Aposentadoria - A Síndrome do Ninho Vazio (Ricardo de Faria Barros)


"Ricardim, estou preocupado com minha esposa. Ela era gerente e aposentou-se tem uns seis meses. Agora cismou em exercer um controle maior sob a vida de nosso filho, e o clima entre eles azedou. Ambos estão tristes. O que fazer?".
Vinha adiando a elaboração do terceiro texto da trilogia: Síndromes da Aposentadoria.  Já escrevi os dois primeiros: A Síndrome da Alienação Fantástica, e a Síndrome de Abstinência à Vida Corporativa.
Adiava por me ser muito caro falar disso.
Vi essa Síndrome se manifestar nos primeiros anos da volta de meu pai ao lar, nos idos de 1995. Ele retornava pra sua gruta, de forma mais presente, após longos 45 anos de dedicação integral ao SENAI.
Ao retornar, percebeu que a casa estava vazia. Silenciosa. Os quartos, nos quais brincávamos quando crianças, agora o torturavam com lembranças: sons fantasmagóricos, aromas e restos de nós em cada parede, em cada objeto. 
A casa nova construída centavo a centavo, suor a suor, sapo a sapo engolido no SENAI, não fora aproveitada com seus filhos. Quando ela ficou pronta, todos já estavam casados e haviam migrado para o DF.
Aquilo por si só tornava mais aguda sua adaptação. Mamãe não sentiu tanto.
Ela se envolveu nas pastorais da igreja e ficou mais ocupada do que antes, quando também trabalhava no SENAI. Ela se aposentou com 40 anos de casa.
Já papai recolheu-se literalmente aos aposentos - uma das etimologias mais perversas do termo aposentadoria – aceitou vir-se como inativo, jubilado e voltou aos aposentos: aposentou-se. 
E, ao nele adentar, assombrou-se com o ninho vazio.
Sim, caros amigos, o terceiro texto da trilogia é sobre a Síndrome do Ninho Vazio.
Meu pai levou anos para recuperar-se do vazio do ninho. Para aprender a conviver com sua família real, e não com aquela idealizada para acolhê-lo em seu novo momento existencial.
Graças ao bom Deus, hoje ele está forte e feliz.
Achou-se para além dos "aposentos". Achou-se em aposentos de si mesmo. 
Voltando ao início do texto, esse diálogo aconteceu hoje durante meu almoço com amigos. Um deles, sabendo que gosto do tema aposentadoria, pediu-me um help.
Falou-me com amor e preocupação de sua esposa, já aposentada.
Ela esteve à frente de uma agência do BB, até novembro de 2013.
Lidava com pessoas, pressão; amava o BB. Lidava com metas, recebia estímulos; era uma motivadora; uma batalhadora. Todo dia um leão: enfrentava os dilemas do atendimento com maestria e sempre vibrava com as superações de resultados.
De repente, aposenta-se e começa a definhar, num canto qualquer “dos aposentos”.
Imaginamos juntos o seu dia a dia de trabalho, cheio de adrenalina, cortisol, e, porque não dizer, endorfinas - o hormônio da felicidade. Trabalhar pode ser sim um excelente espaço para produção de endorfinas.
E, de repente, sem algo pra fazer "lá fora" ela decide aposentar-se.
Nos aposentos reside o filho, o marido e a empregada doméstica.
O marido continua a trabalhar.
Ela "volta aos aposentos" e, nele, busca uma razão para continuar existindo.
Na sua busca por sentido, começa a controlar e intervir com uma intensidade nunca antes praticada na vida do filho e da serviçal.
A serviçal pensa em pedir as contas. Meu amigo tenta apaziguar a situação.
Já o filho, pensa, mas não fala, “ele também quer pedir as contas da mãe, devolvê-la ao BB”.
Ela sofre. Não entende o que se passa. Sofre por não se ver correspondida na overdose de amor que pensa estar dando.
Um amor de excessiva proteção, cuidado, de controle e opinião sobre o outro.
Saudosamente  ela começa a evocar as lembranças de quando  os filhos eram pequenos.
Abre os baús de fotografia. Alimenta-se com combustível da saudade e melancolia, para melhor habitar nos "aposentos".
Telefona para os familiares mil vezes ao dia. Cobra não receber ligações de volta.
Passa a implicar com tudo que os filhos fazem e que, antes, passava despercebido.
Implica com a roupa, com os amigos, com o lazer, com a profissão.
Mas, ela não vê o excesso. O excesso é justamente o preenchimento no outro do amor que nos falta. Para conosco mesmo. Entende?
É um deslocamento da nossa libido para o outro. Ele passa a ser o sujeito, sobre o qual investimos todas nossas expectativas, ansiedades, amor e frustrações.
Na Síndrome do Ninho Vazio (SNV), o aposentado é o ator principal que, para contracená-la, convida a todos de sua família.
A peça tem nome: “Eu voltei, voltem ao ninho.”
As noras endoidam com aposentados vítimas da SNV. “Você agora só quer viver na casa do seu pai. Não aguento mais todo final de semana almoçar lá.”
O jovem casal não consegue sair das “presas afetivas”, do jogo dramático de manipulação que o doente da SNV faz.
E casamentos entram em crise, pelo excesso de cobrança dos pais de algum dos cônjuges, ou de ambos – no caso de azar - por uma maior atenção, interferência e controle em suas vidas.
O adoentado envolve todo mundo para dar vida ao ninho, para preenchê-lo.
Quando o jogo não dá certo ele se entristece. Desabafa que sua família não liga mais pra ele. Que “só o usaram”. Que agora que parou de trabalhar “ninguém mais precisa dele”.
Que os familiares não lhes ligam, não lhe dão satisfações e não reconhecem nele os esforços para se aproximar.  Vira um círculo vicioso: 
1. Overdose de amor possessivo;
2. Baixo retorno afetivo esperado (dos sujeitos do amor investido);
3. Sofrimento existencial;
4. Compensação da percepção de indiferença com maiores doses de amor possessivo;
1. 2. 3. 4...  1.2.3.4... e assim por diante.
E aí a vida se torna um inferno. Para todos que o rodeiam, e até para ele mesmo.
Com o tempo, caso não se trate, vai ficando resignado, irritadiço, rabugento e até triste.
E como se tratar?  E como agir?
Vamos responder por partes.
Se você tem uma pessoa amada que passa pela SNV, em primeiro lugar, tente entendê-la. 
Se você tem uma pessoa amada que passa pela SNV, a primeira coisa a ser feita é tentar entendê-la. 
Ela não está fazendo isso por mal. Só não consegue lidar com o vazio, sem querer que você o ocupe. Percebe?
Talvez nem ela perceba que está tão exigente nas suas necessidades de receber amor.
Tenha compaixão dela... dessa pessoa com a SNV. Procure estar mais presente, sem se deixar dominar pela sua fantasia de controle e manipulação.
Faça uma forcinha. Ligue mais vezes durante o dia. Justifique melhor quando não irá a mais um de tantos eventos que ela inventa para te ter por perto.
E, quando estiver perto, incentive a pessoa com SNV a pensar noutras possibilidades para ocupar o tempo.
Ação voluntária, novos estudos, espiritualidade, clubes sociais, viagens, leitura,  redes sociais... etc.
Mas, saiba fazer isso mansamente. Sem atropelo. Se ela perceber que você “quer se livrar desse abraço de SNV”, vai reagir mal e aumentar o seu sofrer.
Faça com amor. Com jeitinho que só quem ama sabe encontrar para conduzir temas difíceis.
Mostre-lhe o quanto você se alegra com seus próprios programas, compartilhe com essa pessoa suas vitórias e instantes de felicidade.
Aos poucos ela vai percebendo que o fato de você não mais habitar o ninho, não significa que ele está vazio. Há ninhos preenchidos com a virtualidade do ser.
E se for você que se sente assim?
Que tudo passou a girar em função dos filhos e familiares. Que se no próximo final de semana não os visitar, ou ser visitado, não saberá o que fazer?
Agora é pra ti que digo: tenha calma!
Você sobreviverá sem filhos e familiares.
Um dia poderá achar legal não receber ninguém, sair e ir ao cinema, teatro, ir a um jogo de futebol.
Um dia, mais cedo ou mais tarde, passará a preencher sua vida com outras fontes de prazer, além do contato com a família.
Pare de controlar a vida de todos que ama. Pare de querer colocá-los no planejamento estratégico da empresa de sua vida.
Liberte-os para voarem. Quem ama solta! E quem é solto, por amor, um dia volta, e quando quer.
Encontre-se no ninho vazio.
Como um ninho pode ser vazio com você dentro dele?
Preencha-o consigo mesmo.
Você pode dar vida às paredes de sua casa, agora tão silenciosas. Procure algo para fazer que lhe preencha, como numa espécie de terapia ocupacional.
Faça cursos fora de casa. Faça artesanato, dentro de casa.
Arrume tempo para se levar para passear, sozinha, sem pressionar seus familiares mais amados para te acompanharem.
Viaje só. Se encontre.
Caso ainda seja casado, que tal uma nova lua de mel?
Que tal, os dois juntos, povoarem o ninho vazio com um montão de novos projetos.
Sonhos a serem vividos. Aventuras a serem experenciadas.
Conhecimentos a serem adquiridos. Emoções a serem curtidas.
Se estiver difícil, quem sabe deva procurar ajuda médica: um geriatra; um psicólogo, um psiquiatra, um padre ou pastor... Quem sabe?
Busque seus instantes de autoconhecimento. “Lamba-se” em sua autoestima. Pare de projetar-se no outro; de associar sua felicidade a do outro.
Liberte-o de suas garras afetivas. Pratique yoga, contemplação, meditação, relaxamento, ou permita-se a momentos de encontro com seu Deus.
Logo, logo esse ninho vazio que te assusta e te assombra, será, novamente, colorido, cheio de sons e aromas, oriundos de tuas novas experiências de existir.
Na saída, meu amigo disse-me que tinha desaconselhado sua esposa a estudar pra concursos. Ela tinha comentado que iria voltar a estudar para fazê-los e levou dele um “sai pra lá”.
Rindo, e mais aliviado, ele me disse que agora seria ele mesmo que iria matriculá-la (risos).
Entendeu tudo. Aposentamos de um emprego, não da vida!


Valeu pai! Você foi um herói. Sem saber de nada disso, encontrou-se lá no fundo do ninho, antes vazio e agora, cheio de você mesmo. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores