Era fim de um sábado bonito, daqueles que nos esbaldamos em
muitas brincadeiras juntos. Esperávamos tua mãe chegar, e enquanto isto tu
brincava no Parque da Cidade (Brasília-DF), naquela área de brinquedos fixos, a
que tem o famoso “foguete”, aquele que tu amava em escalá-lo. Talvez ainda
tenha, quando tiver adulto e leia estas linhas que teu pai escreve para tu.
Sentei-me no banco, e de longe fiquei babando, pai babão que
sou. Aí tu veio correndo em minha direção e soltou um: “Pai, eu posso ir brincar
de bola com aqueles menininhos no campinho de areia?”
Acenei positivamente, contive as lágrimas, e deixe para que
elas vertessem, face abaixo, após sua saída em disparada.
Sabe quantas vezes você tinha feito isso, até então, agora
com teus 8 anos?
Nenhuma! Esta foi a
primeira vez.
Nos sábados anteriores, eu já tinha notado alguma diferença
em teu comportamento. É que neles eu teu levei para o apartamento de minha
irmã, que fica num condomínio vertical aqui do DF, e te vi saindo sozinho do apartamento
para brincar nas áreas de brincadeiras, junto com outras crianças. Mas, ali era um terreno “seguro”, pois era o
local de tua tia e tio.
Sábado foi diferente. O local era “estranho” par teus
padrões de até então. E você superou sua timidez social, daquelas de primeiras
abordagens, que tanta preocupação gerava em teu pai.
E não só foi jogar com os pirralhos, como ainda marcou gol,
e teu time ganhou, de 2 x 0.
Eu não fiz nada. Apenas deixei de pegar no teu pé,
levando-lhe para se socializar puxando-lhe pelo braço, ou “orelhas”, o que
muitas vezes fiz, e era errado.
Parei de fazer aquilo e te aceitei como era. Aquele que precisava
de um tempinho a mais, para se integrar aos grupos de crianças desconhecidas, e
que não era o meu tempo, era o teu.
Minha ansiedade, excesso de amor e vontade de queimar tua
etapa interior, só estavam lhe atrapalhando. O rio corre sozinho, e em nosso
amor exigente, só precisamos não atrapalhar o seu desenvolvimento, com nossa
vontade de que eles, nossos filhos, sejam como nós somos, ou sejam como achamos
que éramos nós, na idade deles.
E você está mudando, desabrochando, no seu tempo, ritmo e
intensidade que lhes são próprios. E eu fico muito feliz de não ter botado os
pés pelas mãos, logo achando em você alguma “doença sócio-emocional”, lascando
em tu um rótulo, e em função desse rótulo, mudasse meu comportamento para contigo.
Acreditei em você, amei como tu era, com ou sem a capacidade
de fazer amigos estranhos logo de cara, e, ao relaxar pra contigo, você pode
ser você mesmo. Sem mais querer somente fazer algo para me agradar, e ao fingir
tua existência, assumir uma persona que não era a tua.
Então meu filho, na vida, continue indo jogar bola com os
menininhos no campinho de areia.
Verá que fará novos amigos desses encontros, e quem tem
amigo tem um tesouro que traça não come e o cupim não rói.
Antes você ficava na intenção. Com olhinhos tristes e
pedintes, observava outras crianças correndo pra lá e pra cá, e não saia da
barra de nossa “saia”.
E voltava para casa, cheio de intenções. Intenção de ir
brincar com os meninos de pular onda no mar. Intenção de rodar no balanço do parque.
Intenção de após a apresentação da quadrilha do colégio ir correr com os
meninos das demais turmas, já liberados das apresentações, e por todo canto.
Mas não ia. Ficava amofinado, em nossos colos, e não
conseguia ir. Era muito para você, e aquela espécie de fobia social lhe
imobilizava. Aí eu te pressionava e o desfecho era sempre chato, eu triste para
um canto, tu triste para o outro. Até que um dia, há um ano atrás, ou pouco
mais que isso, eu te aceitei assim, como eras, sem mais querer exigir um outro
JG que fosse mais próximo de um JG que eu achava que estaria mais preparado
para enfrentar a vida, sem mim por perto.
Não se deixe “enformar” pelas Instituições. Do jeito que eu quis fazer para contigo,
vários outros vão querer.
Resista.
Seu amor pode querer fazer isso com você, pule fora. Não
existe cara-metade, é para ser caras-inteira. Tu inteiro, ela inteira.
Seus amigos também poderão querer te colocar dentro de um
padrão, socialmente aceito para eles. Se esse padrão te ferir, diminuir você
como pessoa, exigir um custo altíssimo de adaptação a ele, caia fora.
Levamos muito tempo para nos construir como pessoa, e
estaremos sempre inacabados nesse projeto interior.
E, e nessa construção, lógico que vamos sendo talhados pelas
pessoas e Instituições que frequentamos, ninguém é um eu, somos sempre um nós.
Mas que esse seja um talhe de escultor sobre a pedra bruta.
Que com seu cinzel, deixa ela mais bonita. Que não seja talhe de açougueiro,
daqueles que laceram a carne.
Que seja de doce, sincero e amigo o molde dos outros em
nosso ser.
Daqueles que nos ajudam a erguer nossa âncora, sair da estagnação
que inibe o crescimento, e faz-nos levantar velas e singrar pelos sete mares. Um
navegar que sem autonomia e liberdade das escolhas, de nada valeria ter sido,
apenas para ser querido, promovido ou considerado amigo! Avalie o preço que
paga, a cada concessão que fizer de si mesmo, para ser aceito e se adaptar.
Para algumas, valerão as penas, pague-as e mude.
Para outras, deixe que outros paguem, saia desse jogo, de um
resultado que só te fará infeliz.
Não deixe que tirem de você sua essência, seu jeito particular,
diferente e único de ser, pois é isso que lhe tornará uma pessoa.
Quer gostem dela, quer não gostem, é tu quem de ti deverás
gostar, ao olhar no espelho.
Mesmo que seja num dia em que não foi brincar com as outras
crianças no parquinho, e teu pai ficou bravo.
Tenha calma, ele estava errado, e foi apenas um dia que não foi brincar, e a
vida não é feita de um dia!
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