Amor Sem Vergonha


O dia amanheceu com um tom de luz incomum. Como se sobre ele estivesse pairando uma poderosa Luz.
No céu, nuvens brancas borradas. Traços de um Pintor que as espalhou, como quem usa um pincel na técnica do Brush.
Indescritível céu do Distrito Federal.
Sigo cedo para lavar o carro. No caminho, paro e dou ré.
Descortina-se à minha frente um ipê branco iniciando a floração. Uma floração de não mais do que uma semana. E precoce. Como a alegria, deve ser reverenciado ao extremo, quando chega.
Desisto de seguir caminho e volto para fotografá-lo.
Chegando na feira-livre faço minha caminhada costumeira, visitando amigos feirantes. Tenho uma meia dúzia para os quais sou pessoa.
No açougue, Dedé fala-me que tem carne de carneiro e das boas, recém-abatido. Tira um corte de costeletas para mim, e posa para a foto. Pode haver sorriso mais expressivo?
Subo para a banca do avô do Erick. Meu sem jeito ele constata que nunca nos apresentamos oficialmente. Ele para mim era o avô do Erick, o feirante dos ovos e galinhas caipiras. Eu, para ele, era o moço da máquina fotográfica, do ponto rotineiro da banca do pastel, em fronte à sua.
Pergunta-me da campanha da cadeira de rodas elétrica para seu neto, o Erick, e digo-lhe que está a pleno vapor. Já com 20% da meta alcançada. Peço-lhe que guarde segredo para o Erick.
Será seu presente de aniversário em agosto, aniversário de dez anos. Ele me diz que no dia da entrega vai matar umas galinhas no sítio. Convidará seus familiares, minha família e os meus amigos que ajudaram. Já imagino a cena.
Encho os olhos de emoção ao vê-lo antevendo aquele dia.
Na saída compro uma orquídea linda para minha esposa, que aniversariou no dia anterior. Comento com o florista que próximo domingo, dia das mães, o negócio dele vai estourar. Ele diz radiante que é o melhor domingo para quem vende flores.
Volto pra casa. Coração cheio de pessoas boas que aprendi a amá-las. Meu roteiro domingueiro por aquela feita é um tônico revigorante.
No caminho de volta, passou por uma casa na qual tem uma placa: “Retire aqui uma palavra de fé...”.
Não aguentei. Voltei para fotografá-la. Quanto desprendimento e inovação, em termos de negócios espirituais. Imagino o bem que aquelas mensagens possam causar na vida das pessoas que vão subindo ou descendo aquela ladeira íngreme, uns 4 km antes de minha casa.
Imagino que ali, naquela casa, habita mora um lar.
Chegando em casa o celular faz aquele “piado’ de quando recebe mensagens no UOTEZAPI.
Um amigo pede um help afetivo. Ele acabara de embarcar sua amada. Passará mais um tempo sem vê-la novamente, moram em estados bem distantes.
Peço que ele ligue. Ele me diz que não conseguirá que só chora.
Que a dor do amor que vai é muito grande.
Agora sou eu quem se emociona.
Não é todo dia que um garotão de 50 anos volta a amar, como ele depois me falou, quando tomou coragem e ligou.
Ele que já tinha tudo organizado, na sua solteirice de 12 anos. O amor entrou em sua vida, novamente, sem pedir licença.
Fez-lhe bobo, e até tirando lágrimas de um “ser duro para ser visto chorando”.
Ele sofre. Digo-lhe que tenho uma boa e uma má notícia. A má notícia é que o sofrer continuará.
A boa, é que é o sofrer melhor, mais gostoso, mais tesudo com que um ser possa experimentar.
Trata-se do sofrer do amor. E, um amor que sofre, é um amor que nasce e renasce periodicamente. É um amor vivo.
Ele revela cena a cena de como foi se envolvendo.
Eu vibro com cada descrição. Sentindo-me importante ao ser depositário de tanta riqueza.
O amor nos torna eternos. Nos faz deuses.
Engana o tempo, a lógica e a razão. O amor transcende.
Converso com ele no jardim, contemplando o céu azul. O mesmo céu que brindou meu despertar.
Ele me conta que cuidará dela, que as cores de seu viver não tem mais olhos para ninguém.
Que a saudade e distância serão combustível para reencontros, e não toxinas mortais - de desencontros. Entende?
Que trocará confidências, rotinas, projetos.
Conta que espera ansiosamente as postagens dela, de sua rotina, amores nos tempos do UOTEZAPI, de suas alegrias, dissabores, temores e etéreas esperanças. E que, com elas também se alimenta.
O conheci de tempos atrás. Naquela época ele se proclamava um solteirão convicto. Que o mundo do trabalho não deixava tempo para dedicar-se às coisas do coração. Que era muito cartesiano, lógico, quase um economista de sentimentos e que nunca mais iria viver o que viveu no primeiro amor, dela separado há 12 anos. Pela morte, morte do amor.
Agora, ele sorri, alegra-se com suas reações que o deixam fora do prumo, da rota. Amores são assim, não pedem licença, arrombam a porta de nossos corações.
Existem muitas formas de amar. O açougueiro que me serviu me amou. Ele deu o que de melhor tinha para me encantar. Limpou aquela carne como se fosse para ele mesmo.
O Darcy (o ex--avô-do-Erick) me amou ao antever a festinha de aniversário do neto, com a presença de meus amigos, família e a cadeira de rodas turbinada. Amou ao projetar no futuro a mobilidade de seu neto e as alegrias redobradas que o fato de poder ir e vir sem maiores dificuldades causarão no jovenzinho.
Aquela família me amou, ao disponibilizar na calçada de seu lar mensagens edificantes, oriundas do Cristianismo. Para, pegue, leia, sinta-se melhor e siga multiplicando gestos fraternos. Simples assim. Eles encontraram um jeito de fazer a diferença.
Meu amigo me amou. Amou-me ao me fazer guardião, seleto curador, de seu amor de maturidade. De seu amor turbilhão, vendaval das certezas eternas e vaporizador de dogmas pétreos.
Entrego a orquídea à minha esposa, aquela que comprei pela manhã e que estava escondida.
Ela parou o que fazia. Colava figurinhas no álbum da Copa para o JG. Ela não esperava o gesto. Comove-se. Seu aniversário foi ontem, e ofereci um jantar fora em família. Hoje, para ela seria um dia normal, sem mimos e fru-frus. Eis que o amor irrompe a cena e a transforma. Sem pedir licença, sem esperar dias, ritos, providências racionais. Simplesmente ele chega e se mostra.
Fotografo um ninho de canários da terra. Já com três ovinhos. A mamãe-canário voa assustada. Não sem antes deixar-se fotografar, cuidado de suas crias ainda em ovos. Chocando-as. Amor de espera, de paciência. Como o de quem planta um bambuzal e espera por quatro anos que ele desenvolva raízes, antes de crescer um metro sequer. Depois, assusta-se com o crescimento vigoroso, mês a mês.
Uma amor de paciência, de mansidão, de renúncia, um amor que pede respeito, foi o que aquela mãe-pássaro me evocou.
Os menininhos que moram à frente de minha casa vêm chamar o JG para brincar com eles. Parece que o dia será do amor. Agora amor de amigos, de pessoas que ao se juntarem são maiores que sozinhas.
À noite celebrarei tudo isto, ajoelhando-me aos pés da Cruz. Ali, agradecerei um casal amigo que nos visitará, na oração da noite, e que conseguiram resgatar seu casamento, após uma separação abrupta. Sim, vaso bom cola. Já escrevi sobre isso. Eles colaram os cacos de sua separação com ouro. E o resultado foi um KINTSUGI. Ficou ainda melhor do que o anterior, mais valioso, pois agora só possuem o presente e o futuro, nada de retrovisores, juntos caminharão mais uma légua, contudo agora com as marcas da Promessa.
Colar figurinhas e sair com os filhos para trocá-las também é um ato de amor. Fizemos um almoço com filhos, noras e quase genro e dei boas risadas vendo-os todos fazendo as trocas dos refugos no mercado de figurinhas que se estabeleceu. Agora também o JG faz parte do grupo. Ele recebeu figurinhas e o álbum de seus irmãos. Mais um gesto de amor.

Hoje o céu pintado de azul e borrado de branco pede amor.
Em todas formas de se manifestar, de se fazer presente e nos tornar eternos.
Eternos demais, humanos demais...
Que as mil lágrimas de meu amigo, sejam canalizadas para a humanidade.
Árida e sedenta de boas histórias de amor - fundamentais ao ciclo da vida.

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