Era uma quarta atípica, bem diferente de tudo que vivera como palestrante, até então. Pela manhã, conduziria palestra no II Fórum Trilhas de Aprendizagem, à tarde Oficina, no mesmo Fórum. E, na boca da noite, embarcaria para Foz do Iguaçu para no outro dia às 10hrs ministrar palestra no evento da Itaipu, de reflexão para aposentadoria.
Ou seja, em menos de 24hrs viveria a experiência de atuar em três eventos pedagógicos, o que até então foi a primeira vez em em minha carreira.
Terminando o segundo deles, a Oficina, a ansiedade já estava a mil. Despedi-me apressadamente de todos, e saí as 17hrs em direção ao aeroporto. Já de saída, erro o cainho e pego o pior acesso, que já tinha um trânsito pesado. Aqui em Brasília-DF não está fácil pra ninguém, e nem para ir a nenhum lugar. Quando a fila travou de vez, na altura das imediações do Zoológico, aproveitei para checar o papel do check-in. Eu sou dos que imprimo meu check-in, faz parte de minhas esquisitices, temo algo ocorrer com o celular, e o pessoal não me deixar entrar no vôo.
Aí, vi que o meu embarque começaria, de fato, às 18h10. Eu tinha lido errado o papel. E já era 17h30.
Suei um balde de água, desejando que o carro tivesse hélices. Mas, logo a fila andou e consegui estacionar a tempo, uns 15 minutos antes. O que para meus padrões é um tremendo atraso.
E corri. Aí percebi que a calça estava folgada para correr. Numa mão, segurava o porta-terno e terno.
Na outra, segurava a calça. À tiracolo direito a pasta executiva, no esquerdo a câmera que balançava muito. A cena era dantesca de feia. Ao passar no raio-x a moça cismou que eu estava apitando.
Pensei comigo, se for o cinto estou ferrado, agora é que a calça cai mesmo.
Mas, eram as fivelas do sapato. Entrei no Aeroporto de Brasília e fui brindado com o embarque no último portão do lado direito, uma légua de distancia. E tome correria, agora a calça caindo mais ainda, pois perdi peso do estacionamento até ali. rsrs
Na tela, vôo confirmado. Mas, o tempo vai passando e nada de nos chamarem. Foi bom para eu descansar, contudo confesso-lhes que já estava cansando novamente, agora de nervoso. De repente, o serviço de som chama os passageiros de meu vôo que fariam conexão em SP para Montevidéu. E, umas 12 pessoas se apresentaram, e dali saíram arrasadas. Perderam a conexão, não daria mais tempo. Agora no outro dia. Ao meu lado, uma gringa perguntou-me, num português precário, se o de Frankfurt estava ok.
Fui ajudá-la, lá no balcão, e disseram-me que até o momento sim. Mas, que dependeria do nosso vôo chegar no DF. Aproveitei e perguntei de minha conexão para Foz, às 22h45min em SP. A mocinha disse, "essa está tranquila".
Voltei para meu local, e nem tinha terminado de tranquilizar a gringa, com um gesto de joinha, quando chamaram ao balcão os passageiros para Frankfurt, o embarque deles ficaria para o dia seguinte. A gringa olhou pra mim sem entender nada, como é que "joinha" significa aquilo no Brasil? Ela deve ter pensado, ao me fustigar com o olhar. Eu tentei dizer que entre o meu acesso ao balcão, e o retorno com a boa notícia, as coisas mudaram. Mas, não consegui. Ela vai levar uma impressão que o "joinha" em Brasília é igual a "se ferrou"!
Uma hora e dez de atraso do embarque começaram a nos chamar. Eu vibrei, não perderia a palestra.
Esperamos uns 10min, no acesso remoto, o ônibus chegar. Quando chegou, todos ficaram aliviados. Mas, num era hora de aliviar-se. Acreditam que ficamos dentro do ônibus, no meio da pista, ao lado de uns aviões, por uns outros 20 minutos? O que estava acontecendo. A essa altura, eu que estava me segurando naquelas barras e em pé, não sabia se deixava a calça cair, se segurava a barra ou se chorava.
Quando finalmente o ônibus andou, e ao adentrar no avião, o chefe da equipe de comissários pediu desculpas e falou que o vôo foi liberado por engano, pois que a tripulação que chegou com ele, vindo de outro estado, não tinha mais horas de voos permitidas, e tiveram que abandonar a aeronave.
Ou seja, no meio do caminho cancelaram o vôo. Mas, o desgaste seria tão grande que conseguiram acionar a única equipe de tripulação reserva disponível, por isso o ônibus ficou parado. Não havia tripulação dentro do avião para nos receber.
Sentado, finalmente e sem precisar mais segurar as calças, o serviço de auto-falante do avião vai chamando, pausadamente, e por onde alfabética, umas 6 pessoas. Chegando perto da letra R, eu estava com muito medo, achando que agora seria minha vez de me retirarem do vôo, por não conseguir tempo hábil para conexão em SP. Mas, não foi. Ufa. Eu ainda estava no jogo.
Pelas minhas contas eu tinha 15 minutos de atraso. Daria tempo.
Mas, nunca pensei que o Aeroporto de Guarulhos ficasse tão grande, após a reforma. Desembarquei no Terminal 2, e corri feito uma barata tonta para o Terminal 3. Umas duas léguas de distância e fazendo sucesso com as calças. Chegando nele, olhei pela TV e vi que o meu vôo ficava num outro portão, no Terminal 1. Agora seriam 4 léguas, e corri, corri!!!!
Cheguei com os bofes de fora, e eu era um dos últimos a embarcar. Sentei no avião e quando ele decolou, em direção a Foz, eu percebi que havia mais um buraco disponível no cinto. Um que eu fiz com uma faca, noutra ocasião. E que eu não aproveitei aquele buraco, para arrochar as calças, pelo excesso de ansiedade e correria.
Eu não parei para avaliar melhor a situação. Assumi que as calças caiam, e pronto. Não me permiti questionar a mim mesmo, se era por ter perdido peso, ou se era por não ter usado o buraco correto para afivelar o cinto. Posso até ter perdido peso, mas enquanto tiver um buraco no cinto, ainda dá para ajustar as calças.
Cheguei pelas 1h30 da madrugada e acordei cedinho, 6h30 e fui explorar o local. Aí vi uma cena linda. O sol nascendo por cima de uma palmeiras que emolduram um estonteante complexo de piscinas, conectadas entre si. Um local de se ficar meses, pensei. Perguntei a um hóspede que nela estava se a água era quentinha. Ele disse: "deliciosa".
Aí pensei comigo, é tudo que preciso, depois dessa intoxicação de cortisol e adrenalina que o estresse me causou.
Apressei o passo para o quarto, e lembrei-me que não tinha levado calção de banho. E perdi a oportunidade, dado que após a palestra voltaria imediatamente para o DF, no vôo das 14hrs.
Comentando com palestrante amigo, que já estava no local para sua palestra da tarde, ele me disse.
" É Ricardo, comigo ontem aconteceu a mesma coisa. Mas, como cheguei mais cedo, eu fui comprar um calção e passei a noite tomando banho nas piscinas e relaxando."
Essa crônica carrega três lições para a vida. A primeira é sobre nossas crenças limitantes e o seu poder sobre nosso comportamento.
A primeira delas é que um polegar para cima, "um joinha", pode ser fruto de uma avaliação de momento, que em minutos poderá alterar. Então, não ache que o "joinha" que a vida está dando para você e para os que ama será eterno. Em algum lugar uma conexão para um vôo pode ser cancelada, e sua vida entrar numa roda viva. Então, na dúvida de quando o sinal de joinha mudará de posição, ame aos borbotões. Perdoe em igual intensidade. Nunca deixe a presença de alguém que ama sem um "eu te amo". Se dedique aos seus, enquanto estão por aqui, e entre você e eles há uma conexão possível, no mundo dos que têm carne, além de alma. Quantas coisas não aproveitamo e não damos o devido valor, por acreditarmos que elas estão sempre ali, favoráveis, e nunca mudarão. E vamos olhando a vida com olhos de indiferença, sem mais nos jogar nela. Sem mais ousar mover o tempo da conexão ao nosso favor, alterando as rodas do destino, que só quem ama sabe como fazer.
A segunda delas, não menos perigosa, é se acomodar com o que nos limita, nos oprime, nos faz infelizes, sem olhar para aquilo de outras prumadas e perspectivas, sem colocar aquilo em referência. Eu acreditava que o problema da calça folgada era sem solução. E, a realidade assim se fez para mim. Em nenhum momento eu me permiti à possibilidade de avaliar o cinto, procurando ver se o problema não seria nele. E agi feito um maluco beleza, correndo com cuecas à mostra em movimentados aeroportos do Brasil. A minha crença era limitante. Era uma crença de que se a calça está caindo, se o cinto está nela, é porque estou mais magro, ou a calça ficou frouxa. Adoramos fazer isso com os outros também. Colocamos eles dentro de nosso esquema mental. Sem perguntar a eles o que eles acham, o que fariam. Achamos que não precisa, pois nossa verdade é sagrada, e sabemos "como ele é". Quantas pseudo-verdades vamos tecendo na colcha de nosso viver que mais parecem cordas, a nos sufocar, nos amarrar e prender a elas. Coisas que vamos dizendo de nos mesmos. "Ah, nunca mais vou amar ninguém.". Ah, não sei falar em público". "Ah, se eu passar uns meses longe de meu namorado, ele arranjará outra e me esquecerá. A fila anda, eu até o entenderei". "Ah, não dou certo em emprego algum...". Essas crenças, e muitas desse estilo, são como a calça folgada. Elas inviabilizam outras alternativas de decisão, de pensamento, de comportamento e transformação. Elas tiram o foco de outras possibilidades, pois fazem de tudo para que a realidade diga-lhes que tem razão. Será que nunca falará em público mesmo? Será que não dá certo em emprego algum? São pensamentos fechados em si mesmo. Para os quais não há movimento de superação. São quase que resignações emocionais, eivadas de conformismo.
A terceira delas é que na bagagem da jornada de nossa vida precisamos levar calção de banho.
Pois, nunca saberemos quando após uma maratona estressante, teremos uma plácida e quentinha piscina nos chamando para seu interior. Calções de banho significam estarmos prontos para pegar as oportunidades quando elas atravessarem bem à nossa frente. Para fazer com nosso braço o destino, como fez o Gustavo Boog, ao ir compra seu calção. Reclamamos de sedentarismo, mas não caminhamos nada. Reclamamos que o processo seletivo está exigindo muita coisa, mas não aproveitamos o tempo anterior a ele para nos capacitar, pegar experiência, e assumir atitudes como se no cargo já estivéssemos.Entendem? E ficamos reclamando que a vida não nos dá oportunidades, e coisa e tal. Sua mãe está doente, noutro estado, você tem tempo e recursos para visitá-la, mas vai adiando, adiando, até um dia em que lhe faltar o calção de banho... Entendeu a metáfora? Na manhã que contemplei o amanhecer, e me vi sem roupa para piscina, abri a caixa de email e minha afilhada, a Catarina Catão, contou-me que fez um curso com a editora da revista Vida Simples, a Ana Holanda. Eu amo essa revista e tenho vários números delas. Me vejo em vários de seus textos. Catarina me incentivou a escrever para a editora, apresentando meu trabalho. Parem a leitura nessa parte. Até esse momento, eu não mexi um centímetro nas rodas do destino. Não comprei o calção de banho para aproveitar essa piscina. Mas, ao retornar pra Brasília, fiz um email para essa editora, apresentando meu trabalho. Pronto, agora eu tenho um calção de banho. Agora rodei as rodas do destino. Pode dar certo, não dar certo. Mas, dei prosseguimento à bênção. Lancei uma sementinha no infinito de meu viver. Veremos em que solo cairá. Quantas coisas conosco são assim. Perdemos a oportunidade de participar delas, por comodismo, omissão, indiferença, ou por achar que se repetirão. E a vida vai se empobrecendo, pois que em nosso jardim interior não há mais sementes, promessas de esperança, de um novo amanhecer em nossas vidas. Se eu não tivesse mandado o email, não teria lançado a semente, não teria comprado o calção de banho, entendem? Têm milagres que pedem nossa ação concreta, para sermos co-autores da graça. Voltando ao exemplo da mãe doente. Se você planejar a ida e nada fazer. Não será semente. Mas, se adquirir as passagens, acaba de comprar um calção de banho, ou biquíni, habilitador dessa possibilidade. Acaba de rodar o carrossel do destino, entrando nele com coragem e determinação, deixando de ser expectador de seu viver. Ou de ficar apenas colecionando justificativas, para o não fazer. No lugar de oferecer respostas, para o que poderá a vir a ser.
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