O Cravo e o Tempo (Autor Ricardo de Faria Barros)

Se tem uma coisa que gosto é de caminhar pelo quintal de minha consultoria e clínica de psicologia, a Ânimo. Desde pequeno gosto de quintais. Acho que um quintal - daqueles do jeito de casa das vovós do interior: cheio de tralhas, esconderijos, bem arejado e fresquinho, com vasos floridos colocados em tudo que é de recipiente, roupa no varal, cheiro de terra molhada, pássaros cantantes, árvores sombreadas, frutas suculentas, galinhas e outros animais de estimação é o que mais de perto conheço do paraíso, da paz de Deus em nossa vida. Quintais são terapêuticos.
No quintal da Ânimo temos dois pés de Cajá, um de Tamarindo, um Abacateiro, alguma Bananeiras e um pé de Cravo.
É amigos e amigas, um pé de Cravo. Eu não conhecia a árvore do Cravo, até que o simático jardineiro apresentou-me a ela.
Para comprovar que era mesmo, ele solicitou que eu mascasse uma de suas folhas.
E, uaauuu!!!
Era Cravo da Índia mesmo, e que sabor, que aroma!!! Pensar que essa especiaria era uma das mais cobiçadas, no campo dos temperos, nas transações comerciais entre os povos,
Criei o hábito de sempre passar pelo quintal, colher uma de suas folhas, e mascá-la com prazer.
Ontem vi uma folha de um verdinho claro, mais novinha do que as utras, de verde oliva, bem escuro.
Pensei comigo, essa folha deve ser uma delícia de mascar, de estar bem molinha e deliciosa.
A parte do molinha eu acertei. Mas, para minha surpresa, não tinha gosto de nada. Gosto de folha. Apenas. Nenhum aroma, nenhum sabor de Cravo da Índia, e eu fiquei decepcionado. Logo colhi uma outra, de cor verde oliva, e pimba. O sabor estava ali, novamente, e o frescor e aroma do cravo invadiu minha vida novamente. Ufa!
O que difere uma folha da outra, em seu sabor e aroma? Se ambas são da mesma árvore?
O tempo. Apenas ele.
Uma tem menos tempo do que a outra, e ainda metabolizou as essências perfumadas e curativas do Cravo.
Tempo, tempo, tempo, tempo...
O tempo é um grande "compositor de destinos", como dia a canção Oração ao Tempo.
E, para cada um de nós, esse compositor tem sua própria partitura. Ninguém vive o tempo da mesma forma. Ninguém.
Pois, ele é função da história e momento de vida, das necessidades, desejos e expectativas sobre algo, que em nós podem ser extremamente diferentes. Vejam por exemplo o texto a Semana, de Alexandre Machado, veiculado numa das propagandas mais premiadas da publicidade brasileira.

A Semana
Para um preso, menos 7 dias
Para um doente, mais 7 dias
Para os felizes, 7 motivos
Para os tristes, 7 remédios
Para os ricos, 7 jantares
Para os pobres, 7 fomes
Para a esperança, 7 novas manhãs
Para a insônia, 7 longas noites
Para os sozinhos, 7 chances
Para os ausentes, 7 culpas
Para um cachorro, 49 dias
Para uma mosca, 7 gerações
Para os empresários, 25% do mês
Para os economistas, 0,019 do ano
Para o pessimista, 7 riscos
Para o otimista, 7 oportunidades
Para a terra, 7 voltas
Para o pescador, 7 partidas
Para cumprir o prazo, pouco
Para criar o mundo, o suficiente
Para uma gripe, a cura
Para uma rosa, a morte
Para a história, nada
Para Época, tudo

Não deixe de ver o vídeo, desse comercial em: Vídeo A Semana

Quer condenar um ansioso? Diga-lhe que espere! 
Quer condenar um casal, peça que um deles diga ao outro que só o tempo dirá o que será da vida comum entre eles. 
Quer condenar uma mãe, diga que só poderá avaliar melhor a situação de saúde do filho, após um certo tempo, "tem que evoluir mãe...".
Quer libertar um ansioso? Diga-lhe que o vôo está no horário.
Quer libertar um casal enamorado, marque as data de um amanhã possível, entre eles. 
Que libertar uma mãe, diga-lhe a data que o filho distante virá visitá-la. 

Todos temos nossos relógio do tempo interior, e encontrar a paz no ritmo dele, que é função muitas  das vezes do ritmo do outro, é um grande exercício sabedoria, uma verdadeira maturação interior.

É o processo que a folha verde claro, mais novinha, terá que passar. Não adianta ela querer queimar etapas. Ela terá que acolher sua jornada, que pede o tempo da natureza, que dia à dia, noite à noite, vai transformando ela numa folha verde-oliva, cheia de óleos aromatizados e saborosos. Mas, tem que saber sofrer a espera do tempo. De nada adiantará ela clamar á natureza que fique logo perfumada e gostosa de mascar. De nada adiantará. Precisa passar pelo vale de lágrimas do tempo, com suas angustias e sofrências, vivendo esse momento de espera com um coração confiante na força das sementes que para vingarem precisarão ainda de muitos amanhãs vindouros. 

Assim é com o tempo, quando sua espera e vivência é feito na graça de Deus, e no tempo das horas Dele. Somente Dele!
Isso nos tornará mais aromatizados e saborosos, ao viver qualquer que seja o tempo de uma espera de forma orante. Se se avexar. 
Por falar em avexar, expressão que tem um de seus sentidos como: não se agonie; não fique nervoso; não se aperrei; tenha calma..., o poeta Acioly Neto fez uma obra prima sobre o tempo, em ritmo de forró, de uma sabedoria que impressiona, vejam: 
"Se avexe não
Amanhã pode acontecer tudo
Inclusive nada
Se avexe não
A lagarta rasteja até o dia
Em que cria asas"

Então, caros amigos e amigas, esse texto é para você que vive numa expectativa da espera por algo. Se avexe não, deixe o compositor do tempo escrever na partitura de sua vida, e no ritmo dele. 
Viva qualquer que seja a experiência que está passando como se ela estivesse produzindo em ti capital emocional positivo, tivesse trabalhando na folha de sua vida, tornando-a melhor, mais aromatizada e saborosa.

Coisa que só o tempo faz em nossa vida e o viver, desde que aprendamos a vive-lo como dom, graça e nos infinitos de nosso coração.

Nada é para ontem, e tudo pode vir a ser no amanhã.   E, esse capital tempo, enquanto ainda não vira uma folha de cravo bacana, daquela que cumpre com seu propósito, pode se investido em tanta coisa que pede o teu olhar de rosa, sobre elas.

Resumindo. Enquanto espera por algo, contemple e intervenha na paisagem, tornando-a melhor!  O maior capital que temos é do dia que vivemos. E não podemos fazer desse capital algo sem valor. Precisamos com ele construir o nosso quintal, e confiar que um dia aquele quintal era apenas um terreno abandonado, cheio de mato, material de construção ou lixo. E foi a mão paciente, perseverante e esperançosas, de uma vovó caprichosa, que fez do nada surgirem roseiras em flor, frutas maduras e todo tipo de vida que nele procura abrigo e alimento. 

Mas, se voltar os ponteiros do implacável relógio do tempo, verá que um dia nada daquilo era esse quintal que agora caminho, por entre alamedas sombreadas de pés de cajás de mais de 20 metros de altura. Um dia, há uns 30 anos atrás, alguém trouxe duas mudas dessa árvore do Nordeste, e hoje elas estão frondosas e cheias de vida em seu interior. Foi preciso tempo para isso acontecer.  Assim será sempre com nosso amadurecer como ser humano, precisaremos passar por situações, experiências e acontecimentos, que ao longo do tempo, vão nos constituir como vinagres (ácidos, resignados e rancorosos), ou um bom vinho (doces, esperançosos e otimistas). Para ambos, o tempo dos acontecimentos foi o mesmo, o que mudou foi o olhar, a ação e o aprendizado sobre os mesmos.

Portanto, não apresse o rio. Ele corre sozinho, apenas confie. E, enquanto confia, lubrifique as engrenagens do relógio de seu destino. Não espere nada de braços cruzados! Nem que seja orando, faça algo para que essa espera seja um tempo de maturação e daqueles bem proveitosos. 

2 comentários:

  1. Muito bom, muito felizes nas conceituações. E, melhor ainda,
    para um início de dia, sábado, dia de feira e tantos sonhos. Um abraço.

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