O avião taxiava e a Paraíba crescia dentro de mim e me emocionava, novamente, sem ser de novo.
Cada vez que volto na minha cidade natal, a vejo com novos olhos.
Não é ela quem está mudando, com tanta velocidade, são meus olhos.
Neste mês, dei-me de presente 8 dias de férias, e voltei para lá, pela segunda vez esse ano.
Depois de um ano bem extenuante, do ponto de vista de adaptação emocional, e prestes aos 5.3 anos, eu precisava de colo de pais. Se existir melhor terapia, não a conheço.
Engraçado, cada vez que mais me aproximava da "Cordilheira da Borborema" - conjuntos de serras que se estendem por uns 200 km, que funcionam como uma barreira geográfica, barrando os ventos vindos do litoral, produzindo um microclima muito especial, eu pensava em como a minha vida girou em questão de dez meses, data de minha última visita, já aposentado.
Em ambas as vezes que nela entrei, tal qual agora, vivia momentos de ruptura e de recriação de mim mesmo.
Meu pai dirigia bem alegre, e juntos fomos traçando o roteiro dos dias, daqueles dos bons: "sem ter lugar e hora para chegar, e em canto algum".
Entramos em Campina Grande com o sol se pondo sobre o Açude Velho, uma cena de indescritível beleza.
Chegamos em casa, e mamãe esperava lá fora.
Ela aproximou-se de mim, com seu jeito de imensidão de afeto, e me deu um abraço de infinito. Adentrei a casa de meus pais e senti o aroma vindo da cozinha. Cozinhas de casas dos pais são lugares de Deus, e perfumados. Dona Celina, patrimônio imaterial gastronômico de meu lar, caprichara no bode com cuscuz. Já Guia, patrimônio imaterial da arrumação e das restaurações dos santos de mamãe, deixou meu quarto tinindo de limpo e cheiroso. Quanto amor envolvido nas duas.
Comemos bem, e mamãe ficou apreensiva que enchêssemos a barriga, pois tinha o jantar da quermesse, após a missa. Papai piscou o olho, deu de ombros, e disse: "padres jantam tarde, vamos nos garantir logo por aqui". Depois, horas mais tarde, demos razão a ele.
No quarto, eles e meus filhos fizeram-me surpresa, com presentes dos 5.3. Que dia feliz!
Mamãe nos chamou para procissão e missa. E já ouvíamos os preparativos das mesmas, pois que moramos quintal com quintal da Igreja.
Mas, eu estava cansado e dormi, perdendo a procissão de Nossa Senhora do Rosário e Missa. Papai gazeou também, sob pretexto de me fazer companhia. Acordei com os fogos de artifício, o cheiro de incenso, tão familiar, e os cânticos de louvor cantados na procissão que arrastava nossas penas.
Aquilo tudo era um reencontro para mim, fiquei na rede curtindo aquele momento.
Depois, seguimos para a praça do Rosário, lugar que marcamos de encontrar-nos com mamãe.
A missa terminou, mamãe fazia festa me apresentando às suas amigas de Apostolado de Oração. Apresentou-me a nossa vizinha, de quando eu tinha a idade do JG, uns 8 anos. E mais emoção aflorou. Eu brincava com a filha dela, a Zênia, e sons de infância evocaram em meu coração, abafando os carrilhões da igreja que tocavam festivamente. A Zênia e eu nos olhamos, como quem olha o passado e nele se encontra, e nos abraçamos festivamente. Será que nossos filhos um dia viverão o que vivi aos 5.3, encontrando-me com uma vizinha de brincar de subir em árvore?
Nesse momento, passou uma pessoa por mamãe e ela comentou: "Evandy, olha Chagas!"
Evandy é meu pai.
Chagas era do Sesi, e papai do Senai, ambos se aposentaram com grande folha de serviço prestados a estas Instituições.
Perguntei a mamãe se o Chagas era o que era o meu Coordenador de Esportes, de quando fazia natação no Sesi. Mamãe confirmou.
Então, saí em disparada e o abordei. Disse-lhe que eu fui atleta de natação da escola dele, por mais de dez anos, e que meu documento mais importante do currículo tinha sido ele quem me dera e certificara. Uma declaração dizendo que eu estava apto a ensinar natação a crianças, meu segundo emprego em Poções-BA. Disse-lhe eternamente grato, e dei-lhe um abraço de quebrar os ossos. Aquele era um dos abraços que eu faltava dar em minha vida, abraço de gratidão. Menos um, viva!
Ah! se pudêssemos reencontrar com muita gente que foi importante em nosso viver, dizer isto a elas e abraçá-las.
Quando voltei para a calçada da igreja, mamãe estava conversando com o padre que proferiu a homília da missa, a mais festiva por ser a do encerramento da novena, que foi concelebrada por três padres.
E, quando ela fez menção em nos apresentar, já estávamos dentro de um abraço.
Era o Haroldo. Colega de Seminário Menor, de quando eu estudava para ser padre. Um amigão. Aí foi mamãe quem não entendeu nada. E fui explicar que conhecia Haroldo há 35 anos, no mínimo, quando juntos, e tão jovens, éramos vocacionados à carreira sacerdotal. De minha turma, só não vigou eu. Haroldo contou-me que ele, Cristovão, Carlinhos, Valdir e Assis viraram padres. Todos grandes amigos e com eles aprendi a discutir fé e vida, em reuniões que se estendiam pela madrugada, estudando os documentos do Vaticano, a Bíblia e os livros pastorais da Teologia da Liberação.
Era uma época em que queríamos mudar o mundo, com uma fé mais engajada, humanizada e alegre, expressa numa opção radical e preferencial pelos mais pobres, conforme Concílio Vaticano II e Conferência de Puebla.
E passamos a recordar nossos bons professores e me atualizar da vida dos amigos padres.
Depois nos dirigimos para as mesas da quermesse, tomamos vinho de padre (segundo papai), celebramos aquela noite como de reencontros.
Por que vamos nos perdendo das pessoas que foram importantes na constituição de nosso viver?
Por que tem que ser assim?
Talvez faça parte do ciclo da vida, mas em nos carregamos suas bênçãos, amizade e ajuda fraterna que nos deram. E, sempre que voltamos a vê-las, é como se fosse a primeira vez. Nunca as esquecemos, de fato, em nossos corações.
Quem um dia entrou em nossa vida, e foi por amor - em todas suas expressões, das gavetas de nosso coração jamais sairá, mesmo que estejam fechadas, só esperando as oportunidades que tive para abri-las. e fazer, com o que brotou de seu interior, uma celebração celebrar a festa de viver. Voltei para casa sentindo o amor em minhas faces, sopradas por uma doce brisa aracati, e vendo bailando à minha frente uma borboleta azul, que teimava em acender a luz de seu pirilampo, convidando-lhe a não desistir de si mesmo.
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