O amor não crê em impossíveis. (Autor Ricardo de Faria Barros)

No dia do poeta (20/10), recebi esse mimo poético da Cármem Lu:   

"Ricardo, eu te leio em prosa, 
Eu te leio em crônicas, 
Eu te leio falando das rosas.
Eu te leio falando das músicas.
Eu te leio, sobre pessoas, natureza, cultura o mundo.
E emociona. Sempre com algo profundo. 
E fala dos sentimentos, que causam até dor.
Mas, tudo se transforma, quando fala do amor."

Desde então, fiquei matutando sobre o amor. E me lembrei do Açude Velho de Campina Grande-PB. E você deve estar se perguntando, o que tem a ver um açude com o amor? Deixa eu te explicar, mas primeiro vou te contextualizar do açude.  

O Açude Velho foi construído em 1830, para represar as águas do Riacho das Piabas, e servir como fonte de abastecimento da cidade, o que de fato aconteceu e por uns bons cem anos. 

Tempos depois, outros reservatórios foram sendo acionados, com o crescimento da cidade, e o açude foi perdendo sua vocação, sendo colocado de lado na função de gerar vida. Passando então a ser vítima de todo tipo de esgotos clandestinos. E foi morrendo. 

Essa morte era anunciada e anual, sempre com enorme mortandade de peixes, sempre que as águas novas, vindas do período das cheias do Rio das Piabas (abril-junho) misturavam-se com as fétidas e poluídas águas do açude.

E, aquele lugar antes aprazível e de vida, a partir da década de 60 passou a ser visto como lugar de morte e ruim de morar e passear, pelo cheiro de peixe morto que dele exalava, por pelo menos seis meses.

E nos acostumamos aquilo. Àquele cheiro de peixe morto.  E dissemos para nós mesmos, as coisas são assim mesmo.  Esse açude morreu e deveria ser entupido, gritavam alguns.  

Outros, diziam que o culpado era o pobre do Rio das Piabas, pelo seu pequeno curso de água. 

Uns ainda diziam que era impossível tirar os esgotos dele, e que a obra seria muito cara e havia outros investimentos mais necessários.  Políticos brasileiros não gostam aprovar investimentos para  coisas que fiquem embaixo da terra.  

Nunca esqueci as vezes que desviávamos o roteiro, para não ter que passar pela sua margem e respirar aquele gás tóxico.

Na década de 90 começaram trabalhos de retirada dos esgotos, e mesmo assim a mortandade continuava. É que havia muita água podre dentro do açude, e mesmo barrando o fluxo do esgoto, sempre que as raras e poucas águas do Rio das Piabas entravam nele, os peixes morriam, com a diferença de PH que elas causavam. 

Então, passaram a culpar o Rio das Piabas, e suas águas novas, querendo agora matá-lo. quando não sabemos algo, nos defendemos atacando, e sobrou para o rio.

Esse debate acontecia todos os anos, durante a estação dos peixes mortos, até que um cidadão local  questionou essa acusação. Ele dizia, como as águas puras e limpas podem ser acusadas de tal fato?

"O problema não são elas.  O problema é que o açude não está se renovando. A posição em que fica o sangradouro está errada, pois 50% das águas do açude não conseguem acessá-lo, pela geografia do seu leito."  Então ele propôs que fosse feito um outro sangradouro, na jusante do açude, lá nos seus fundos e não no meio dele.

Todos disseram que ele era louco, visionário, que as coisas eram daquele jeito mesmo, e que não havia mais possibilidades, que restava se acostumar com seis meses de fedor, ou retirar os peixes mortos, para diminuir o efeito do gás.

Mas, ele era obstinado e conseguiu aprovar um projeto junto à Prefeitura, e as obras começaram, cavando um canal por debaixo debaixo de importantes avenidas, que sempre que as águas subissem por eles seriam esvaziadas. E, nunca mais morreram peixes, pois o açude se renovou, expulsando as águas impuras, pelo novo canal, e se abastecendo das águas boas que chegavam pelo Riacho das Piabas. 

O local foi urbanizado, com calcadinhas, a parques e grandes edifícios instalaram-se ás suas margens, oferecendo caras e belas opções de moradias para os citadinos. O local virou cartão postal e passou a ser disputado para álbuns de fotos, até de casamentos, por todos que pela cidade passam.

O Amor são as águas novas do Riacho das Piabas. Mas, o amor sozinho é só intenção. Amar é um verbo de ação, que pede comportamentos e atitudes, aqui expressos pelo cidadão que subverteu a ordem reinante, a da natureza das coisas, e desafiou o destino do impossível. 

Quem ama desafia o destino do impossível. E, quem é tocado pelo amor, renova suas águas fétidas, que o sufocavam e matavam um pouco a cada dia, tornando-se nova criatura. 

Mesmo carregando ainda impurezas, esgotos clandestinos, amoitados em porões da alma, eles não mais intoxicam o viver, pois que são periodicamente depurados, processados e jogados para fora, pela força do amor que sentem em seu viver.

Quem se sente amado torna-se açude fecundo, cheio de vida por todo lado, em tudo que toca. E,  quem expressa amor, possibilita que o fluxo da vida atinja sua missão, sua vocação de ser mais e melhor, a cada dia, ao receber suas águas puras e refrescantes.

Mamãe não descansou até que resolvesse o problema que minha calça causaria, caindo pela cintura, e eu ainda tendo que carregar uns pacotes nas mãos. Como faria para dar conta?  Mas, mães sabem expressar amor, não ficam apenas nas intenções. Para elas, não existe o não pode, assim como para aquele cidadão que não se conformou com as coisas como elas são. Mamãe me deixou no saguão do aeroporto de João Pessoa, com meu pai, e saiu em busca de algo pra aperta minhas calças. E achou um cinto feminino, vendido numa lojinha. E me deu. E funcionou, e foi um alívio caminhar pelo imenso aeroporto de Brasília, com 4 pacotes nas mãos, sem parar para erguer as caças. Sabem o nome disso? Amor.

O amor pede gestos para que suas águas fluam.  

E, quem recebe esses gestos de amor não se torna igual. É impossível. Pois é como se eles expulsassem velhas águas, dando espaço para águas renovadas e melhores.

O amor é fluxo, é um verbo de movimento.  Cármem me amou no seu delicado post. 

Amueda me amou ao editar as fotos do aniversário de minha filha e postá-las para mim. Ou, quando comenta com excitada amorosidade, sobre as sementinhas da Ânimo que estão germinando, apesar de tantas dificuldades. 

Deixar fluir o amor é renovar a esperança.  Não era o rio com águas novas que estavam matando o açude.  Era a falta de lugar para sair as velhas.  

Não é a falta de emoções positivas que matam a felicidade, e a falta de um lugar para escoar as negativas. E, esse escoar acontece toda a vez que recebemos ou damos amor. Eles funcionam como um depurador natural das toxinas emocional que vamos acumulando.

Dar ou receber amor ativa o fluxo de vida em nós, empurrando para longe as fétidas águas das mágoas, decepções e tristezas que teimamos em acumular.

Não se renova a vida falando da morte. Renova-se a vida, percebendo a força do amor sobre nós, e nos permitindo continuar esse fluxo, expressando amor, em gestos concretos, e não em meras intenções.

Expressando gestos de cuidado, de gratidão e de admiração pelo outro. Isso sim, renova nossas águas interiores, e, como por mística mágica, as de quem recebe mais ainda.


Um comentário:

  1. Digo: Que máximo! Excelente palavras para reflexão. Vou me encolher, só posso dizer-te gratidão!

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