Há um urso no caminho, apenas um urso.


Nas fotos que ilustram esse texto, a saga de Sebastião Salgado para documentar as Morsas, em sua exposição Gênesis, também veiculada no filme O Sal da Terra. Para quem assina a NET, é só teclar no NOW - Área de Programas de TV, botar no canal GNT, e ele está lá, e de grátis.
Um filme que todo mundo deveria ver, para sentir de perto os absurdos e grandeza da raça humana, quando quer destruir e construir algo.
Do Êxodos ao Gênesis, o filme mostra do que somos capazes, tanto em termos de morte, como de vida.
Mas, considere os parágrafos acima uma pequena introdução.
Quero falar-lhes da resistência quando algo dá errado.
Da disciplina e persistência, mesmo diante de tempos difíceis.
Sebastião Salgado tentou fazer essa foto uma vez. Mais, ao se aproximar, um enorme urso branco acabara de abater uma Morsa, ela gigantesca também.
E, de longe os espreitava. Não é coisa boa ser espreitado por um urso.
E o fotografo, e equipe, saíram de fininho, voltando ao acampamento.
Mais tarde, abriram uma das janelas do rústico abrigo e perceberam que agora o urso rondava ali por perto, como quem a farejar carne nova e diferente.
Então, eles aguardaram dias a fio, amoitados. Esperavam que o urso cedesse e partisse.
Dias depois eles saíram do acampamento, rastejando pelo chão, para não chamar a atenção do urso, que se espreguiçava ao sol, ali perto.
Tudo pelo sonho da foto.
Eles foram rolando pelo piso congelado, das geleira da Antártida, qual rolamos tapetes chão pelo chão.
A cena é impressionante. Não falo mais de um adolescente, falo de um fotógrafo do alto de seus 68 anos, rolando pelas geleiras por quase 200 metros, para não ser visto pelo urso, e captar as Morsas em seu estado de movimento natural, sem deixarem-nas paradas - imobilizadas pelo medo, ao avistarem-no.
Tudo para captar o melhor momento. A melhor foto.
Nessa epopeia, há grandes ensinamentos para quem quer superar os limites, que às vezes a vida nos coloca. Seja por portas que se fecham, sejam por estados dolorosos de luto, seja por puxadas de tapete.
Os ensinamentos são os de replanejar a vida após o ocorrido. Buscando extrair lições e outras possibilidades de enfrentamento da realidade.
O de não desistir de seguir o ideal, de acreditar que amanhã o "urso estará mais distante do acampamento".
O de não e deixar imobilizar pelo medo. Aquele urso destruiria facilmente o acampamento deles, mesmo assim eles fizeram vigília e procuraram manter o controle de suas vidas.
O de ter disciplina, com estudo criterioso da melhor luz, cena e enquadramento para pegar as presas das Morsas.
O de se esforçar, buscando uma forma não confortável para o alcance do alvo. Nem sempre o caminho mais fácil é o melhor.
Resumindo, S.Salgado nos ensina lições preciosas para desenvolver nossa resiliência:
Planejar. Ex. Antes da viagem já sabia das condições do tempo e do acampamento.
Não desistir. Ex. Superar o urso.
Ter disciplina. Ex. Estudo e observação da melhor luz, hora e comportamento animal.
E se esforçar. Ex. Rolar pelo piso gelado, e com equipamento pesado, para a melhor foto.
Planejar, não desistir, ter disciplina e esforço, são atitudes emancipadoras de quem quer alcançar algum objetivo na vida.
Tem gente que vê a vida de pessoas que chegaram a bons resultados e pensa, também quero chegar ali. Quero ir na janelinha.
Mas, esforço= 0.
Ficam vendo a vida passar, e pela lente da vida dos outros, só secando-as.
Não arregaçam as mangas. Não acordam cedo. Não procuram suas melhoras, só reclamam.
Invejam os que considera bem-sucedidos, sem procurar saber como eles fizeram para chegar ali. Quantas renuncias, horas de sono e priorizações excludentes e riscos tiveram que correr.
Esquecem de considerar o esforço que aquelas pessoas, agora por ela idealizada, fizeram para ali chegar. Falo dos que alcançaram algo de forma ética e justa.
Por isso gostei dessa cena do filme, a das geleiras.
Ela mostra a produção de antes da foto. Para não ficar parecendo que é só clicar.
Para completar os ensinamentos, tem o quarto deles, aplicado na propriedade rural de seus pais, agora devastada por anos de seca e erosão, o da esperança atuante.
Não qualquer esperança, mas aquela das boas, que nos faz carregar pedras enquanto esperamos. Um tipo de esperança que teima desafiar o lugar comum, que aos olhos dos outros é estapafúrdia, nas coisas em que acredita, nos sonhos em que sonha, nos objetivos para os quais traça. Esperança do tipo teimosa e insana
Depois de fotografar a miséria humana, Sebastião Salgado, adoeceu emocionalmente. Enlutou-se com a humanidade e suas tiranias.
Aí, veio morar na fazendo dos seus pais, agora falecidos, e que precisava de alguém para tocar.
A fazendo estava destruída, em sua reserva de mata nativa. Tudo erosão e seca.
Sua esposa propôs que eles replantassem a terra. E aquilo lá se transformou.
Tudo que tinham investiram no reflorestamento da região com espécies da mata atlântica.
Anos depois, os pássaros voltaram, as nascentes encheram novamente, e o verde tomou conta de tudo.
O gênesis aconteceu, e das mãos de um casal obstinado. A isto chamo de esperança teimosa insana.
Mas uma vez o ciclo com eles se repetiu, agora diante do revés da terra seca e improdutiva, diante daquela pergunta, e agora? Eles replanejaram estratégias de enfrentamento, tiveram disciplina, esforço, não desistiram e não deixaram que o medo de não alcançar, de não ver as mudinhas vingarem, fazerem pararem antes. Souberam esperar, para além de toda esperança. Souberam desenvolver a esperança teimosa e insana, de ao contrário de seus vizinhos, recuperarem aquela terra degradada, fazendo nela o gênesis.
Assim é com tudo em nosso viver que um dia desmorona, que nos impele à morte, a desistir, ao caos e tormento de existir.
À terra devastada, ao urso mau, ao esforço sobre-humano de rolar sobre si mesmo para avançar.
Em cada dor, há gravida de seu contrario, uma esperança insana e teimosa pronto a se fazer presente, irradiando vida, onde todos só vem morte. Amanhecendo dor, para acordar superação. A maior de todas, a de nós mesmos, diante de momentos limites que vivemos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores