Envelhescência


Parei ao largo da estrada e registrei o odômetro de meu bravo Pálio, anunciando que faltam 11.000 km para 300.000.
Carro experiente, cheio de memórias, testemunha de minha saga nesse tempo que juntos aqui estamos.
E lá se vão quase 17 anos que somos amigos.
Crio ele como um animal de estimação. Todo final de semana levo-lhe para passear.
Já o dei por uns tempos para minha filha, para ajudar-lhe quando ela cursava doutorado em psicologia na UFRN.
Depois, em cima de uma carreta, veio novamente para casa.
Quanta aventuras vivemos!
Quantas lágrimas verti em seus surrados estofamentos, com saudades de meus filhos e pais. E de mais um monte de gente amada que deixei na minha cidade natal, quando para aqui migrei em 1999.
Quantas idas à Londrina, 1.100 km, sem nunca me deixar na mão.
E aquele susto que ele me deu, quando quebrou a correia dentada, logo em cima do viaduto da entrada de Taguatinga, pela EPTG, quando nela passava indo ministarr aulas na UniCerto, na Sandu Norte.
Passamos juntos 12 anos, depois comprei um outro, é que eu precisava de ar-condicionado quando tive alta de uns trecos que tive do coração.
Eu e meu Pálio passamos muita coisa juntos. Ele carregou muito saco de cimento, cerâmica e placas de grama.
Nesses 17 anos, já lhe pintei novamente, já recondicionei o motor, suspensão, e estofamentos. Tá zero, e até rádio tem.
Mas, o que mais gosto, é das memórias olfativa a que ele me remete.
Alguém pode olhar para ele e achar velho. Eu acho ele um teen. Motor zerado, lataria, suspensão, estofamento, pneus novos e até rádio.
Creio que envelhescência pode ser assim. Uma época em que renovamos nossos sonhos, objetivos, propósitos e aprofundamos nosso autoconhecimento, ficando cada vez mais crianças ou jovem, do ponto de vista espiritual.
Renovamos o motor, a lataria, a suspensão, pneus e estofados do ser.
Hoje me levei para ver o pôr do sol, de um lugar diferente, do mirante do Jardim Botânico. Uns 14 km daqui de casa.
Voltei renovado no motor do coração, aquele encontro do sol, com o abismo do lado de lá, é espiritual. É prece.
Hoje renovei a lataria, ao parar o carro para fotografar um casal de borboletas namorando, que plainavam à minha frente. Quando contemplamos o belo, ao nosso redor, ele tem o poder de voltar e nos embelezar, desde que seja olhado sem inveja, e sim com admiração. Renovei a lataria ao enviar o vídeo do por do sol para uma amiga querida, retribuindo o que ela fez pra mim da Tavianni, que amo, e que não pude ir.
Voltei renovado da suspensão, ao fazer uma self com dona Odete e Dona Olga, feirantes queridas. Na ginástica que fizemos, entre sorrisos de quem não está acostumado, melhorou nossa suspensão, a da flexibilidade daquelas: "não estou nem aí para o que estejam pensando de nossa efusiva expressão".
Hoje dona Odete preparou um cuscuz especial, com ovo e o molho de camarão que ela usa no Acarajé.
Disse que era para ficar mais gostoso pra mim.
Comer cuscuz, com ovo e camarão rejuvenesce os pneus.
Hoje, ensinei meu irmão a colocar a lente na máquina, e troquei o sal do bacalhau que farei amanhã, dei comida para o JG, marcamos data dos seus 7 anos... pronto estofado novo!

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