Nininha, By Rricardim


Um dos textos mais difíceis que registro, faço nessa noite.
Com uma frase de 10 palavras, recebi na tarde de hoje a notícia, dada por mamãe, que Nininha faleceu.
Deveria ter um dia de luto por babá. Foi o que pensei no trabalho, mal me concentrando em planilhas, relatórios e apresentações do dia.
Nininha foi além daquela do título do filme, ela foi uma babá perfeita. Não quase-perfeita.
Ela veio morar com meus pais quando eles casaram, ela veio de um degrau social de miserável, como toda sua família.
Meus pais deram dignidade à Nininha, e um quarto para ela chamar de seu, não como os quartos de hoje para domesticas, mas um QUARTO.
Pagavam o salário em dinheiro, e não em almoço e pernoite, como era comum naquela época.
E, receber salário digno, certo e sempre, era um luxo para os pobres de meu nordeste querido.
Nininha então, chegara no nível social mais alto que sua família tinha chegado.
Ela passou a ser o sustento deles que moravam numa favela. Muitos de seus familiares viviam abaixo da linha de pobreza.
Mas, eram honestos. Só não tiveram oportunidades.
Todo seu salário, visto que não teve filhos, era para sua família. Ajudou nos estudos de seus sobrinhos, que se enramavam como batata, cada ano nascendo mais. Na época os marginalizados não tinham bolsa família, nem bolsa nada. O Estado Militar 1964-1980 pouco se lixava para eles, era só aquela mentira: "Vamos esperar o bolo crescer, para distribuir". Sei!!!
Época do terrível: "Brasil, ame-o ou deixe-o".
Quando Edmê, sua irmã, ia lá em casa, sempre voltava com quentinhas de comida, para alimentar os seus, ou retalhos de tecidos que Nininha transformava em roupas.
Era uma exímia cozinheira, costureira e babá. Quanto amor nos deu!
E não éramos fáceis. Meninos peraltas fomos! Mas estudiosos.
Nininha ajudou muito meus pais assim que eles casaram, morou conosco por uns 12 anos, até que apareceu um tumor em seu cérebro, o que a levou a se aposentar, por invalidez, pelas sequelas de uma exitosa cirurgia que meus pais conseguiram para ela, num hospital escola da UFPB.
Nininha era governanta, delegada, mãe, cozinheira e educadora.
E, terrível com uma enceradeira que usava, para deixar o piso da sala, daqueles de cimento queimado vermelho, tinindo de brilhar, qual um espelho.
Aí de nós, eu e meus irmãos, que passasse na sala na hora da cerimonia da enceradeira.
Era cocorote na certa. Saudades dos beliscões e cocorotes da Nininha.
Mamãe, também enlutada, contou-me que Nininha ainda ia por lá, costurar na sua máquina, roupas para agora seus sobrinhos-netos.
Contou-me que continuava investindo sua aposentadoria, de um salário mínimo, em remédios e ajuda para sua família.
Agora, ela parte com seus 70 e poucos anos.
Essa foto fiz ano passado, quando casei minha filha em Campina Grande. Nininha apareceu de surpresa, no dia pós-casório, e foi uam alegria só.
Abraçados nos reconhecemos novamente, após 35 anos.
E foi um abraço de amor. Depois, ela pediu para alimentar o tinhoso, com comida, do JG. E ele, com ela, raspou o prato. E foi uma cena indescritível de ternura, um revival de nossa primeira infância, na qual, colherzinha a colherzinha, ela nos alimentava enquanto meus pais batalhavam.
Quero guardar-lhe sorrindo em meu coração.
Quero guardar a forma como ela lidava com sua doença, as suas terríveis dores de cabeça, antes da cirurgia do tumor cerebral, cenas de uma babá-mãe que nunca deixou-nos desamparados, mesmo quando sofria dores lancinantes. Tomava uma aspirina e segurava a onda.
Sempre que chegávamos do colégio, era uma festa só. Era banho, era comida, era "se arrumar para esperar seus pais na calçada".
Não tínhamos mesada, éramos pobres. Um pouco melhor, apenas, do que Nininha.
E não tínhamos mesada para lanche. Nininha pegava um pão francês, passava nele uma farta dose de manteiga.
Eu tinha um bolsa de pano da Varig, uma que mamãe ganhou, numa viagem que fez para uma reunião de trabalho no Senai.
Sabe Nininha, nunca te contei e faço agora. Aquele pão era o melhor lanche do colégio Diocesano Pio XI. Foi meu melhor sanduíche. Obrigado por nunca ter deixado que ele faltasse na minha "lancheira".
Aquele pão me ajudou tanto a não me sentir inferior dos meus colegas que tinha direito a comprar um sonho (tipo de doce), na cantina do Balu, e um refri.
Nininha, nunca te contei, mas eu sentava em cima do pão, ele dentro da bolsa de pano. Passava até o recreio sobre ele.
Quando ia lanchá-lo, a manteiga estava derretida e o pão quentinho. Delícia. Fazia até inveja aos colegas "burgueses" que tinham dinheiro para lanchar.
Vejo teu sorriso no céu, por essa confidência daquele que tu amou como a um filho.
Muito obrigado, e me aguarde por aí com a porta aberta!

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