Bem me quer, e eu te quero. (Por Ricardo de Faria Barros)

Era dia do Halloween, no condomínio. As ruas estavam repletas de fadinhas, monstrinhos e pessoinhas que mais pareciam saídas de filmes de terror.  As família entraram na brincadeira e as casas estavam com seus jardins decorados, e à caráter com muitas abóboras assombradas, teias de aranha, facões, caveiras e bruxas.
E a criançada se divertia, já sabendo pela decoração externa as casas que poderiam parar, pois ali tinha coisa boa para comer. E, então gritavam, quase se esgoelando: "doces ou travessuras?". E aí era uma felicidade só.  De uma delas, saiu um pai babão, todo enfaixado - tal qual um múmia, e com sangue escorrendo pela cabeça, artificial é claro, e as crianças correram com medo dele. E tudo era festa naquela tarde de sábado. Eu e o JG formamos um grupo de coleta e saímos também à caça de doces. Resolvemos visitar a varanda da Catarina, que pela decoração prometia. Ali, nos juntamos ao grupo deles, e agora éramos 6: Eu, JG, Sônia, Catarina, Pergentino e a pequena Lis.  Um reforço considerável na missão de amealhar doces.  

A Lis estava chorosa, e o JG estava com resto de sono do dia anterior, e reclamando que não tinha fantasia de monstrinho. O que foi logo sanado pela Catarina, que improvisou um turbante de cérebro, uma capa e uma maquiagem de cortes. Pronto, havemos monstro!

A Lis não queria caminhar. Seus dois anos e três meses pedia braço. E, em algumas casas, ela empacava e não queria ir pegar os docinhos.  Catarina falou que iria chegar um amiguinho dela, do jardim da infância, de um ano e onze meses e que ela melhoraria de humor.  Mães entendem os filhos. Sabem tudo deles. 

Seguimos pelas ruas, ali e acolá parando para consolar Lis, que estava naqueles dias. Se tivesse TPM, aos dois anos de idade, diria que ela estava enfezada por ela.

Mas, eis que o Vítor e seus pais chegam e juntam-se ao nossos grupo.

Lis abre um sorrisão, dá a mão ao Vítor e torna-se outra pessoa - nova criatura é!

Agora ela corre na frente, para pegar os doces, sempre puxando o Vítor pelas maozinhas. Agora ela faz pose para as fotos, junto aos jardins decorados. Agora ela balbucia palavras que só os pais entendem. Esforço-me para compreendê-la, e com a alma, entendo o que ela diz, que está feliz com a chegada do Vítor.

Ela não tomou chá, não tomou calmante, não tomou uns cocorotes pedagógicos, não tomou carão, não tomou nem mamadeira para mudar radicalmente de humor.

Apenas acolheu o Vítor em seu coração.  Imaginar que a soma das tenras idades deles não dá nem cinco anos. 

Numa esquina, miro no casal e flagro o olhar deles, um para o outro. Um olhar que sorri, que abraça, que cuida e admira. É olhar de amor, e dos bons.  Lógico, entendam-me por favor, falo de um amor maior que sexualidade, maior do que aquilo a que costumeiramente associamos quando falamos do enlace entre pessoas graúdas. 

Numa casa, a proprietária pede para tirar uma foto do casalzinho, ele vestindo com uma capa do Drácula, e ela de chifrezinhos rosa.

Até JG comenta o milagre da mudança de humor e disposição da Lis. É isso que o amor faz em nossa vida, nos torna lendários. 

Melhora nossa disposição, ânimo, nos motiva a fazer coisas impensáveis, como roubar docinhos de crianças para levar à pessoa amada que ficou em casa.

Em que esquina ficou aquela Lis chateada, birrenta, chorosa e cheia de manha, que só queria braço?

Acho que no fundo todos nós, quando estamos naqueles dias da pá virada, precisamos de um Vítor adentrando nosso viver. Vítor pode ser um amigo, um familiar, uma pessoa que quando a nós se chega traz consigo o sol das manhãs vindouras, traz a paz de um entardecer, traz a segurança de  adormecer no calor de corpos que se completam. Vítor faz Lis sorrir, precisamos de quem nos faça sorrir. 

E como se expressou o amor de Lis para com o Vítor?  Primeiro pela mudança radical do estado de ânimo e de energia quando em sua presença.  Depois, pelo cuidado com ele, mais novo 4 meses que ela. Ao não largar sua mãozinha, e até diminuir o ritmo de suas correrias, para que ele a acompanhasse. Depois, pelo admirar. Lis admira Vítor, pude comprovar em vários olhares languidos que a vi fazendo,  admirando sua fantasia. Por último, no se doar. Lis pegava os docinhos, mas sempre tinha um para o Vítor. Ela partilhava os seus próprios docinhos com ele, sem egoismo, num gesto de pura entrega e doação. Daqueles que enchemos os olhos de lágrimas ao vê-los. 

Sim, meus amigos e amigas, o amor muda nossa própria essência, que sempre esteve ali, mas que precisa dessa força para se expressar no seu melhor, para despertar e crescer, desenvolvendo potenciais que nem a pessoa, antes de amar, sabia que tinha.   Bem me quer e eu te quero e a vida se descortina numa explosão de aromas, texturas, cores e sabores, e viramos imortais, eternos demais para sermos menos.

Volto pra casa com o coração cheio de paz e alegria, influenciado pelo que testemunhei. Esse é o melhor dos efeitos colaterais do amor, ele irradia vida para todos que perto deles estão. No rádio toca um Roberto, abro o vidro do carro e deixo sentir a brisa aracati de final de tarde, miro à frente e vejo uma mor, ele contagia. Volto sentindo a presença da brisa aracati em meu viver, de uma borboleta azul guiando meus destinos e de uma canção de Roberto que teima em aquecer corações.  

Você já parou para pensar que tu presença pode mudar uma vida, um dia, um instante, tornando-o mágico, único, místico e transcendental?    

Você já parou para valorizar, mais ainda, aquele que quando perto de ti chega muda a força de teu viver, e te faz produzir serotoninas, endorfinas, dopaminas e oxitocinas, o quarteto fantástico do bem-estar?

Como diz a canção do Jonh Denver, Perhaps Love, talvez o amor seja isso mesmo: uma pessoa que possa nos levar para casa. Lis e Vítor, e todos que amam uma pessoa, ou uma causa, se encontram nesse poema, e sabem mesmo o que é mudar de humor ao verem o amado, seja ele pessoa ou uma causa que militem, um propósito de vida. Vejam que belo:

"Talvez o amor seja como um lugar de descanso, um abrigo da tempestade. le existe para te dar conforto, ele está lá para te manter aquecido

E nas horas de turbulência, quando mais você está sozinho
A lembrança de um amor te levará para casa

Talvez o amor seja como uma janela, talvez uma porta aberta
Ele te convida a chegar mais perto, ele quer te mostrar mais
E mesmo que você se perca, e não saiba o que fazer
A lembrança de um amor fará você superar tudo

Oh, o amor para alguns é como uma nuvem, para outros, tão forte quanto o aço
Para alguns um modo de vida, para outros uma forma de sentir
E alguns dizem que o amor é se agarrar, e outros dizem que é deixar ir
E alguns dizem que o amor é tudo, outros dizem que não sabem

Talvez o amor seja como o oceano, cheio de conflitos, cheio de dor
Como uma lareira quando faz frio lá fora, como o trovão quando chove
E se eu vivesse para sempre, e todos os meus sonhos fossem realizados
Minhas lembranças de amor seriam de você

E alguns dizem que o amor é se agarrar
E outros dizem que é deixar ir
E alguns dizem que o amor é tudo
E outros dizem que não sabem

Talvez o amor seja como o oceano, cheio de conflitos, cheio de mudança
Como uma lareira quando faz frio lá fora, como o trovão quando chove
E se eu vivesse para sempre, e todos os meus sonhos fossem realizados
Minhas lembranças de amor seriam de você.

Em tempo: Depois dos doces Lis e Vítor brincaram até tarde da noite. Talvez o amor também isso,  ter com quem brincar.

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