Cheguei de exame periódico, feito no Hospital do Coração de Brasília, tomei coragem e fui avaliar os estragos da chuva na minha vinilcoteca, que fica na estante da sala.
A estante foi bem afetada por um temporal que por aqui caiu, ontem à tarde, pois as janelas estavam abertas e eu estava fora de casa. Nela, ficam meus vinis, livros de gastronomia e álbuns de fotos. Ontem, avaliei os estragos nas fotos. E, para minha grata surpresa, elas não foram atingidas.
Para mim, um verdadeiro milagre pela disposição dos álbuns e pelo volume de água que entrou.
Hoje, comecei retirando um dos lotes de discos, uns 50, dos 1.000 que possuo.
E, como diz a canção: "meu mundo caiu". Eles foram atingidos em suas capas, e estavam molhados ainda, denunciando a chuva em suas faces. Ficarão com as extremidades das enrugadas, danificando a composição artística das mesmas. Eu até botei para secar, contudo não serão mais as mesmas.
Os livros também escaparam ilesos, que bom.
Quando uma ponta de tristeza quis irromper meu coração, eu lembrei-me da senhorinha que fez exame comigo, hoje bem cedo, e da forma com a qual lidou com uma pane de seu carro, quando estacionava no hospital. Deixa eu contar pra vocês.
Bem cedo saí para fazer exame de Cintilografia, marcado para 7hrs. Cheguei no local pelas 6h30min. Logo após, uma outra cliente chega. Percebo que é bem idosa, cabelinhos branquinhos, e de longe ela me vê e me saúda com um sonoro bom dia. E eu abri um sorrisão para ela.
Nossos atendimentos estavam marcados para 7hrs, e ela também iria fazer a Cinti.
Aí, chegou outro cliente para o mesmo exame, e da porta já esbravejou com a maquina de senha que ainda estava desligada. Ao que a senhorinha disse-lhe: "não se preocupe, o Sr. é o terceiro da fila".
O cliente sentou à minha direita, e ela estava à esquerda. E ele continuou resmungando sobre o horário dos atendentes (x) o horário do atendimento.
A senhorinha mudou de assunto, cotando que o carro dela "morreu" ao estacionar, e que deve ter "afogado". E que foi salva pelos rapazes que "guardam carro", que lhe ajudaram empurrando o carro por mais um metro, até ele entrar complementamente na vaga.
Ela falava com uma mansidão e paz, daquelas de ninar criança no colo. Nenhum atitude de desgosto, de maldição de raiva ou ranzince. Pelo contrário, ela disse estar muito grata aos rapazes que ajudaram-na, e que se o carro não pegasse, na sua saída, ela chamaria o seguro.
Às 7hrs, as atendentes chegam e nos chamam. Eu fico na estação de atendimento do meio, e os outros clientes nas do meu lado.
A senhorinha, ao começar a ser atendida, deseja á jovem um excelente dia de trabalho. O outro cliente, bem agitado e nervoso, pergunta à moça: "Vem cá, qual é o seu horário mesmo?"
Eu baixo a cabeça de envergonhado.
Para que essa pressa, se vamos passar quatro horas nas salas de exame? O que são uns minutos a mais ou menos? Pensei com meus botões.
Depois de atendidos, seguimos para a sala de pinçamento da veia. O enfermeiro nos dá mais formulários para preenchermos, e ele solta mais um rabujo: "Cadê a minha prancheta?"
O enfermeiro se desculpa e diz que são dois preenchimentos por vez, no caso o meu e o da senhorinha, e que logo dará a prancheta para ele.
O enfermeiro pede então que caminhemos pelos corredores por 30 minutos, "para circular" a medicação. Aí começamos a andar. Ela, uma gracinha: toda falante vai contando de como era Brasília quando aqui chegou em 1966. E que ama essa cidade. Que foi atleta de vôlei e gosta de fazer caminhadas. Para se manter jovem nos seus 83 anos. Como não amar uma pessoa assim?
Ele, nos acompanha reclamando do curto espaço da "pista", ou de uma cadeira que alguém deixou no circuito, diminuindo-a mais ainda. Ou de apenas um tomógrafo está funcionando pela manhã, o que atrasará mais ainda o atendimento. Como ele foi caçar essa informação, pensei?
Nós, damos de ombro, e seguimos falando de coisas boas, e até brincamos dizendo que estamos caminhando na praia, e que só falta a cerveja. O enfermeiro que nos atendeu ouve-nos, e entra na brincadeira, convidando-nos para ver a decoração da sala do ergométrico. Ele abre a porta e nos diz, aí está a praia de vocês. Tratava-se de uma parede pintada com uma bela praia. E todos caímos na gargalhada.
Após a caminhada, é hora de comer algo gorduroso para melhorar as imagens: água, pão, queijo e iogurte. Imaginem quem reclamou do lanche? Acertou...
O cliente cismou com a água mineral com gás.
A senhorinha sorri, deliciando-se com o lanchinho. E dizia, "se eu soubesse que tinha direito a lanche tinha feito esse exame mais nova". cacacaca
O que os diferencia?
Ela, extraí elementos da realidade para ser mais feliz.
Ele, extraí elementos da realidade para ser mais triste.
Cultivar o bem-estar emocional positivo nos pensamentos é uma escolha.
Volto o olhar para a vinilcoteca. E faço uma intervenção em meus pensamentos negativos, quanto ao que me sucedeu.
Digo para mim mesmo: pelo menos salvaram-se as fotos, essas sim, únicas em meu viver. Eu trocaria todos os meus 1.000 vinis por um álbum, com 500 fotos, das mais de 5.000 que tenho impressas, de um tempo que não havia máquina digital, caso ele tivesse sido estragado pelas águas.
Muitas coisas em nosso viver podem ser assim, quando as perdemos. Poderemos até ficar tristes por um momento, frustrados e etecetera e tal. Mas, se olharmos por outra perspectiva, se olharmos para o que ainda temos, para o que nos sobrou, e não para o que nos falta, encontraremos forças para superar o luto da perda, de qualquer perda.
E, no meu caso, sobraram os livros e a fotos. E está excelente. É lucro, diante do que ocorreu na sala com aquela chuvarada.
Quem passa o dia procurando razoes para ser infeliz, acha. Nosso cérebro entende que é esse nosso modelo mental, de pesquisa dos dados da realidade ou dos outros, e se encarregará de apresentar cenas e atitudes, desse teor de emoção negativa, e vindas de bandeja e aos montes. Como o cliente fazia com tudo que via, num excesso de crítica pessimista da realidade.
Assim como o Google faz quando você pesquisa qualquer coisa, por alguns dias, passando a enviar para você um monte de coisas relacionado àquela pesquisa, até no seu Gmail e Facebook, Ele saca o que tua percepção seletiva está atrás, e te oferece mil possibilidades de encontrar o que precisa.
Nosso sistema de emoções e pensamentos é igualzinho, ou melhor, é muito, muito, muito mais potente que o Google. Nosso cérebro saca o tipo de energia que estamos cultivando dentro dele, e faz com que ela encontre pontos de conexão, na realidade ou no outro, para se abastecer dela.
Ter consciência sobre o que estamos pensando, e do impacto desse pensamento em nossos comportamentos e emoções, e até nos relacionamentos com os outros, já é um primeiro passo para deter o rio dos pensamentos negativos - substituindo-lhes por outros, bem mais expansores e edificadores da consciência, e das possibilidades de ação.
"Se não pegar o carro, eu chamo o seguro..." Que sabedoria!
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