No caminho ao bem viver, adentre pelas avenidas do contorno.


Era um domingo de muito frio em Brasília. Acordo cedo, tinha que fazer “tarefa para casa”. 
Durante toda a sexta, pesquisei e salvei arquivos num pendrive, para que no domingo eu trabalhasse numa apresentação. 
Cada um deles encontrado era uma vitória e um alívio. Um trabalho minucioso que consumiu toda a sexta. O material contava parte da história da governança de TI do BB, desde 2008.
Eis que ao me preparar para o trabalho, e inserir o pendrive no notebook, aparece a mensagem:

“Formate o disco na unidade E: para poder usá-lo.
Deseja fazê-lo?”

Não acreditei no que lia.
Pânico, raiva, desespero, frustração... um misto de emoções aqueceu o meu corpo, realçando mais ainda o frio do dia.
Tentei noutro notebook e nada.
Fiquei por um tempo imobilizado. 
Depois, comecei a contabilizar as perdas. A segunda seria um dia difícil, já vi tudo. Teria que tirar tempo, entre o atendimento aos clientes internos, providências rotineiras e reuniões, para criar algo do zero. E, acho que não é só tempo. A criação pede um concentrar maior. 
Nem sempre consigo focar num ambiente cheio de pessoas e e-mails reclamando atenção.

Paciência.

Aprendi que se não posso mudar uma situação, posso mudar a mim mesmo.
Mudar a forma pela qual ela me tira do sério, já que nada posso fazer.

Os sentimentos de raiva, pânico, desespero e frustração só farão morada em mim se eu assim permitir.

Posso convertê-los numa maravilhosa odisseia. 
Numa saga em busca de resistir, apesar das circunstâncias.
Provarei a mim mesmo que amanhã a tarefa sairá ainda melhor, pois terá o gostinho da superação.

Posso escolher. Passar o domingo chateado, irritado com o que aconteceu. Secretamente punindo-me por não ter testado a migração dos arquivos.
Ou, posso acumular energias internas para enfrentar a situação, com os recursos que me sobraram.

Fico chateado, mas saio da posição de imobilismo, de vítima das circunstâncias e vejo o que ainda posso fazer com o que sobrou, com o que tenho.

Ontem à noite vivi essa cena.

Fomos convidados para uma festinha. Com direito até a fazendinha rural, pescaria, barraquinhas, trio de forró pé de serra.

Durante à tarde coisas chatas foram nos acontecendo. Nossa empregada doméstica pediu as contas. 

Dona patroa já queria dispensá-la mesmo, mas foi pega de surpresa. Não esperava que a decisão saísse da moça. Feriu seu orgulho de patrão.

Perto das 18hrs tomo banho para a festinha. Não queria perder nada. E o João Gabriel adora.

Eis que quando minha esposa vai tomar banho, acaba a água da casa. A caixa d´água não aguentou uma semana inteira sem abastecimento da rua. É que houve uma pane na estação elevatória e atingiu nosso bairro nessa semana.

Ela saiu do banho e veio até mim muito triste. 

Perguntei-lhe se não iríamos mais à festa.

Ela disse que sem banho não iria.

Que situação!

Ai fui treiná-la, emergencialmente, nessa filosofia de bem viver.

‘Você pode fazer chegar água? Bota um perfume, uma roupa bonita e vamos. Aliás, o cheiro da fumaça da fogueira em minutos tirará qualquer banho que alguém tenha tomado. Deixe de ser boba, vamos.”

Aí ela começou a falar da ex-empregada.

Perguntei-lhe:

“Mas não era você mesma quem me disse que iria dispensá-la? E que já tem outra querendo vir trabalhar aqui em casa? ”

Então, ela foi melhorando, botou um perfume e fomos pra festa. E foi super legal, um festão.

Chamo a isso de reprogramação mental. Nosso aparelho mental pode ser reprogramado para aprender a sair de loops de negação de sentido existenciais, de impotência, dor e culpa diante de situações paras as quais nada, nada mesmo, podemos fazer para alterá-las.

Aprender a mudar a nós mesmos diante delas.

Com certeza meu trabalho de amanhã não sairá uma Brastemp.

Não farei animações no PowerPoint. Não cruzarei as informações do jeito que queria. Mas, o que sair será melhor do que nada.

Suspeito até que o que sairá será a essência.

Parece que a criatividade precisa de uma certa dose de pressão para acontecer, então que venha segunda feira, vou te usar todinha, em cada minuto.

No outro dia, após acordarmos da noitada, o João Gabriel aparece no quarto com o seu peixe que pescou na pescaria. Sim, os peixinhos eram de verdade. As crianças ficavam malucas de frenesi. Eles viam em pequenos sacos plásticos, com água.
Ele  pediu-me que tirasse o peixinho do saquinho e colocasse em algo maior para ele brincar.
Aquilo me comoveu. 
Essa cena só foi possível porquê superamos um impasse negativo na noite anterior. 

A festa da vida, naquela noite, aconteceria de qualquer maneira.

Sem “migo”, ou comigo. Sem “nosco”, ou conosco.

Sempre que algo lhe acontecer e que não pode mudar, dou a dica, junte os cacos do que sobrou, contabilize as perdas, e veja o que ainda assim poderá fazer com a situação.

Não fique naquela posição existencial de vítima, tal qual criança quando derrama sorvete no chão. 

Têm tantas outras possibilidades que esperam de ti uma atitude, uma postura de sobrevivente.

Garanto-lhes, no outro dia uma criança te procurará para que de teu gesto um peixinho vá brincar com ela.

Esse peixinho só existiu porque influenciei na realidade ao meu redor, agindo como protagonista e não como vítima.

Ele estava lá, aguardando por séculos a fio ser "pescado" pelo JG.

Mas, se não fosse o JG, seria outra criança. A vida não pede licença, acontece.

E não tem replay.

Portanto, saia da posição de resmungão, de ficar procurando uma coisa pra ser infeliz e dê valor às que têm.

Desaprenda a ficar buscando coisas para se frustrar, a esperar demais da vida e dos outros. Eles, simplesmente, não te esperarão.

Simples assim.

Bota um perfume. Formate o pendrive.

Encerre os eventos de culpa, mágoas e ira em teu viver. Eventos incapacitantes de teu emocional.
Formate-se e reprograme seu modelo mental para novas possibilidades que ao cegar de emoções ruins você não conseguirá vê-las.

Se faltou água para o banho, ainda tem uma roupa limpa que pode botar por cima.

Prepare-se para o novo, que pode até não ser o que queira, contudo será o que é possível, dado as condições que você tem para agir. 

Carregue menos fardos emocionais produzidos pela forma retilínea, exigente, perfeccionista que encara a vida. 

Viver não é preciso, de precisão, das coisas milimetricamente medidas, ou grama à grama pesadas. A vida não cabe numa tabela de Excel. Sempre nos surpreenderá. Sempre!

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Em tempo: Tudo que tentei dizer-lhe essa jovem o faz com melhor propriedade. Tire uns minutinhos e veja esse vídeo.


https://www.youtube.com/watch?v=4-P4aclFGeg

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