ser tirada do vôo.

Disse que não sabia e que não iria sair dali: "da janelinha" para uma outra cadeira qualquer, ainda mais "no meio".


A Comissária percebendo o estado alterado usou a mais sublime das intuições: a empatia, e fez-se de surda deixando-a ficar ali mesmo.

Estava salvo o vôo.

Ao pousar em Brasília, percebo que dela abrira-se um lindo sorriso e um obrigado.

É que o seu vizinho de cadeira pegou sua bolsa no bagageiro e ela ficou alegre com o gesto e agradeceu.

Fiquei feliz. Há salvação.

Acho que andamos precisando de contratar uns personal-trainer emocional.


Contratar alguém para treinar, em momentos de crise, nossas respostas emocionais.


Ter inteligência emocional em céu de brigadeiro é fácil.


Quero ver é mantê-la nas turbulências.


Pois bem, é para as turbulências que precisamos de treinamento.


Quando nos deixamos guiar pelo ímpeto das emoções perdemos a capacidade de ver alternativas, possibilidades ou até administrar a crise.


Tudo fica turvo e entra-se num ringue. Um cansativo embate emocional no qual preciso provar que a minha ira é a maior, a minha mágoa idem, e a minha vontade de fazer justiça com as próprias mãos também.


Por isso acho que as escolas deveriam investir em personal trainer emocionais, pessoas que treinariam à exaustão, como os que nos treinam para combater as calórias irreverentes.


Saber viver as perdas, a frustração de expectativas, ou até de limites de determinadas situações é fundamental para a arte da coletivivência.


Na sociedade atual uma geração de adultos mimados comporta-se como crianças sem limites, carentes e que explodem com tudo que quebre suas expectativas. Tolerância e resiliência beiram a zero. Outro dia testemunhei uma senhora explodindo com seu marido, em pleno estacionamento do mercado, pelo fato dele ter comprado um guardanapo mais caro. Ela o xingou de um tanto que baixei a vista, envergonhado. Casamentos estão sendo feitos para durarem pouco, pelo fato de ambos explodirem um com o outro por coisas pequenas. E, dependendo da ótica do explosivo, ele tem razão. Pergunto-me, onde vamos parar? Com tanta gente que tem razão solta por aí, gente mimada e superprotegida.




Há formas e formas de defender nossos direitos, caminhos e caminhos.


Encontrar a sabedoria da serenidade, flexibilidade, empatia e, até o adaptabilidade pode ser uma das maiores dádivas que a vida nos ensinará.


Mas, só após muito cipó de burro no couro; muita tranqueira juntada na alma e em esclerosadas veias emocionais; até que um dia, alguns de nós começam o processo inverso de despir-se de si mesmo, de desaprender velhos e insalubres hábitos comportamentais, e pouco a pouco em belos dias da manhã vindoura, e em meio a turbulentas nuvens, vamos reagindo de outras formas - com a coragem e ousadia de ser de paz, ao lado da guerra; ser de perdão, ao lado de vingança; ser do pouco para ser feliz, ao lado do muito tão triste.

Deixando habitar em nós um jeito de ser menos rancoroso, rabugento e chato de ser.


Afinal, ali pertinho tem sempre alguém disposto a nos amar, nos ajudando com as malas no bagageiro.


Mas, no meio de uma overdose de emoção negativa; daquelas que destilamos veneno, nem o mais belo pôr do sol será visto; pois tudo cegará nosso coração que só pede razões para justificar-se na ira.


Encontrei ao longo de minha vida verdadeiros personal trainer emocionais. Sempre, antes de fazer merda, confesso-me com algum deles e reverto o que poderia ser um caos: a palavra escrita, a voz soada e o gesto desmedido.


A eles agradeço nessa noite. Agora vou botar uma dose de uísque e curtir o final da quarta-feira de cinzas, chegando agora em casa e desde das 3 acordado e em trânsito. Eu deveria ter trazido um filezinho de tilápia no bolso, entre guardanapos. Agora daria um bom tira-gosto. Já que... vai tu mesmo, ovo cozido.

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