Longe é um lugar que não existe, quando se presta atenção.

Preste atenção na imagem desse outdoor. Ela anuncia um posto de gasolina. Ele está bem longe. Mas, garanto-lhe, se você leu a placa, quando lá na frente passar por esse posto vai se lembrar. Mesmo que já tenha rodado 220 Km. Nosso cérebro é moldado pelas nossas crenças, nossas crenças alteram nossa percepção, a percepção altera a forma pela qual processamos o mundo, o outro e a nós mesmos, e o processamento altera o comportamento e atitude frente à vida, a nós mesmos e aos outros. A isto chamamos de neuroplasticidade. Estamos sempre aprendendo. Podemos reaprender a ver, o bom, o belo e o virtuoso, a ser menos negativos e pessimistas, ou excessivamente críticos, ou a sabotar nosso bem-estar com nossas eternas e sagradas razões. Podemos desaprender hábitos arragaidos de infelicidade. Capacitar-nos para ver essa placa, anunciando um posto de gasolina, é a proposta das aulas virtuais de inteligência positiva. Metaforicamente falando.
O posto de gasolina são as coisas boas que podem nos reabastecer para a vida e o viver e que acontecem à beira da nossa jornada. Aquelas que só podemos ver com a visão expandida de nós mesmos, dos outros e da vida. Aquela que amplia a percepção tirando-nos do foco excessivo dos problemas, aflições e preocupações cotidianas, tal qual viseiras em animais de carga. Precisamos renovar a energia de viver, a esperança, a gratidão, a generosidade, a doação, o otimismo e a força e coragem em se fazer novo e diferente a cada dia.
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"Desde o nosso curso só tem acontecido coisas boas comigo
Ricardim Ricardo, nem era tão difícil neh....
Depende de nosso olhar....
De como vemos tudo ao nosso redor...
Sair de nosso mundinho e olhar mais as pessoas
Ver.....e ouvir....e sentir...
Este é apenas um caso de vários que tem acontecido e me dado o que refletir....
Acho que não volto mais aquele estágio anterior...sinto que ficou pra sempre as mudanças ocorridas
E como estou feliz com isto, comigo mesma....
Aprendi tanto....e isto me elevou a outro nível, que agora consigo isto sozinha."

Ps. Novo curso iniciando-se em outubro.Vem comigo! Manda inbox que explico.

Cartas ao JG - Seja Feliz!


Você acordou bem cedo, adivinha que é sábado e quer curti-lo por inteiro. Na segunda é aquela luta para ti tirar da cama. Mas, nos sábados e domingos você madruga. Seu despertador biológico lhe acorda para aventuras.
E nós, seus pais, ainda insones vamos acordando junto. Aproveitei e te mostrei o sol nascendo.
Você me enche de perguntas, de onde ele veio e coisas e tal: do tipo, quem acende a luz dele.
Pego a mais fácil, e me desvencilho: veio da China. Made in China.
Pronto, me sarfei de mais uma. Tuas perguntas vão ficando cada vez mais difíceis.
Você está serelepe para ir acordar o amiguinho Gustavo e irem juntos ao treino de futebol.
No carro uma algazarra de dá gosto. Você combinando com o Gus os passos, as jogadas. É o segundo treino do Gustavo, você já é veterano por lá.
Assisto um pouco do treino, e caminho pela horta em busca de meu amigo jardineiro o Sr. Valdir. Sempre dedico uns minutos de prosa com ele.
Volto a tempo de fotografá-los nos pênaltis, você e o Gustavo. O time de vocês perde no jogo oficial, de 11 a 8. Perdem de virada. O sábio técnico sempre faz uma disputa de pênaltis. Numa última tentativa do time perdedor se redimir. Não deu certo. Vocês estavam verdadeiros pernas de pau, contudo terminaram a série felizes e exultantes, mesmo perdendo. Sabem que outros sábados virão. Ainda não aprenderam a ficarem tristes por bobagens, a se frustrarem por coisa pouca. Ainda bem. Tomara que não aprendam nunca.
Chegando em casa, o tio Guga nos chama para um banho. Só temos uma hora, sua mãe precisa revisar os conteúdos para a semana de provas. Aproveitamos bem essa uma hora, e você brinca bastante. Seus irmãos estão na piscina também. Uma festa só!
Da próxima, que tal chamarmos o Gustavo e seus irmãos? Seus amiguinhos da casa ao lado.
Você se esforça bastante estudando. Sua mãe com uma paciência de Jó soletra com você famílias de palavras da série do V, S, X e Z.
Perto das 16hrs termina tudo. Ela sai para as unhas e você me chama para brincar.
Me dá uns bonecos do tipo transformers e agora somos só imaginação. Lutamos um monte. Depois vamos brincar de pula corda.
À noite, descansamos na calçada da casa, esperando a mamãe, e olhando pra lua. Você aprendeu a admirá-la também.
Até que uma formiga me pica, eu saio correndo e você sorrindo atrás.
Mangando de mim.
Aproveito e te dou um jantar daqueles. Uma colherada eu dou, a outra você finge que come. Te conheço. Menino difícil para comer meu Pai!
Sua mãe chega e começa a segunda série de estudos.Você aguenta uma hora. Levamos bronca, eu e você, por termos brincado muito e você está com sono, sem pique para os estudos. Sua mãe nos bota para irmos dormir.
Te coloco na cama e te enlaço junto a mim. Ficamos ali, cúmplices, por uns instantes, até que você dorme.
Saboreio cada momento como se dele fosse me esquecer tempos depois. Escrevo para me lembrar. Esqueço mesmo.
Ter memória curta me ajudou, louvo a ela. Agora, por saber que posso esquecer, vivo momentos como esses com um deleite invejável. Antes eu os deixava passar, achava que teria novamente eles, ou que as preocupações é quem deveria tomar a agenda de minhas emoções, completamente, e nunca relaxava.
Engraçado, foi o melhor teste de estresse que tive na última sexta feira. Sempre nos periódicos de saúde eu recebia o texto no nível de quase exaustão de estresse.
Nesse tirei um notão.
Será, filho meu, que teu pai está aprendendo a relaxar e aproveitar as boas coisas da vida? Na hora em que elas acontecem, sem antecipar desgraças, ou trazer a valor presente as aflições do dia de amanhã?
Agora, quando brinco de bonecos transformers esqueço de tudo. Quando eu brinco, eu brinco.
Você sabia, filho meu, que 40% de nossa sensação de felicidade dependem exclusivamente de como percebemos e processamos a nós mesmos, aos outros e à realidade?
Quando for grande compre os livros da Sonja Lyubomirsky, ela ensinará melhor do que teu pai.
Sabe JG, perdi muito momentos como os que vivemos ontem.
Eu melava os momentos com todo tipo de poeira emocional que entrava como um cisco no olho de meu coração e encobria minha visão.
Ansioso demais, exigente demais, perfeccionista demais. Nem mal acontecia uma coisa boa, eu já ficava ansioso pensando nas próximas etapas, não desligava e curtia o presente, o agora.
E, ele ia passando.
Sempre adiado, achando que no futuro viveria aquilo novamente. Sei!!
Ontem, perto das 16h45min fomos às escondidas dá um último mergulho na piscina da casa de tio Guga. Uma operação e alto risco, tua mãe acabara de sair para as unhas e mercado. Mas quando chegasse se descobrisse ficaria brava. Afinal, você adiou o sono e como estudaria á noite.
Piscina, chama sono. E sons, adia estudos.
Mas fomos. Chegando lá, todos teus irmãos estavam na água. E teu tio, bem zen, idem.
Zen de cerva. Rsrs
Foi um momento tão belo, de união familiar e integração. Nem sempre comum. Quando voltamos ainda pegamos o pôr do sol.
Tá certo, você dormiu mesmo, mas hoje pela manhã, nesse amanhã de domingo, já recuperou-se e superou a noite sem estudos.
Aquela tardinha de piscina não voltará. Pense sempre nisso quando ler essa carta: a vida é breve demais para ser pequena.
Seja grato, ao tio Guga pela piscina e convite. Aos teus irmãos, noras e genro pro tantas brincadeiras e tempo dedicado a você, a tua mãe por pacientemente te ensinar a cuidar de ti, aos teus amigos: Gus e Rafa , ao teu professor de futebol, ao teu cachorro Balu, ao tu pai e brinquedos de pular corda, de sucata e de um tudo. Três lições de um sábado mágico:
1. Seja Grato
Aprenda a olhar as coisas boas da vida. Um nascer e pôr do sol, uma lua, uma formiga defendendo-se da bufança de teu pai sobre ela, teu pai arfando pulando corda.
Admire as pessoas. Goste delas.
Agora, enquanto escrevo, tomo um licor presenteado por uma senhorinha especial. Licor de jabuticaba. Sinto cada aroma e sabor. Antes eu engolia de um gole. Agora sorvo lentamente.
Curto cada nota de sabor. Assim sendo, vou cultivando em mim encontros de paz e felicidade.
Breves encontros, instantes mágicos que vou colecionando ao longo do dia.
Agora conto e registro minhas dádivas, tudo de bom que vejo ou tomo parte ao longo do dia.
Agora procuro devolver pra vida o que ela gratuitamente me dá todos os dias.
Agora, enquanto te escrevo sinto que posso colocar minhas tristezas, quebras de expectativas, frustrações e problemas de todos os tipos num quarto de meu coração.
Deixá-los por lá um pouco, enquanto abro a varanda para a vida que por ela vale a pena viver. Não que eu não tenha de abrir o quarto, ou esteja fugindo dele, mas o problema é você deixar que o cheiro podre da ansiedade e estresse invada todas compartimentos e recônditos de teu coração. Aí tu perderá a paz, e a capacidade de observar o que ainda está legal em teu viver.
2. Perceba o Bom, Belo e virtuoso em todo lugar e situação.
Aprenda a contabilizar as sobras, e não as perdas. Aprenda a perceber o bom, belo e virtuoso. Abra sua mente. Seu boneco com um braço quebrado foi o suficiente para te elevar em imaginação. Um simples pula, proporcionou-lhe mais momentos de satisfação do que se tivesse guiando um carro de luxo, acredite.
Não se contente em ser infeliz. Ser feliz é decisão. Aprenda isso. Decisão racional. Que aprenderá ao reprogramar seu cérebro para ir além dos limites, perdas, restrições.
Pare de procurar razões para ser infeliz, para justificar sua tristeza. Pare de procurar receber afagos da vida bancando a vítima. Não faça isso.
A vida passará e você acordará melhor, num belo dia, e verá que enquanto estava de péssimo humor, perdeu de vê-la em várias cenas.
Ninguém será responsável por tua felicidade. Ninguém. Não a terceirize.
3. Cultive Emoções Positivas
Engaje-se com a vida. Viva causas, projetos e sonhos. Entregue-se ao que te faz esquecer do tempo, ao tempo do ágape, o melhor tempo.
Mas, para isto, deixe de ruminar infelicidades, mágoas e melecas emocionais de todos os tipos.
Deixe de ruminar infelicidades. Repreenda emoções ruins: mágoa, inveja, ódio.
Alimente emoções boas: esperança, paz, satisfação, amor, perdão, aceitação e generosidade.
Somos em comportamentos o que habita em nossas crenças. Mude as crenças sobre si mesmo, os outros e a vida.
Alimente esperanças frágeis, nine sonhos assustados, proteja prazeres vadios.
Cuide-se para não embrutecer, não entristecer de vez, ficando um adulto chato, rabugento e cheio de razões.
Carregue uma mala pequena na vida. Menos tralhas e tranqueiras emocionais.
Abri um álbum sobre esse sábado. Quando sentir saudades de seu pai, veja as fotos que deram vida a este texto.
Seja feliz, o que não significa ter dinheiro, filhos, mulher, saúde ou um bom emprego. Um dia aprenderá o porquê!

Escoras

A construção de nossa vida exige boas escoras: a fé, os amigos, alguns bons motivos, um pouco de sonho, um senso de ator, um pote de especiarias, em forma de conservas emocionais, o debulhar de gratidão a tudo, o doar-se sem pudor, o contar as bênçãos e muita coragem de a cada dia refazer-se por inteiro, sem perder-se do que realmente fará a diferença, naquele entardecer sozinho, naquela cadeira de rodas, ou num leito qualquer, quando passarinhos esvoaçantes revolverem ninhos interiores. E, pensamentos dele saírem numa rede WiFi apenas de nós mesmos - despidos de tudo que não vale a pena levar para a jornada definitiva. Veremos então, o quanto bestas nós fomos. Comportando-nos como definitivos, querendo guardar o que dilui, acumular o que nos foge e prender o que nos revela. Escoras, preciosas escoras, tão esquecidas, na luz que encanta, disfarça, afasta e ilude-nos em imortais. By Ricardim

Emancipe o olhar!

Cave mais um pouco em busca de seu melhor. By Ricardim
A manhã acordou nebulosa, no horizonte fragmentos de queimadas turvavam a vista, confundindo o horizonte com formação de nuvens das chuvas serôdias, aquelas que chamamos: “do caju”. Mas, não eram nuvens de Deus, eram as dos homens, fruto das queimadas no Cerrado.
Acordei na ponta dos pés, era sábado e a esposa e o JG dormiam na cama de casal, eu numa rede preguiçosa armada ao lado.
Fui na cozinha e preparei um delicioso cappuccino, aquele aroma ia desturvando meus pensamentos.
Uma revoada falante de Quero-quero acordou o dia, agora definitivamente, com sua melodia desengonçadamente estridente.
Deixei o JG e o seu amiguinho Gustavo no futebol e saí em busca de me recompor apreciando as belezuras da vida.
É que durante a semana perdi muita energia tipo esperança, ao acessar alguns portais de notícias, ali vi coisas que me deixaram indignado: jovens comentando sobre uma morte que provocaram, dizendo que a briga tinha sido “tri-legal”. Um marido descrevendo como matou a esposa e a enterrou no banheiro, como quem relatava um passeio dominical...
Aquela falta de culpa, arrependimento e qualquer tipo de compaixão me deixou com nó nas tripas, durante a semana. Então, meu estoque de poesia estava baixo. Precisamos de possibilidades para alterar o curso dos pensamentos negativos, uma delas é nos levar para ver a poesia das coisas.
Emancipando o olhar para o que ainda sobra, o que ainda se tem e daquilo poderá fazer ainda o bom, o belo e o virtuoso.
Então, saí à caça das possibilidades de encantamentos.
A primeira parada foi numa calçada de grama, repleta de florezinhas violetas, como uma colcha de fuxico. Bela, bela. Respirei e agradeci ao bom Deus aquela pérola coletada.
Perto da terceira ponte, aqui em Brasília, alterei a rota. No lugar de ir fotografar as cagaitas, que agora começam a desafiar o pó do cerrado e soltarem suas minúsculas flores brancas, entre brotos de folhas carmins, fui caçar paineiras rosas, em fim de safra.
Ah meus amigos, se vocês nunca viram um campo coberto com as painas brancas, de textura e forma similar ao algodão, não sabem o que estão perdendo.
As plumas vão sendo lançadas de seus frutos, uma espécie de amêndoa grande, que ao abrirem-se as lançam no horizonte, junto com minúsculas sementes.
Embaixo das paineiras, numa determinada época do ano, forma-se um tapete branco, de indescritível beleza.
Eu precisava daquele tapete. E queria fotografá-lo para vocês.
As de Cagaita, perto da Universidade dos Correios, que está em muda e vestindo seu vestido de noiva, deixaria para depois. A Cagaita é a cerejeira do Cerrado, já fiz loucuras por elas.
Demorei séculos e movi montanhas para ter uma na minha calçada, aliás tenho também uma paineira-rosa, bem rejeitada por síndicos, moradores e jardineiros, só porque nos seus primeiros 15 anos ela tem espinhos nos troncos. Se fossem nos rejeitar pelos espinhos que já tivemos ao longo de nosso amadurecimento estávamos todos condenados à solidão.
Sabem nada!
Desviei em busca de meu recanto secreto de paineiras-rosa. Fica ali no final do Lago Sul (Brasília-DF), uns 3 KM do acesso ao aeroporto.
Entrei na rota e fui vendo que a maioria delas já tinha perdido as folhas e os frutos, estavam agora desnudas, prontas para mais um ciclo da vida e do viver.
Chegara tarde. Será?
Quando já pensava em voltar, afinal precisaria pegar o JG em 30 min, visualizei ao longe um tapete branco.
Elas eram frondosas, e restavam muitas painas branquinhas. Foi uma alegria só.
Reestabeleceu-se o nível de esperança na hora. Apalpei aquele tecido sedoso, fofinho, e elevei meu coração às coisas do alto.
Apressadamente, voltei ao carro pois estava longe do futebol. Algo me dizia para voltar por um atalho, que só usei umas 2 vezes, em 15 anos.
Trata-se de voltar pelas chácaras do lago, lá por cima, e encontrar com a principal bem na frente, em direção ao Jardim Botânico.
Voltando por ali, vou vendo aproximar de mim um imenso tapete branco, ainda virgem, sem transeuntes pisando em cima, e aparentando terem sido lançados por uma paineira grávida de bênçãos.
Brequei fortemente, procureio lugar para estacionar, não havia, deixe o carro parada na minha mão mesmo.
Era uma estradinha com pouco movimento, quem viesse desviaria para o outro lado, a causa era nobre.
O silêncio era magistral. Ali, eu, pássaros, beija-flores, abelhas e as plumas formávamos um elo com a eternidade.
Ainda vi os frutos se abrindo, alguns maduros caídos sobre o chão, e deles saindo em voos inseguros algumas jovens plumas. O seu interior era como um berço cheios de tecidos alvos e macios que protegiam as sementes.
Tive vontade de me deitar naquele chão, e como diz o poeta, ouvir estrelas.
Amanhã farei. Preciso deitar num tapete de painas, num travesseiro de plumas que me aconcheguem. Ah! se vou, vocês saberão.
No caminho para pegar o JG, uma linda Cagaita me desafia. Desafia a disputa de cronos versus kairós. Olho para o relógio, estou a 12 minutos do fim do treino e há 8 km do local.
Esqueço a razão e paro para fotografá-la.
Elas desafiam a seca, o pó de barro, fumaça e poluição dessa época do ano no Cerrado e abrem-se em flores angelicais, de uma beleza estonteante.
Volto à realidade e ainda chego a tempo de pegar os pênaltis. JG leva um gol, e faz outro, e volta para casa feliz com o 1 a 1.
Chegando em casa, o pedreiro me diz que a tubulação para a fossa nova deu problema.
Precisará cavar mais para que o nível seja o ideal a o escoamento dos dejetos humanos.
A água não está escorrendo com a velocidade adequada, está muito nivelado. Precisa de um ângulo de desnível maior, para que não entupa o canal.
Então, com aquela fala do pedreiro, fechou o dia de tanta escuta que a vida me proporcionou e que com vocês compartilho.
O que passei a manhã inteira fazendo foi escavando em meu ser para que a água turva, fedida, poluída – escorra para um lugar adequado e não entupa meu canal do amor e esperança.
Amadurecer como pessoa é cavar um pouco mais, todos os dias, em busca do autoconhecimento e da felicidade.
Precisamos de profundidade interior para constantemente reciclarmos nossa esperança. E darmos vazão as coisas podres que vão se acumulando em nosso coração, para que elas sejam processadas numa fossa-existencial ecológica chamada tempo.
Se nosso nível for muito raso, faltará o declive emocional que nos possibilita sonhar e aguentar os trancos da existência.
Águas paradas e sem vida vão se acumular em nossos dutos emocionais.
Precisamos de tempo de infinitos, de belezuras, de mansidão, generosidades e esperanças bobas para drenar a dureza da realidade, para processar ódios encardidos, mágoas envelhecidas e todo tipo de emoção negativa que grude em nosso ser.
Precisamos da paz de uma relva macia para deitar-nos e olha o céu azul que se descortina, ouvindo-lhe dizer-nos: ei, não é tempo de desistir, caminhe mais um pouco ainda!
Precisamos de um travesseiro de plumas de paineira branca para descansar a jornada, para alimentar sentimentos bons, para aquecer corações em cinzas.
E, ao levantar-nos dessa relva, desse tapete de luz, nos sentirmos novamente corajosos para enfrentar os moinhos de ventos na saga do vir-a-ser.
Amanhã completarei minha terapia deitando-me sobre aquela relva. Quanto aos frutos caídos, trouxe dois deles pra casa.
Quando cansado, deitarei meus pensamentos sobre aquele berço de Deus e ali ninarei meu ser conectando-me novamente à paz, mansidão, bondade, doação, perdão e amor.

Confesso que Morri, ops, Corri.


As nuvens dissipavam-se lentamente naquela manhã de despedida de agosto.
Atrás dos morros o sol começava a nascer. Do banheiro, eu contemplava mais uma vez aquela cena idílica. Comecei a tirar o pijama, na verdade meu calção, balofo como o dono, e senti uma fisgada na coxa. Algo anormal estava acontecendo. Os músculos estavam revoltados, o menor movimento era difícil. Estava todo entrevado.
Descer a roupa foi até fácil, ruim mesmo foi me ensaboar e colocar o terno.
Doía tudo.
No dia anterior, participara de uma corrida de rua, organizada pela Diretoria de Tecnologia do BB, da sua V Miniolimpíada.
No domingo, “corri” uns cinco quilômetros. E cheguei em casa sem dor alguma. Tava bacana. Foi só o músculo dormir, para amanhecer de mau humor na segunda.
Para quem foi atleta de natação na juventude, agora eu me incluo no grupo dos sedentários inveterados.
Daqueles que os filhos o presenteiam com um par de tênis de corrida, pois o pai só tinha alparcatas, mocassins, sandálias e alguns sapatos no armário.
Nada de tênis.
Pois bem, o domingo era de desafio.
Mas estava tranquilo, afinal o que seria correr 4.200 metros? Nem cinco quilômetros eram.
Via na televisão pessoas correndo mais de 42.000 metros e chegando inteiras. Até posando para fotos.
Mole, mole.
Botei duas bananas na bolsa de couro, recomendação do filho mais velho, e segui confiante.
Peguei meu chapéu de coco, aquele do Ceará, e protegi o telhado.
No caminho, parei para deitar um pouco num gramado, embaixo de plumas de uma paineira que se entregava toda, branquinho, branquinho .
Não estava com pressa.
Mesmo assim, cheguei uma hora antes, no primeiro minuto da abertura do credenciamento.
Gosto de horários e sempre me antecipo a eles com medo de me atrasar.
Chegando ao local vi umas mocinhas numa mesa, pensei, deve ser o tal do credenciamento.
Peguei a CNH e paguei o primeiro mico, não precisava entregar documento.
Ela procurou meu nome na listagem e me deu um envelope pardo.
Para ela eu deveria ser um "profissa", daqueles C de ferro que chegam cedo para irem se concentrando.
E agora, eu faria o que?
Usei a estratégia mais antiga de aprendizagem. Fiquei olhando os outros. Vi que eles tiravam a papeleta com o número, o meu 481, e a fixavam com uns alfinetes de pressão.
Levei um tempo até pegar o jeito e afixar os quatro grampos. Sou esquerdo e esquerdos sofrem com tudo que precise de destreza manual.
Pronto, agora estava identificado. Senti-me o cara. Aos poucos o local ficou cheio de gente bonita, sarada e tudo com ginga de atleta.
Lembrei-me do que meu filho falou: "coma a banana meia hora antes.”.
E me senti superior por aquela banana. Tinha muitas trazidas pela organização, mas estavam fechadas num gradil, eu pensei, deve ser pra o final a prova. O pessoal olhava aquelas bananas e maçãs, isoladas por uma grade, e babava. E eu estava de boa. Despertando salivas em todos.
Eu abri a minha, descascando-a lentamente. Era um troféu, um segredo vital para o sucesso da corrida. Meu tônico secreto. Comi-a bem devagarinho, fazendo inveja.
Ganhei deles no item banana prévia. Planejamento é tudo. rsrs
Perto da largada, fui comer a outra e percebi que eu tinha batido com a bolsa no chão e a banana amassara toda. Na bolsa, salvei o celular e a carteira, todos melecados com resto de banana espremida. Deve ter sido praga dos concorrentes esfomeados que secaram minha primeira banana.
Ainda salvei um terço dela, e o resto fui limpar no banheiro. Eca. Só comigo.
Começou o aquecimento. Fiquei tirando foto, aquilo era para os fracos, pensei. Ouvi um atleta comentando que o chip do outro estava no lugar errado.
Que chip?
Eita gota serena! Cadê meu chip? Como iria marcar meu tempo. Achei que ficavam anotando os números da plaqueta. E para que plaqueta se tem chip?
Tantas perguntas de um novato.
Disseram-me que no envelope tinha um chip. Pensei comigo, onde coloquei o envelope? Ah!, na bolsa melecada, corre Ricardim e busca o troço, lá onde deixamos os pertences pessoas, numa espécie de guarda-volumes.
Corri no lugar que deixei a bolsa, sim pessoal, desisti de correr com a bolsa e a câmera. Que era o objetivo inicial. Mas ouvi uns conselhos prévios e achei melhor relevar, o sol tava muito quente. E quando se andar com cem gramas, depois de um légua, vira um quilo, já tinha lido sobre isso.
Achei meu chip no meu envelope e pedi ajuda a uns amigos que me ensinaram a colocá-lo. Tudo era novo pra mim.
Aproveitei uns minutinho antes da largada e fiz um monte de fotos de um casal que corria com seus gêmeos, carregando uma cadeira de bebê - daquelas que têm duas rodas atrás e uma na frente. Achei uma gracinha e fiz várias fotos deles. Procurei um gordinho para disputar com ele, mas não achei, será que eu era o único?
Do alto dos céus, um Drone que documentava tudo, trazido pelos Balizas, insistia em filmar meu chapéu de couro: Filma "eu", Arnaldo!
Pensei comigo, melhor que filme antes.
E foi dado a largada. Cavalos alados passaram voando ao meu lado. Parecia um estouro de boiada. Mantive a pose e segui numa marcha moderada. Meu filho disse que eu sentiria o corpo querendo parar pelos 2 km, e que era só uma mentira físico-emocional.
Que eu deveria continuar a correr que logo passaria, seria dissipada como fumaça.
Segui então aguardando os sinais mentirosos da fadiga.
Com os bofes pra fora, passou uma moçoila e comentou: tá mal hein, Ricardim!
Pensei, ela sabe nada, é só a fadiga mentirosa. Logo passará.
Mas é chato ser conhecido numa hora dessa. Todos passam tirando onda. rsrs
Continuei a sentir uns troços ruins. Devia ser a tal fadiga emocional de que o filho falara.
Precisava resistir.
Chegando na primeira curva de retorno, para acessar a pela pista que vinha em sentido contrário, vi de longe a placa que marcava a quilometragem.
Forcei a vista, passei a mão no rosto, não acreditei no que lia.
Seria alucinação?
Tirei a remela dos olhos e estava ali: 1 KM. Pensei, vocês estão de sacanagem comigo, só pode ser pegadinha. Ou será que faltam apenas 1 KM?
Não é possível que com todo esse esforço, com os bofes pra fora que estou, eu só tenha corrido 1 KM.
Então, a confusão foi dissipando e saquei que era uma cruel verdade. Afinal, se a corrida era de 4.2KM, não teria sentido só faltarem 1km, afinal a portaria da AABB estava ,estava logo ali atrás.
Fiz a rotatória seguindo com a vista o pelotão que disparava na minha frente.
Aí pude ver que outros vinham andando atrás de mim:
Mães e pães com seus lindos bebês tomando sol, outros nos carrinhos, outros de bicicleta de rodinhas e uns bebuns alegres.
Eles traziam um carrinho de picolé cheio de cervejas. Aqueles é que são os profissionais.
Eu estava a pouco metros desse pelotão de trás.
Então, resolvi andar um pouco. Meu filho disse que era bom, chama-se de corrida intercalada.
Coisa de profissional. Corre, anda, corre e anda.
Bem, se eu continuasse o ritmo ganharia ao menos dos carrinhos de bebês.
Vou arfando, agora vejo a marca de 2 KM.
Eis que passa por mim a mãe dos gêmeos – aqueles das fotos da concentração, empurrando toda garbosa a cadeira dupla com seus bebês..
Aquilo era uma miragem, seria alucinação?
Estava perdendo para aqueles três?
Tomei todo o fôlego do mundo e disparei até alcançá-los, ainda fiz onda passando ao lado: “bora, bora, bora.”
Avancei uns 100 metros, ganhando a dianteira, e parei novamente para caminhar. Na calçada, aquela providenciais fadas com água mineral. Peguei uma e tomei banho com a outra.
Que ducha divina!
Acho que estava tendo um treco. Muito cansado. Agora me recuperava com a água.
Nem bem tirei a água do cabelo, enxugando o rosto, e adivinha quem passa à minha frente?
O berço alado. E voavam mais baixo ainda. Ouvi mal, ou os nenês falaram: corre mamãe, passamos o tio "buchudo”.?
Acho que eu estava alucinando devia ser a tal fadiga físico-emocional que não passava.
Ou foi telepatia? Aquele moleques estavam muito sorridentes pra mim.
Pensei, preciso de objetivos. Vou recuperar a dianteira.
Não poderia perder para aqueles gêmeos, ainda mais com um drone que insistia em nos sobrevoar fazendo tomadas aéreas. Acho que ele acompanha a nossa disputa.
Disparo uns 200 metros e passo novamente, agora era manter o ritmo. Uma placa de 1 KM aparece.
Nunca agradeci tanto a Deus por aquela placa. Agora sim, faltavam 1.000 metros.
O que era um peido pra quem já estava cagado? 1.000 metros, seriam moleza.
Olhei lá para trás: a cadeira era uma miragem bem longe.
Então aqueles 1.000 metros não passavam. Uma eternidade.
Arfando, resolvi caminhar um poste e correr dois.
Eu e minhas marcações.
Logo em seguida, inverti, corria um poste e caminhava dois. Parei e vi o berço alado vindo em disparada, uns 200 metros atrás.
Uma mãe, do pelotão das mães, bebês, crianças e assemelhados, passa por mim correndo com seu filho, que aparentava uns 10 anos.
O moleque olha para mim com júbilo, todo orgulhoso. Pronto, fui a coisa boa daquele moleque. Ele passou o tio buchudo.
Bastante zureta, fui trotando lentamente.
Corri mais uns 50 metros, até que umas mocinhas passaram por mim e disseram: “Vamos lá Ricardim!”
Olhei de solslaio procurando o carrinho de picolé-cerveja, era tudo de que precisava agora.
Ele não estava lá,.
Deveria ter parado num sombra qualquer ou cortado o caminho.
“Ricardim, vai desistir agora é? Bora, bora, bora” Mais uns disseram-me.
Aquilo foi uma provocação. Lembrei de meu bora, bora, bora para as crianças do berço alado.
E continuei. Aproveitei a rampa de descida da AABB e soltei o último gás. Precisava chegar bonito, bacana, sarado. Imagem é tudo! Rsrs
As pernas batiam na bunda de tão rápidas. No embalo da descida, não tem fraco!
Vendo a linha de chegada senti que conseguiria ganhar do berço. Cruzei a marca, peguei uma banana, uma maçã, um copo de água e sentei na primeira grama que achei.
Olho para a linha de chegada e meus oponentes passam, não deu nem 30 segundos de minha chegada.
Logo depois vai chegando o pelotão de mães e pais e suas crias. O carrinho de picolé deve ter sido abduzido em algum lugar.
Fui nos gêmeos e declarei que eles tinham ganhado a corrida!
Foram os primeiros bebês que chegaram. Medalha de ouro para eles e seus pais.
Não disse que eu estava disputando com eles. rsrs
Aquilo era segredo.
Fiquei por ali, desacorçoado, sem saber o que o povo fazia depois que corria. Vi uns alongando-se, ou seria relaxando? Vi outros manuseando uns troços eletrônicos.
Vi uns comentando suas marcações ao celular e postando suas marcas, como heróis. Todos exultantes.
Não havia perdedores.
Eles corriam contra seus tempos anteriores. Essa era a brincadeira. Entendi agora.
Mas, qual era mesmo meu tempo anterior?
Não tinha, até então.
Agora terei. Vou pedir à organização o meu tempo nos 4.2KM?
Agora ele será uma marca, um alvo, que precisarei diminuir.
Não fiquei para a entrega das medalhas e encerramento. A fadiga físico-emocional agora pedia repouso. O coração estava galopante. Caminhei lentamente e sozinho ao carro. Pensei comigo, essa corrida foi um sinal de alerta. Não posso continuar sedentário. Nem sempre terei esse carrinho de bebê da vida me levando.
Hoje à noite vou desafiar esses músculos rebeldes e doloridos, desafiar o sofá, e voltar a praticar exercícios.
Valeu V Miniolimpíadas Ditec, vocês me fizeram um bem danado, e conseguiram alcançar o que anos de recomendações médicas não lograram êxito: a real necessidade de exercitar-me.
Afinal, corpo são, mente sã. Mente sã, corpo são. Foi muito bom ter participado. Foi muito bom ver que a vitória é uma meta para nós mesmos, não contra o outro.
Agora vou ali tomar um dorflex. E, à noite terá treino, não é hora ainda de pendurar o tênis da vida. E é preciso se cuidar para que ela seja de qualidade.
PS. Ao chegar em casa caminhei uns 600 metros e corri outros 200. Começando...

Cartas ao JG - Quem não tem cachoeira, caça com rio.


Querido JG, hoje 7/9/2015 acordamos decididos a fazer do feriado um dia diferente, havia um frisson no ar: um frisson de acampamento, de farofadas ou de piquenique.
Na noite anterior, três boas opções haviam sido derrotadas pelo calor: A feira do morango de Brazlândia; a ExpoMinas e o desfile de Sete de Setembro.
Todas vencidas pela temperatura insuportável, baixíssima umidade e uma bolha seca que fez morada por estas bandas, nesses últimos 90 dias.
Arrumamos os sanduíches, água, muita água, frutas e partimos em busca de seu irmão mais velho, o Tiago e sua lady a Carol, que nos deram a honra de nos acompanhar na aventura.
Que aventura?
Escuto tu me perguntar. Vamos para uma cachoeira.
Se tem uma palavra encantadora, na natureza, é cachoeira. Perto delas somos tão pequenos, perto delas tocamos o eterno que habita em nós.
Peguei um atalho para casa de teu irmão, por dentro da UNB, e vejo uma imensa Cagaita toda florida , coberta com seu véu branco do cerrado.
Paramos o carro para uma sessão de fotos. Você sorria com tudo, estava muito alegre.
Tu gosta de aventura e no caminho ia brincando de adivinhação com tua mãe.
- Mãe, o que é que anda no céu?
- “Avião.”
- Não mãe.
- “Pássaro.”
- Não mãe, pássaro e avião não têm pernas.
- “Ah! Não sei, pergunta ao teu pai.”
-[eu] “Nuvem.”
- Ah! Pai, fala sério.
- “Então diz que já estamos ficando zuretas”
- Deus seus bobos. Deus anda no céu. Ele tem pernas.
Cri cri cri
Olhei para ele e sorri, é verdade. E também anda nas flores, nos pássaros, na seca, no ar, na água, no capim sedento, e no coração de todos nós que se deixa encontrar por Ele.
Pontualmente, às 9h30min, estaciono no prédio do Tiago. Tenho fixação com horários.
Tiago e Carol chegam, e agora com você formam a turma do banco de trás. Uma alegria só. Você logo sequestra o celular da Carol e fica jogando futebol, e segue comentando com a turma do fundão cada jogada que vai vendo.
Eita Itiquira que não chega...
Em Formosa-GO, perco-me umas duas vezes. Todos sorriem, escuto ao fundo: “papai nunca pergunta”.
Logo depois, acerto o passo e agora estou na estrada certa, a que liga Formosa-GO ao Salto de Itiquira. Vamos alegres e observando a bela paisagem. São ipês amarelos, são pradarias em sopés de serras, um platô ali, um vale acolá. Uma região muito bonita. Pena que uma nevoa seca cobria tudo.
No carro, o ar condicionado vai no máximo, até que numa curva: uau... um ipê violeta escuro, daqueles raros e estonteantes.
No caminho, vejo um a família se refrescando num riacho, daqueles que cruzam a estrada e passamos por cima deles em pequenas pontes.
Deu inveja.
Boto nas FMs das redondezas e vamos ouvindo o que rola nas cidades. Gosto de fazer isso quando ponho o carro na estrada.
Cristina dorme ao lado.
Vamos chegando perto do acesso à cachoeira, e aquela serra enorme vai se descortinando, é dela que desce a cachoeira, nem acredito quando de longe já a vemos.
Uma emoção.
Vamos chegando perto da entrada do parque e uma fila imensa se forma, pelo tamanho dela creio que tem uns 50 carros à nossa frente.
Desligo os motores, aquilo não andava. O carro da frente comenta em voz alta, lotação esgotada, o parque não permite mais a entrada de nenhum carro.
Não havia onde largar o carro e caminhar uns 2 km até o portão, além de não sabermos se estavam permitindo pedestres.
Então, tomamos a decisão dolorosa de voltar.
Morremos na praia.
No carro, o clima era de frustração e silêncio, ao menos você que fazia gols no jogo do celular da Carol.
Tiago propôs que parássemos num restaurante com piscinas que tem próximo da entrada do parque Salto de Itiquira. Não me animei. Era muito artificial para o que nós tínhamos ido buscar.
Não. Aquele não era um dia de piscinas.
Então, Cristina disse: “ tem nada não, vamos procurar um rio na volta”. Lembrei que avistara um, durante o trajeto. Oba. Eu saberia chegar nele novamente, era só voltar.
Uma fagulha de esperança tomou conta de todos.
Você parou na hora o celular e perguntou, “tomar banho de rio?”
Aí lembrei a todos que houvera passado eles e que escolheríamos um deles pra farofar.
Pronto, a alegria voltou a reinar, a alegria da aventura.
No caminho ainda fizemos a foto do ipê violeta escuro, afinal agora tínhamos todo o tempo do mundo.
Paramos no segundo rio com o qual cruzamos, sobre a ponte.
Era um pequeno riacho que cruzava a estrada e que da sua margem direita tinha uma prainha. Até um carro parado no local estava.
Tememos um pouco, afinal íamos passar um cercado. E se as pessoas fossem más?
Vimos crianças e senhoras brincando de água. Como podem ser más, pessoas que brincam na água?
Entramos, cumprimentamos aquela família, e fomos procurar um canto embaixo de sombras para o piquenique.
A fome apertava e cada um de nós se atracou com um sanduíche como se fosse um daqueles do Guará, chamados de Bombas, de tão gostosos que são.
Depois fui explorar o riacho. A água dava pra gelar uma cerveja. Mas, quem disse que iria até ali e não mergulharia. Fui o primeiro.
Ah! Que delícia. Logo veio você JG.
Estimulado pela possibilidade de saltar do pé de goiaba nos meus braços. Você adora saltar. Salta tudo.
Parece o homem-aranha.
E saltou. Que frio que nada. Era um tal de saltar, e voltar para saltar novamente que fazia gosto.
Depois, mostrei-lhe um cipó e dele você fez arte, corda, aventura.
Todos nos divertíamos. Tiago e Carol relutaram em entrar, era muito frio, mas envergonhados de termos conseguido eles entraram, e depois gostaram muito. Tua mamãe entrou só até a calcinha do biquíni.
Vez por outra eu olhava no horizonte, temendo o dono das terras aparecer com uma espingarda ou um cachorro bravo.
Mas, o lugar era paradisíaco. Vimos vários restos de churrasco, de fogueira. Os nativos frequentavam aquele sossego. O povo sabe onde se esconde as coisas boas.
Na volta, paramos para comer num restaurante estiloso, e depois pensamos que estava muito melhor no rio. Antes tivéssemos levado uma carninha para ficar mais tempo por ali, assando uma costelinha e largateando no sol, ou com redes embaixo das fartas sombras, inteiramente vazias de Sapiens, que achamos.
A única coisa que valeu no restaurante foi aquela foto do ninho “saco” que tu tanto se embeveceu com ele. Me perguntava como podia um ninho ali, balançando naquela espécie de saco de capim, eu te falava: coisas de Deus.
Voltando pra casa, passamos pela prosaica Formosa com a certeza de que ali seria um bom lugar para um final, daqueles com com gostinho de interior.
Agora seriam mais 130 KM e estaríamos em casa. Chegando perto de Planaltina, testemunhamos animados as primeiras chuvas. Elas tocavam nosso carro e nossas almas. Nos renovamos com elas. Todos ficamos encantados. Reduzo um pouco a velocidade, afinal pista molhada, após muito tempo seco, é perigosa.
Você vai negociando com o Tiago e a Carol ficar na casa deles, ou eles irem para a sua. Tiago e você adoram jogos de computador, ou videogames. Química perfeita.
Faz gosto ouvir os papos de vocês três, no banco de trás.
Agora, perto da 20 hrs, você ainda dá cambalhotas na sala. Quanta energia!
Fui lá fora e vi dois raios e um trovão, o outro era tímido. Lá pras bandas de Sobradinho chove, meu filho Rodrigo falou e eu vejo de longe.
Sento na cadeira de pneu, que tem uma história, e agradeço minha família e o dia. Tudo em mim é gratidão.
Volto para sala, e tome cambalhota e saltos mortais com as almofadas.
Tua mãe enlouquece. Eu só digo, casa depois arruma. Felicidade não!
Sou chamado na cozinha por tua mãe. Tem uma barata.
Esforço-me para derrotá-la, mas ela voa. Daquelas pequenas de asa.
Tua mãe pergunta se matei. Digo-lhe que ela agora é uma foragida. Tua mãe, decepcionada, sai às pressas da cozinha. Rsrs
Esse passeio poderia ter sido super diferente se estivéssemos desistido à primeira portaria fechada, aquela de acesso à cachoeira.
No lugar disso, juntamos para nossa vida um monte de conservas emocionais, e das boas.
Juntamos experiências.
Eu dando “flecheiro” no rio e pedindo pra Tiago registrar. Você brincando de Tarzan, ou de Mogli o menino da selva.
E a intimidade de uma família, à sombra de velhas árvores do cerrado, e à margem de um manancial de águas revigorantes, que escorrem gratuitas das montanhas, tal qual a Graça.
Aprenda com este dia. Na tua vida haverá momentos que se frustrará. Que não alcançará um alvo. Não desista. Reprocesse sua experiência, com um olhar positivo, e contabilize as sobras.
Muito de nossa felicidade vem de como processamos as coisas que acontecem conosco.
Muitas das vezes, será a partir da perda e luto que encontrará a coragem para ampliar a percepção de si mesmo, dos outros e da vida e amadurecer para melhor.
Não desista de ser feliz só porque o parque estava fechado para você.
Há felicidade na volta.
Se o objetivo era se refrescar, além ver a bela cachoeira, pelo menos um deles ainda dá para fazer.
Encontre seu “Corguinho” interior para ser feliz novamente, sempre que algo não sair exatamente como esperava.
Há muitas coisas boas na periferia de sua vida, tire o foco momentaneamente do que está dando errado. Aprenda a olhar para os lados. Para aquele rio que passava embaixo da estrada e que se você viesse dirigindo emburrado, e reclamando de não ter podido entrar, não teria visto, ou aproveitado.
Aproveite as sobras. Esqueça a contabilidade das perdas.
Pense assim: o que ainda poderei fazer para não perder o dia?
O que ainda dá para aproveitar.
Penso que logo chegarão as chuvas. Aquele filete de rio ficará imenso. Aquele cipó será destruído - ele e sua frágil árvore que desbarranca. Aquele salto do pé de goiaba ficará insano de fazer, com o volume de água e correnteza que descerão daquela montanha.
Hoje era o dia para ser feliz. Todos os dias em teu viver poderá fazer o exercício de enxergar três coisas boas, belas ou virtuosas.
Estão em todo lugar: um cipó que dele fez balanço; um galho que dele fez trampolim, uma água mansa; um amigo... uma partida de futebol no celular.
Creia e veja o bom, belo e virtuoso. Mas, tem que crer.
Esse é o segredo do rio, aquele cujas águas vivas nunca secarão em teu viver: registre tuas bênçãos, seja grato e ajude.
Não há replay no jogo da vida, diferente do que joga no celular.
Aquela paz de um remanso demorará a acontecer novamente, e, só aconteceu, porque você se permitiu continuar.
A esperança não tem razões. Apenas acredita que o melhor ainda estará por vir e que isso também passa.
Muitos, daqueles mais de 50 carros e uma outra fila com a qual cruzamos, indo na mesma direção, voltaram da portaria sem um banhozinho sequer.
Passaram pelos mesmos três riachos que cruzam aquela estrada, de Formosa à Itiquira.
E não pararam. Estavam preocupados demais. Chateados demais. Resmuguentos demais para se abrirem a outras possibilidades. Não queriam rever seus sonhos, projetos e quereres. Só queriam a cachoeira e pronto. Fecharam-se às outras possibilidades.
Não se urbanize a ponto de ficar besta. De desaprender o valor das coisas simples. De só saber se divertir em piscinas ou áreas protegidas de tudo, até da amorosidade.
Para farofar tem que ter sabedoria. Aprenda a farofar, levando um mala pequena pra ser feliz. Uns sanduíches, um suco, e um monte saltos de uma goiabeira na melhor de todas as águas que já mergulhou, no dia de hoje.
Amanhã virão outras, e as de ontem ficaram na história.
Faça novas todas as coisas. Não tema portas fechadas. Não tema retornar. Não fique procurando razões para ser infeliz e chorando o fato de ter dado errado sua ida à Cachoeira. Não fique remoendo, procurando culpados, terceirizando responsabilidades: “se eu tivesse saído mais cedo...”. Ou no papel de vítima e suas postagens de autoflagelação, com curtidas que a reforçam.
Não banque a vítima. A vida é breve demais para ser vivida de forma pequena. Faça sua cachoeira, mesmo que num pequeno riacho.
Procure a felicidade na simplicidade, ali existe um tesouro que traça ou ladrão não rouba, e que resiste às mais fortes intempéries emocionais que enfrentará.
Voltaremos naquele riacho outra vez. Quanto à não ter visto a cachoeira, um dia a veremos. Afinal, o longe é um lugar que não existe. Só acredite.

Acorde, veja as tainhas entrando na baía de teu coração. By Ricardim

Hoje eu queria contar para vocês uma história tão bonita que eu conheci! Eu tenho um amigo que é de Santa Catarina, mais precisamente da capital Floripa (Florianópolis). E ele contou que a safra, eles chamam safra, da tainha, está quase no final. Geralmente vai de maio até o final de agosto, nunca entra em setembro. É a época em que a tainha chega muito próximo da costa, ela migra para desovar. E lá eles têm equipes de pescadores que formam verdadeiros times.
Então tem o barco, o cara que entra na baía, na laguna, e com a vela ele vai soltando-a, tem a equipe de terra que vai soltando a rede, a equipe da rede que vai puxando (a rede) para fazer uma espécie de meia lua...

Mas o sucesso dessa pesca artesanal, que já virou um cartão postal ali das praias de Santa Catarina, mais propriamente das praias próximas de Florianópolis, o sucesso dessa pesca é de um personagem chamado olheiro. Antigamente eram chamados de vigias; hoje eles gostam de ser chamados de olheiros.

O papel do olheiro é ficar no alto de um morro, geralmente aqueles morros que tem um cruzeiro, tem uma cruzinha lá, no alto de um cruzeiro, eles ficam olhando a baía. Eles acordam muito cedo, eles passam o dia no local, levam café, bolo, pastel, no almoço, eles passam o dia, da hora que o sol nasce à hora que o sol se põe. E eles ficam com um rádio comunicador, se comunicando com o cara que está lá no barco, com a equipe de terra. Ele sozinho lá, como um general estrategista da pesca, ele fica olhando aquele horizonte do mar, conectado por rádio, ou por celular, com a equipe de terra e ao sinal dele, todos jogam as redes ao mar.

Os barquinhos saem, soltando a rede, e a equipe de terra vai puxando a outra ponta formando uma meia lua, e puxam, de arrasto, as tainhas.
Quando a pesca é ruim eles conseguem quinhentas tainhas no arrasto.
Quando a pesca é boa, cinco mil tainhas no arrasto. E todo mundo que participa da puxada da rede ganha nem que seja uma tainha, para levar para casa. Ninguém fica sem tainha. É uma coisa linda, uma experiência cultural belíssima, e eu fui pesquisar mais um pouquinho a figura desse olheiro.
Geralmente são pescadores já sexagenários, septuagenários, muito experientes, mas a maior experiência deles, gente, é no olhar. Eles têm uma vista treinada para observar a sutileza das coisas.

Então eles são capazes, de numa distância enorme, sem uso de binóculo, perceberem uma mancha na água, uma variação. E nesta mancha na água eles sabem que ali está vindo um cardume de tainhas, pela alteração da tonalidade da água.
Em outras vezes, a mancha não é escura, é uma mancha prateada, quase amarelada. São tainhas também. Em outras vezes eles percebem pequenas ondulações vindo em direção à praia. Mais uma vez, são tainhas entrando no cardume. Então, de tanto olhar, eles treinaram o olhar. De tanto olhar, eles treinaram o perceber. E este é o maior apelo da psicologia positiva. É o exercitar diariamente do perceber. Treinar o olhar.

Treinar o olhar para a abundância e não para a restrição. Treinar o olhar para a possibilidade, e não para a dificuldade. Treinar o olhar para as sobras da contabilidade da vida, e não as faltas.
Então, assim como esse pescador experiente, que sobe em cima de um morro para observar o horizonte, aquele lençol d’água enorme à sua frente, nós somos convidados todos os dias para transcender a nossa existência.
Subir também num morro emocional e nos olharmos numa outra perspectiva, numa outra prumada. E nesse olhar, esse olhar meigo, doce, carinhoso para conosco mesmo, nos vermos na nossa completude, na nossa belezura e boniteza de viver. Perceber, entrando no rio da nossa vida, as tainhas, e as tainhas são a metáfora da alimentação, da bondade, da esperança, do otimismo, das coisas pelas quais vale a pena viver. E vale a dica: eles passam horas treinando o olhar. E elas não aparecem todo dia, mas eles esperam por ela todos os dias. O futuro é um salto que a gente dá no saltado que aí está. O futuro é um salto que a gente dá no saltado que aí está!
Eles não veem tainha todos os dias. De trinta dias no mês, eles veem cinco dias, então não é todo dia que o mar está para peixe, está para tainha. Mas todos os dias eles estão capacitando o olhar para vê-las. Todos os dias, eles, seis horas da manhã, já estão no ponto de observação, atentos à menor variação possível, na tonalidade ou na forma como as ondas se formam na lagoa.

Percebem a beleza? Percebem que lição de vida... não desistem! Não é porque hoje o dia foi mais difícil que amanhã tem que ser mais difícil. Eles não desistem!
Eles estão sempre a postos, observando, o que pode ser, o que pode vir a ser, a abundância de um dia feliz de pesca. Observando a vida que pode vir entrando por aquela baía, e se ele não falar, se ele não der o sinal no rádio, vai passar e todos vão voltar com fome para casa, sem a tainha.
Quantas das vezes cabe a nós influenciar o nosso meio, e observar o que ninguém está observando, o que ninguém mais vê? E que a gente consegue ver com os óculos da esperança, com os óculos do otimismo, da inteligência positiva?
E a gente é chamado a anunciar esse visto, a profetizar esse visto, a declarar sobre todas as coisas e todas as pessoas de que o bom, o belo e o virtuoso, existe. A gente apenas não está vendo, mas neste olhar treinado, que a gente tá capacitando-o todos os dias, a gente é convidado, a quando descobrirmos, anunciar para o outro. Declarar para o outro.
Saborear o momento, mas não ficar só conosco, chamar a atenção para o momento, para o outro, para que esta dádiva desta “tainha” que entra baía adentro, possa ser comungada, compartilhada por todos, uma grande corrente do bem.
Então não perca nunca a chance de chamar atenção das pessoas para o que está acontecendo ao redor delas e que é bom, é belo e é virtuoso.
Pode ser a coisa mais prosaica, pode ser alguém que levou para o seu setor um bolo que ele fez em casa, ou ela fez em casa, pode ser! Uma nota que alguém tira numa prova, a visita de um amigo, o que seja. O que está entrando na baía do seu coração, as “tainhas” boas, belas e virtuosas que estão entrando, as olhe de cima do morro da sua vida, transcenda, e as olhe com esperança, com um olhar de lua cheia, com um olhar amoroso e diga, “QUE BOM! QUE BOM! QUE ABUNDÂNCIA!”
Olha como é bom receber uma visita, olha como é bom poder cozinhar para alguém, olha como é bom poder se emocionar com um filme, com a leitura de um livro, olha como é bom ter o número do telefone para discar e alguém amado do outro lado para dizer “alô, tudo bom?”.
Olha como existem tantas tainhas entrando, prontas para alimentarem corações cansados, aflitos, corações que estão a ponto de desanimar, e que precisam do seu grito lá de cima do morro, do morro da cruz que é onde eles ficam, por ser muito alto, lá de cima do morro da cruz você grita “gente, está entrando tainha! Joguem as redes, lancem as redes ao mar, não é hora ainda de voltar para casa, nós vamos saciar nossa fome!”
Talvez seja você este convite. Talvez você que tenha sido tocado pela filosofia da inteligência positiva, da psicologia positiva, talvez esteja sendo convidado neste dia, nesta noite, a anunciar na sua página pessoal, na sua rede de amigos, que existe coisa boa, que existe gente boa, que o mundo não é só de restrição, de dificuldade, de perda.

O mundo também pode ser um local de abundância, de inovação, de superação, de corrente que se junta em círculos virtuosos de vida, de gente caridosa que ainda existe, de gente do bem que ainda existe, gente mansa, generosa, grata, que ainda existe. Anuncie essas pessoas! Deixa essas pessoas entrarem nas águas do seu coração, e quando elas ali penetrarem, tal qual as tainhas, anuncie em alta voz que vem chegando vida, que vem chegando esperança, amor, paz, justiça, ética, mansidão, coragem, ternura, afeto, carinho, afago...

Suba no morro da cruz nessa noite, nesse dia, olha lá para a tua vida, naquela baía, naquelas águas, usando a metáfora da pesca, e perceba entrando por ela, as coisas que lhe fazem melhor, as coisas para as quais viver vale a pena, as coisas as quais você é mais convencedor por elas, e que talvez você tenha perdido a capacidade de vê-las, como qualquer pescador que ouse assumir aquele posto daquele olheiro que talvez passe dias ali e não consiga ver, porque ele não treinou o olhar dele. Você está treinando o seu olhar para ver. Você está treinando o seu olhar para ver o que, no lugar, ninguém está vendo, e você está vendo. E você está vendo!

Hoje eu vi fotos de minha diretoria participando de uma miniolimpíada, várias fotos de vários esportes.

De baleada à sinuca, à dominó, à xadrez, à natação. Mas eu vi mais do que o esporte, eu vi pessoas se juntando e se integrando, eu vi pessoas se abraçando porque venceram a competição, eu vi pessoas no final da competição se confraternizando, eu vi pernas de pau jogando futebol só para mostrar que estavam lá se unindo ao grupo... é muito mais que o esporte. Então, vejam o não visto, ouçam o inaudível, toquem o inalcançável, porque assim como esse olheiro desafia as leis da matemática, da lógica racional, com um simples olho, por uma simples mancha na água, que pode ser uma nuvem, pode ser sargaço, algas marinhas, pode ser uma variação de luminosidade oriunda do próprio sol... mas não!

Ele sabe a hora que é tainha, e ele grita “é tainha que está entrando”, e se a gente não correr, a gente perde a tainha.
Assim é com a nossa vida. A tainha entra, se manifesta, traz alegria, fartura, abundância, saciedade, e aí a gente fica pensando que amanhã vai ter tainha de novo. Portanto, para que eu vou me animar com a tainha de hoje? Gente, amanhã pode não ter, por isso saboreie, saboreie a tainha, saboreie o momento, aprenda a catar tainha durante o dia. É tão bom! Quantas vezes durante o dia do meu trabalho eu subo no morro dessa cruz e olho, o mar do meu coração, e fico olhando onde é que está a variação de cor, a variação para cima, de esperança, de júbilo, de entusiasmo, e eu digo “é ali, aquela tainha, aquela tainha vai me fazer caminhar mais uma légua, contar mais uma bênção”.

E está em todo lugar, gente. Capacita o olhar, treina o olhar, exercita o olhar, e eu volto a dizer: vai ter dia sem tainha nenhuma, vai! Vai ter dias de fome, de restrição, vai, vai sim! Mas não são só esses dias que fazem uma vida, eles são também a vida. Mas o problema é que a gente passou a aprender que a restrição, o medo, o limite, é o que move a vida, e não é. O que move a vida é a esperança. O que move a vida é a resiliência, é continuar acreditando num lugar em que todos desistiram de acreditar.

Então, mãos à obra! Finalizando, eu estou lendo um livro que é “Pare de reclamar e preste atenção às coisas boas”, e esse livro propõe uma atividade onde você bote uma pulseira toda vez que você for reclamar de algo, troca a pulseira de lugar no braço até que você consiga passar vinte e um dias sem reclamar de algo.

E lá no finalzinho, no último capítulo, o autor do livro conta a história das uvas, um ditado latino, agora eu estou sem o livro em mãos para poder ler para vocês, mas é um ditado latino que fala que uma uva quando amadurece, a próxima vê, e a acompanha também. No ditado latino: “Uva uvam videndo varia fit”, quando uma uva muda de cor a outra acompanha.

E aí, estudando esse ditado latino, descobri que isso é por conta de uma enzima. Quando aquela uva está mudando de cor, está maturando, ela está desenvolvendo internamente uma enzima, a enzima do amadurecimento, e aquela enzima, pelo ar, vai passando, de cada uma vai passando, vai passando e vai multiplicando aquele fenômeno do amadurecimento. De uma vai passando para a outra, o que em latim se diz “a cor”.

Eu convido cada um da gente a “mudar de cor” = amadurecer.

A transmitir, pelo exemplo, o bom, o belo e o virtuoso ao outro.

A irradiar comportamentos de esperança, paz, justiça e ética. A olhar para o outro e dizer “você pode, tente mais um pouco, você consegue, tenha calma, eu também já passei por isso, respire mais um dia, aguente mais um bocadinho!”. Aí vai passando para outra uva. O bem se transmite também! As pessoas dizem que a gente só aprende o mal, o bem se transmite também. Você transmite pelo exemplo o bem, de como você lida com as adversidades, as situações.

Eu imagino o quanto de crianças ansiosas, infelizes a gente está educando, está criando. Porque, na frente delas, a gente só reclama, na frente delas a gente só mostra ou traz dificuldades, na frente delas quando a gente fala do trabalho é sempre como o pior lugar do mundo, é sempre como uma tortura. Na frente delas a gente fala mal de todo mundo, nutre inveja, mágoa, então o que essas crianças estão aprendendo conosco?

Aprendendo esse modelo mental, estão aprendendo que a alegria é fugidia, que a alegria é um sopro, que a esperança é uma utopia dos bobos, e que o mundo é bravo, é ruim, e só vencem os fortes.

Elas aprendem isso. E vão ficar crianças ambiciosas, ansiosas, que vão conquistar muitos bens materiais, mas não vão conquistar a paz no coração, a felicidade de um domingo qualquer num lugar qualquer, tomando uma água qualquer e sentir que ali está em paz, está pleno como ser humano.

Então, lá do alto do morro da cruz onde eu olho na baía entrando a tainha, e que eu anuncio as coisas boas, belas e virtuosas, e digo “corram, está ali! Corram, está vindo ali, joguem as redes, não é hora ainda de desanimar” eu também estou educando todo mundo que convive do meu lado.

E vocês não tem ideia gente, do quanto tem gente querendo desistir, do nosso lado, e que dá aquela carinha, dá aquele sorriso amarelo, que só vem até cento e vinte graus, e às vezes a gente pode ser esse olheiro que olha para essa pessoa e diga “olha, na tua vida tem tainhas, tu não percebeu ainda não?”.

“Não Ricardim, cadê as tainhas da minha vida? Minha vida só tem problema”.

- Calma, você é mãe. Você sabe quantas pessoas tentam ser mães e não conseguem ser mães? Você é mãe! Então, não diga que na sua vida só tem problema, diga que existem problemas em sua vida, mas que só tem problema não, não generalize!”.

Nunca generalizar uma situação problema, alastrando-a para toda a vida é ser como o olheiro no alto do morro.

É dizer para as pessoas que às vezes nem elas mais percebem, como seres de bênção, de oportunidades, porque a dor delas é a maior, a perda delas é a maior, a preocupação é a maior, e tudo vai sendo colocado numa escala fora de perspectiva.

E às vezes precisa de um olheiro, um sábio pescador, que do alto de um morro, na transcendência diga: “tenha calma, olha as tainhas lá na tua vida! Joga as redes! Não desanima não, eu sei que tem áreas que não estão legais, mas não são todas elas! Para muitas ainda existem coisas boas que você pode aproveitar enquanto encontra forças para encarar as nem tanto (boas). Tenha calma! Tenha calma! Não se perca de você mesmo!”.

Há um monte de coisas que todos os dias entram na baía do nosso coração e nós não percebemos.

Porque no modo preocupação e ansiedade, teclado, que eu chamo “modo murchar”, a gente olha para aquela baía e não vê variação nenhuma de cor. E na nossa vista, a indiferença cegou tudo. Os olhos opacos da indiferença não nos capacitam mais a ver as diferenças, as diferentes texturas na água, as diferentes volumetrias com o nado das tainhas, entendendo pela metáfora que eu venho falando.

Este é o apelo: transcenda. Não perca a capacidade de transcender, não perca a capacidade de olhar para as situações em perspectiva. E quando você olha em perspectiva, você as coloca dentro da prumada, dentro daquilo que realmente elas podem produzir de negativo para você, e você pode lidar com a situação.

Não se perca, tem muita tainha entrando todos os dias na nossa vida, e a gente sem lançar as redes para aproveitar delas, sem aproveitar esta gratidão de viver, sem aproveitar essa abundância do ar que respiramos todos os dias, do sol que nos banha todos os dias, das flores que quer a gente esteja mal humorado, de TPM, com saco cheio elas estão abertas todos os dias se oferecendo para a gente.

Há muita tainha entrando no rio da nossa vida. O problema está nos nossos olhos.

O problema está nos nossos olhos! E os nossos olhos precisam de colírios para nossa vida, para a gente tirar o embaçado deles, para que a gente possa, de novo, nos assombrar, de novo, nos abraçar e dizer “tu é arretado, que coisa bacana, olha quanta coisa bacana está acontecendo, olha para isso, olha para aquilo, tu és mais que vencedor!”.

Por que se combate, oh minha alma, por que se abate, oh minha alma, por que se prostras no canto de uma estrada, chorando sozinha nesta noite, neste dia, oh minha alma?

Olha as tainhas em teu viver, olha quantas coisas tu tens, que são bênçãos, são dádivas, e anuncia essas coisas, para que os outros também possam vê-las em suas vidas.

Para que a sua felicidade não fique só sua. Porque o olheiro de tainhas que não conseguisse gritar para o barco seria o mais infeliz do mundo, seria o mais frustrado do mundo. A realização dele não está em ver a tainha, está em anunciar que elas existem para que outros possam colher. A nossa satisfação está em anunciar o bom, o belo e o virtuoso, anunciar a esperança, anunciar que por maior que seja a situação limite, ainda sim nós podemos mudar nós mesmos diante dela, pela autonomia e liberdade do ser.

Nós podemos mudar ela mesma, encarando-a de frente, e transformá-la, ou nós podemos nos mudar desta situação.

Neste dia, suba no morro da cruz e veja o monte de tainhas entrando na sua vida. Mas não fique só na visão, use seu celular, rádio amador, bata bumbo, jogue fumaça, faça qualquer coisa, mas anuncie para o outro, para que o outro possa beber da sua graça, da sua dádiva.

Sentido do Trabalho

Seu maior orgulho, a carteira de produtor rural. De uma pequeníssima propriedade de 8 hectares, que comprou com o salário de dez anos de lida como vaqueiro, em fazenda de rico fazendeiro. Fazendeiro que ao morrer, deixou seu filho cuidando de seu ponto de feira. E que, há 6 meses, o presenteou o ex-vaqueiro de seu pai com aquele lugar. Seu pai deve estar orgulhoso. Agora, aquele mísero produtor rural virara um feirante. E aquele feirante é todo dignidade, todo esperança, esperança de quem, tomado pela coragem de perseverar, ver-se subindo devagarinho a escada da vida. Sua paz e tenacidade exalam, dão um conto de Cervantes. Hoje, pediu-me para que eu o retratasse, junto ao seu altazinho de produtos da terra, ao lado dos frutos de seu trabalho: queijo, farinha, tomate, macaxeira, abóboras e bananas. Domingo passado, o flagrei de ao longe atendendo uma cliente idosa, que procurava o dinheiro e não achava. Ela estava querendo levar dois litros de leite. Ele perguntou-lhe quanto ela tinha, e vendeu-lhe o leite pelas moedas que ela achou na bolsa surrada. Deu-lhe um enorme desconto. Hoje, ele me contou que ela voltou para pagar-lhe. Mas que ele não aceitou. Ele disse-me que recebeu muito da vida, e que sempre que pode divide um pouco com os que estão mais necessitados do que ele.

Carta ao JG - Cuidado com os Modelos Mentais para a Sobrevivência.


Sabe meu filho nós gostamos de programas de sobrevivência na selva. Somos aficcionados pelo filme Largados e Pelados (L&P) e por aquele outro filme, o Ilhados, com Bear Grvlls.
Na minha infância eu também gostava de ler sobre aventuras, deliciava-me com os 12 trabalhos de Hércules, de Monteiro Lobato e outras de suas obras.
Nesses últimos dias, assistimos à cenas que merecem um registro. No L & P um casal: Billy Berger e Furneaux ficam por 21 dias tentando sobreviver nos pântanos da Louisiana. Enfrentam cobras, inundações e grandes aligátores.
Algumas situações muito nos chamaram a atenção. Numa delas, eles estão com muita fome e de olho nuns crustáceos que ficam na superfície da água, uma espécie de lagostim, e que não entram nas armadilhas que eles colocam.
Na rotina de frustração que essa observação impotente causa, eles verificam que umas aves são exímias caçadoras de lagostins, alguma delas bem próximo de seus pés.
O casal olha os pássaros caçando e continuam tristes e desesperançosos, e com fome.
Noutra cena a mulher se desespera com o som das rãs e sapos que não a deixam dormir.
Durante a manhã eles entram na água e desesperados tentam caçar, a pauladas, cobras de água chamadas de Bocas de Algodão.
Tanta pererecas ali facinhas e eles aventuram-se procurando caçar as cobras no sentido gastronômico da finalidade. rsrs.
Perguntei-lhe: Mas JG seria tão mais fácil abater as aves, ali pertinho deles, depená-las e comê-las. Você me disse: Mas pai, eles não estão vendo as aves, pois estão querendo é os camarões.
Depois vem um chuvarão. Tudo enche de água. Eles ficam com os pés na água. E tem a idéia de construírem um platô, de um metro por um metro, com lama e resto de folhas e galhos, para em cima dele fazerem uma fogueira. Eles fazem a fogueira, mas continuam com os pés na água e sem lugar para descansarem, já que está tudo cheio de água.
Uns dias se passam, eles esfomeados, com os pés em carne viva pelo longo tempo dentro da água, enfim decidem procurar terras altas.
JG coisas nos chamaram a atenção.
Por que não foram procurar logo um lugar mais alto, após a inundação?
Por que não caçaram as rãs para se alimentarem, ou os pássaros?
Dias depois, vimos o filme Ilhados. Era um grupo de umas 10 pessoas, numa ilha paradisíaca, e que ali foram deixados com reservas para apenas dois dias de água e com pouca comida.
Eles acham uma pequena reserva natural de água, mas está fedida e parada. Imprópria para o consumo, caso não fervida.
E passam um bom tempo tentando fazerem fogo, com a fricção de uma madeira sobre a outra. Outros, vão tomar banho de mar.
E as reservas de caloria vão caindo, e o fogo nada, e a sede aumentando. Um deles, que tenta acionar o fogo usa óculos. Fiquei me perguntando, porque não usou os óculos como lente e fez o fogo da projeção do feixe de sol sob ela e numa palha?
Uns desistem de ajudar o coletivo, entregam-se ao limite da situação e travam, e ficam “bronzeando-se” embaixo de sobra de manguezais. Fiquei nos perguntando: por que não saíram caminhando pela ilha, tentando identificar se não havia algum rio que nela desaguasse, ou outras fontes de águas mais límpidas?
Bem, resumindo, lá pelas tantas eles conseguem finalmente fazer fogo e ferverem a água, purificando-a para o consumo. Mas agora é a fome.
Chama atenção os coqueirais, alguns dos quais eles tiraram folhas para fazerem rústicas tendas. Nem um deles pensou em se alimentar dos cocos, ou o mais lógico ainda, tirar água deles para matarem sua sede. E que água boa seria.
Filho meu, a esse fenômeno que aconteceu em ambos os filmes, que impossibilitou deles verem alternativas chama-se de desamparo aprendido.
O desamparo aprendido foi identificado em 1965, pelo psicólogo Martin Seligman, da Universidade da Pensilvânia. Seligman fez o seguinte: separou os cães em dois grupos. Um dos grupos foi colocado em uma jaula na qual o chão estava conectado a uma corrente elétrica, que disparava de tempos em tempos pequenos choques, incômodos, mas de baixa intensidade. O outro grupo foi colocado em uma jaula idêntica, porém, havia um dispositivo aonde eles conseguiam desligar o sistema que provocava os choques facilmente. Assim, o segundo grupo podia desligar os choques, enquanto o primeiro grupo tinha que se acostumar com o incômodo. Após um período inicial em que os cães ficaram acostumados às suas jaulas, Seligman mudou-os de ambiente, colocando-os em jaulas, com o mesmo sistema de choques, mas com uma barreira muito baixa, que qualquer um dos animais podia pular sem dificuldade. Enquanto o primeiro grupo – que não podia controlar os choques – simplesmente não saiu da jaula, o segundo grupo – que conseguia desligar os choques – agiu naturalmente e pulou a barreira para se livrar do incômodo.
Ou seja, o primeiro grupo aprendeu que não podia fazer nada e se acostumou tanto com aquela situação que, quando foi transportado para outro local, com o mesmo incômodo, e já havia uma solução, a solução não era mais buscada.
Consegue entender meu filho a analogia com os filmes de sobrevivência?
Quando focamos nos problemas, só vemos problemas.
Quando botamos na cabeça que alguém é ruim, não presta, só veremos isso à nossa frente.
Quando ficamos cegos por ódio, vingança, inveja, não haverá espaço em nossos corações para contemplar outras coisas bacanas pelas quais viver. Estaremos envenenados de negatividade.
Quando ficamos excessivamente críticos de tudo, perdemos o foco nas sobras, no que ainda tá legal, no que dá pra fazer, apesar da situação, ficando remoendo a água molhando nossos pés, trazendo a cena do filme, no lugar de partir para terras mais altas.
Alguns de nós, quando estamos sofrendo intensos processos de estresse entramos no modo “Desamparo Aprendido” e não conseguimos reagir, trazendo para a reação o pessimismo diante da situação limite em que nos encontramos:
- Para que olhar para as aves como opção de comida, se o que quero mesmo são os crustáceos?
- Para que procurar outras fontes de água não poluídas, se o que quero mesmo é poder descontaminar essa que achei com o fogo, mesmo correndo um alto risco de não conseguir faze-lo?
O desamparo aprendido nos imobiliza, nos incapacita de ver outras possibilidades presentes também na situação.
Ele modela nossos sistemas de resposta emocional, físico e até social às restrições, limites e medo.
Assim sendo, ele gera um tipo de aprendizado, o do desamparo.
Nele, revive-se, comporta-se nas cenas atuais, com os mesmos comportamentos do passado, sem atualizar a existência, afinal mudaram-se as estações, os atores, o cenário e até o enredo. Mas, o drama continua o mesmo.
Percebe filho meu o perigo? O perigo de limitar nossa existência e não atualizar nossas experiências permitindo-nos novos aprendizados, e até olhares sobre alternativas.
Fica-se refém de um modelo mental doentio: “tenho que comer o camarão”. E perde-se a oportunidade de caçar a ave que á sua frente come o camarão, e dela alimentar-se.
Não é o que nos limita o que nos aprisiona. É o que acreditamos, ou não acreditamos, o que de fato constrói nossas prisões interiores. O que de fato modela nossa plasticidade cerebral.
A boa notícia, filho meu, é que podemos desaprender o desamparo.
Podemos descondicionar nossa existência, ao desenvolver potenciais que nem nós sabíamos que um dia seríamos capazes.
Usando a metáfora dos filmes: podemos sair do alagadiço e procurar lugares mais altos, não nos acostumando com aquilo que nos faz infelizes, e mudar.
Mudar dói, mas é necessário a uma vida com sentido.
Podemos também aprender a olhar para a vida de uma forma mais expandida, enxergando possibilidades nas beiradas de nossa existência.
Quando seu foco é apenas na fome, tudo vira comida. Pense nisso.
Cuidado onde bota o foco. Nossas crenças alteram o processamento da realidade, que por sua vez condicionam comportamentos frente a elas, que por sua vez reforçam as crenças.
Quando são positivos, esses hábitos são ótimos, ajudam-nos a uma vida plena e a poupar energia emocional.
Quando são negativos os resultados desses fluxos causam muito sofrimento, são hábitos apreendidos e aprendidos de desamparo e que causam muita infelicidade.
Então, filho amado, podemos desafiar-nos a andar um pouco mais, à procura de fontes de fontes limpas, movendo-nos com esperança em busca de novos sonhos e objetivos mais nobres.
Não nos acostumando a passar o resto da vida fervendo as águas podres, para consumi-las em nosso viver.

Um Vaso de Alabastro.


Tomei um banho purificador. Durante o banho, lembrava-me do meu último cliente.
Ele não me queria como mulher. Vinha aqui algumas vezes no mês, apenas para deitar a cabeça no meu colo e receber carinhos.
Aí ele falava de seus empreendimentos, negócios, medos e alegrias.
Hoje, falou-me de seu Deus: “Yahweh”.
Ele tinha ido à Sinagoga, antes de vir à minha casa e estava extasiado com um trecho das escrituras que ouviu do rabino: “Esconde a tua face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniquidades. ”
Deitado em meu colo, ele repetia esse trecho, repetia, repetia...
Até que adormeceu.
Perto das três da manhã, ele acordou e foi embora.
Antes de sair, convidou-me para ir ajudar na cozinha, num almoço que dará na sua casa, na próxima terça.
Disse-me que vai receber um andarilho que anda pelas terras da Cananeia, dizendo-se filho de Yahweh, e que explica como ninguém as escrituras.
A água estava morninha. Tinha fervido um balde no fogão de lenha, colocando-o na tina, na qual tomava banho.
Botei também um pouco de água de perfume que guardava num velho vaso de alabastro.
Aquele perfume é a minha maior riqueza. Para comprar o óleo perfumado, e misturá-lo na água do alabastro, preciso trabalhar um mês. É caro.
Mas é o que tenho para me sentir perfumada e melhor como mulher.
Sempre que termino de atender um cliente, tomo um banho para me limpar e coloco em mim essa fragrância. Aí, esqueço de quem sou.
Amanhã preciso ir no mercado, ali na entrada do Templo, comprar fragrâncias dos vendilhões.
Terei que negociar bem, o vaso de alabastro está quase sem água de perfume e o apurado do mês não foi bom.
Penteio meus cabelos vagarosamente, lembrando-me do trecho que meu cliente leu até dormir: “Esconde a tua face dos meus pecados, e apaga todas as minhas iniquidades”.
Será mesmo que alguém poderia fazer isso por mim?
Estou cansada e triste.
Vivo escondida, na clandestinidade. Para muitos, sou só uma ajudante de cozinha: descasco batatas, pico cebolas, corto rutas para saladas. Porém, sou boa mesmo é em retalhar ovelhas, poucos conseguem extrair a picanha delas, como eu, separando as carnes dos ossos e aproveitando até o menor pedaço escondido entre costelas.
Sou boa nisso. Uma faca e um corte de carne são o que tenho de melhor.
Estou com insônia.
Quem teria o poder de apagar meu passado?
Acordo nessa manhã de segunda bem tarde.
Não dormi bem.
Vou à penteadeira e me olho. Não gosto do que vejo.
Estou um bagaço. Olheiras saltando de minha vida sem sentido, cada vez mais profundas.
Não consigo sobreviver só ajudando em almoços, e o que ganho por esse trabalho é pago em comida.
Pelo menos não gasto com comida.
À noite recebo visitas no meu quartinho. No beco em que moro, meu quarto é após a curva. Consegui com o dinheiro que escondi quando meu clã foi morto e expulso da Samaria. Vaguei por terras distantes e áridas por noites e dias.
Quando aqui cheguei, na Galileia, tinha caminhado mais de 80 km, numa região inóspita.
Com o dinheiro que salvei, do ataque dos Assírios ao meu povo, comprei esse quartinho de 12 metros quadrados. Aquela tina de madeira, dentro dele, foi amor à primeira vista. Quando estamos cansados de nós mesmos é bom ter um lugar para tomar um banho prazeroso, é só o que nos resta.
Apresso-me, perto das 15hrs os vendedores chegaram e colocam suas mercadorias na porta daquela grande Sinagoga. E meu perfume acabou.
Debaixo de minha porta, vejo que o generoso cliente de ontem à noite deixou um dinheiro extra. Oba, preciso negociar um novo vaso de alabastro. O meu está rachado.
Havia algo diferente na porta da sinagoga. Vários cochichando entre si. Outros, discutindo em voz alta trechos das escrituras e gritando: ele é um impostor, precisa ser detido.
Aproximei-me do vendedor de forma discreta. Não posso andar no meio dos puros. E, sei que eles se reúnem por aqui, chamam-se de Fariseus.
Meu cliente é um dos Fariseus. Ele é devoto do Torá, o livro sagrado deles, aquele que ele me falou na noite anterior.
Tenho que ser cuidadosa, minha vida dupla, se for descoberta, pode me trair, sendo presa ou apedrejada. Os tempos são de muitas conspirações, são de muita opressão.
E, aqui é o lugar dos Fariseus: os “santos” e “separados”: os escolhidos para cultuarem do o Deus do Torá.
Uma mulher belíssima sobe as escadarias, em direção à porta do Templo. Atrás dela, uns dez serviçais. Deve ser gente importante.
Os Fariseus a cortejam. Os vendedores se agitam, farejam cliente com dinheiro, cercam-na.
O vendedor que me atendia ameaça deixar-me só e ir em direção dela. Apresso-me e negocio um grama de óleo perfumado, e um saquinho de essências, em forma de sementes e folhas amassadas.
Na saída, pergunto quem é aquela mulher. Ele me diz: Joana, a esposa de Cuza, uma espécie de primeiro ministro de Herodes.
Tento olhar para ela, mas ela desvia o olhar de mim. Aliás, todos desviam.
Acho que já sabem que sou pecadora e tenho uma vida dupla.
Vejo ao longe o meu cliente, no meio de uma roda de pessoas agitadas. Temo por ele.
As pessoas apontam-lhe o dedo em riste, bradam imprecações, e ele tenta argumentar com o grupo de fariseus. Inútil, estão irados com ele.
Ele me vê e baixa os olhos. Revelo a ele o seu pecado.
Sinto muito mesmo.
Não quero isso para ele. Ele é uma pessoa boa.
Escuto que os fariseus tramam em expulsá-lo da sinagoga. Será por minha causa?
Um deles grita: oferecer 3 carneiros a um blasfemador que se diz filho de Javé é um acinte à fé.
Não iremos amanhã à sua casa, comer no meio desse malfeitor.
Relaxei.
Não tinha sido descoberta. Eles estavam falando do tal almoço, aquele que fui convidada a ajudar a na cozinha, tratando as carnes e legumes.
“Fique só com ele amanhã. Você é um traidor ao receber esse tipo de gente:
“Poderá de Nazaré vir algo que preste?”
Será que ouvi bem?
Nazaré.
Ah! Nazaré. Quando fugi da perseguição dos Assírios à Samaria, Nazaré foi a primeira cidade na qual tentei refazer minha vida.
Não foi fácil. Viúva, filhos assassinados, estrangeira e sem posses... tudo era tão difícil.
Cidade cara, grande e movimentada. Acabei comprando meu quartinho na vizinha Taricheé.
Temo pelo meu cliente que continua na roda da discussão.
Esse almoço amanhã pode terminar em confusão. Os ânimos estão alterados.
Quem será esse peregrino?
Na volta para Taricheé, cruzei com mercadores em camelos, subindo as montanhas em direção à Jerusalém, no sentido norte-sul. Botei preço num lindo vaso de alabastro.
Consegui comprá-lo com um excelente desconto. Acho que o sol amoleceu o coração desses mercadores.
De tão bonito, vou botá-lo na mesinha de centro. Essas cerâmicas são de muito longe, trazidas por desbravadores em rotas secretas. Junto delas trazem também tecidos bonitos, essências e temperos para todos os gostos.
Mas, não tenho dinheiro para nada disso. Minhas roupas estão um molambo.
Só tenho uma que não é rasgada que uso para atender meus clientes.
Mas, volto feliz para casa. Esse vaso mudou meu dia.
Que lindo.
Chego em casa e esquento água e um pouco de azeite em fogo baixo. Vou acrescendo a ele as sementes e folhas aromáticas que comprei.
Um perfume invade meu quartinho sem janelas.
Sinto a paz. Estou viva ainda, escapei da saga de meu clã e ainda tenho o que comer hoje.
Sinto-me orgulhosa, escolhi as sementes certas. Terei água perfumada para um mês.
O pouquinho de óleo perfumado que comprei, guardo em local seguro. Vale ouro. Deve ser usado para momentos muito especiais.
Dá para umas cinco vezes. É caríssimo esse óleo aromático. No dia a dia, uso a água perfumada que faço com azeite, folhas, sementes e água.
Tudo misturado e fervido, depois deixado por dias descansando até pegar o cheiro.
Ando me sentido muito mal, e sozinha. A única coisa boa das segundas é ver o pôr do sol.
Nas segundas, recebo o publicano, o cobrador de impostos que me extorque. Dizendo que me dá proteção.
Queria outra vida. Ele, além de não me pagar nada ainda é violento.
Apresso-me para recebê-lo. Raspo o pouco de água do alabastro velho e me perfumo. Não é um homem de se gastar fragrâncias com ele.
Só o necessário.
Um frêmito de alegria me invade, amanhã vou ajudar na cozinha, no almoço do andarilho que fala coisas boas. Vou garantir mais uns 15 dias de comida.
Feliz pelo dia de amanhã, amolo minha faca de desossar carneiros. Ganhei de meu finado marido.
O gume dessa faca é capaz de abrir em dois um fio de cabelo.
Guardo-a embaixo do colchão.
Escuto passos no beco, cães ladram, são perto das 23hrs.
O publicano chega, ele está bêbado. Diz coisas sem nexo.
Me usa de todas as maneiras, sinto-me um objeto em suas mãos. Suja, feia e triste, assim me sinto em seus braços.
Pelas duas da manhã, ele levanta, e sem dizer uma palavra, sai de meu quarto batendo a porta.
Não sem antes ameaçar-me novamente, dizendo que a minha proteção está saindo caro para ele.
Entro na minha tina e tomo banho morno. Choro muito. Sinto vindo do vaso o perfume que fabriquei no dia de hoje. Amanhã já estará bom.
Estou precisando me sentir melhor. Saio da tina e reviro o local que escondi o precioso óleo perfumado. Boto um pouco em mim, sabendo que agora só restarão umas quatro outras doses.
Quem seria esse Filho de Javé que teria poder para apagar meu passado?
Durmo pensativa, lendo para meu coração o que ontem aprendi: “e apaga todas as minhas iniquidades”.
A terça começa radiante. Pego minha faca e dou mais uma amolada. Lembro que sempre que recebo o publicano tenho tentações enormes de usar a faca nele, na hora em que dorme.
Desossando-o de todo mal que me faz. Um dia ainda lhe arranco as entranhas e me liberto de seu jugo.
Quem sabe não daria um bom cozido? Daria nada, aquele lá, até os urubus rejeitariam sua carne.
Procuro uma roupa menos surrada para usar, penteio meus longos cabelos.
Olho-me para mim e tudo é despedida. Tudo é saudade.
Choro mansamente, não um choro de dor, de perda, mas um choro de esperança. Sinto-me estranha. Algo está acontecendo comigo.
Na mesinha, miro o o vaso de alabastro que comprei ontem dos mercadores.
Nunca teria dinheiro para comprá-lo à porta do Templo. Ali tudo é mais caro. Foi uma pechincha.
O perfume curou, tal qual um chá, e está com um aroma delicioso.
Agora tenho uns 5 litros de perfume, nesse vaso de alabastro. Como um pedaço de pão e prendo meu cabelo.
Uma sensação de liberdade me invade.
Fazia tempo que não me sentia tão bem. Até de meus filhos não me lembrei, com tanta dor nessa manhã.
Se tem uma pessoa capaz de apagar meus pecados, eu preciso vê-la.
Preciso de uma nova razão para viver. Estou arrastando meu esquife por entre vielas e homens sujos, vivendo uma vida de humilhações e sem dignidade. Virei objeto.
Aquele vaso olha para mim e sinto como se ele dissesse: me leve contigo para ver o Filho do Pai.
Pego o vaso e o óleo perfumado. Levarei comigo. É a melhor coisa que tenho em minha casa, meu tesouro, o que me faz me sentir viva e gente ainda.
Vou levá-los para o almoço. Se essa pessoa que será recebida é mesmo tão especial, a ponto de apagar os pecados, por que então não estarei com minha alma perfumada quando o ver?
Dirijo-me apressada para Nazaré. Perdi muito tempo em reminiscências. Eu e minha mania de ficar a matutar.
Cubro meu rosto para não ser reconhecida, afinal sou a estrangeira, samaritana, viúva e mulher da vida. Sou a de quem todos se afastam.
Chegando na casa de meu cliente, aquele dos domingos, entro pelos fundos, pela cozinha.
Assumo a retirada das carnes de carneiros bem jovens. Desosso-a com perfeição.
Todos admiram meu trabalho. De uma ovelha retiro a picanha e a guardo, será servida em momento especial.
As outras ajudantes, não são muito de conversa, acho que sabem quem sou e de minha relação com o patrão delas.
Uma delas rompe o silêncio e pergunta-me pelo vaso. Digo-lhe que é meu tesouro, e que saio de casa com ele com medo de o roubarem. É nada. Saí com a intenção de tê-lo por perto, para quando minha alma feder, e o convidado sentir, eu possa me aspergir com ele e disfarçar o cheiro.
Quanto ao óleo, está escondido nas entranhas de meus peitos. Bem guardando num pequeno vidro.
Escuto alguém chegar, acompanhado de umas pessoas, todos homens.
Me trepo por sob o muro que divide a cozinha da sala de jantar e olho para ele.
Ao fitá-lo, foi como se eu fitasse o sol. Como se eu fitasse o sorriso de uma mulher que dá à luz. Como se eu fitasse o orgulho de um pai que leva para casa a comida de seus filhos.
Ele não me ver. Estou escondida olhando o grupo pelas frestas do teto.
A mesa está silenciosa. O fariseu calado. Pensativo. Outros idem.
O grupo do convidado não fala. Não se parecem à vontade. Será que temem uma emboscada.
Desço a escada e sinto uma grande vontade de ter com aquele homem. Tenho medo. Não me é permitido entrar na presença dos fariseus, imagine frequentar sua sala de jantar.
Algo se avoluma em meu interior. Escuto choro de séculos reprimidos, escuto minha alma ferida, relembrando-se de quando era criança livre.
Tomo de coragem e aproximo-me silenciosamente da mesa, por trás do convidado, para que ele não me veja, ou que eu seja percebida.
Será eu maluca, o que estou fazendo? Posso ser denunciada, apedrejada pelos poucos Fariseus que vieram ao banquete. Resoluta sigo, silenciosas, passo a passo em direção á grande mesa. Vou com meus perfumes.
Ajoelho-me por trás de sua cadeira e começo a lavar os pés do peregrino, com a água perfumada do vaso de alabastro.
O perfume aquece os corações de todos. As pessoas se levantam, olha para mim. Ele permanece em paz, fitando o horizonte. Choro convulsivamente ao lavar seus pés. Cada lágrima caída, a enxugo com meus próprios cabelos.
Tiro dos seios o vidro de óleo perfumado, tomo coragem e passo na sua cabeça, como se fizesse um cafuné.
Ele não diz nada. Mas sinto que gosta.
Ajoelho-me, por detrás dele e continuo a lavar os pés. Tomo coragem e beijo seu pés umas 1000 vezes.
Em cada gesto de carinho vou me achando, encontrando algo que me faz renascer. Quem será aquele homem que dele emana a paz e misericórdia e faz sentir tão bem ao seu lado, quase renascida. Quem será?
Eis que o peregrino-convidado fala. Dizendo que ouvira os pensamentos de meu cliente, o fariseu Simão, até então mudo e com semblante pesado:
Os pensamentos de Simão são lidos e diziam assim: “Se ele fosse realmente filho de Deus saberia que quem toca seus pés é uma pecadora, impura”.
O peregrino ergue-se e olhando para Simão diz que ao entrar na sua casa não recebeu nenhum gesto de estima, de apreço, um presente, um galanteio, um copo de água, uma palavra mansa. Que entrou na casa de Simão e ele não o acolheu, não fez festa, não se alegrou.
E diz ao Simão que a única pessoa que realmente tinha valorizado a sua presença era aquela mulher que lavava seus pés, o beijava e ungia seu cabelo com óleo perfumado.
Diz ainda, olhando para mim com um olhar de lua cheia, um olhar de eternidades: teus pecados foram limpos.
Não conseguia me levantar de tão emocionada. Sentia que poderia morrer agora, ali nos pés daquele senhor.
Eis que o convidado se levanta da mesa, chama seus discípulos e parte. Sem falar mais nada. Um deles me ergue, chama-se João. E me dá um beijo na fronte.
Atônita, largo tudo. Pego minha faca, o vidro de perfume e o vaso de alabastro e sigo o grupo mais atrás.
Depois desse toque de amor não voltarei mais à minha vida.
Penso comigo, eles devem precisar de uma cozinheira, afinal são 13 pessoas caminhando deserto afora.
Sou boa em desossar carneiros. Deverei seguir o grupo. Boto o vaso de alabastro na cabeça, e sigo a comitiva daquele que me fez renascer. De agora em diante, eles comerão as melhores refeições que já comeram.
Ah! Se comerão...
Sentido que eu o seguia, o Filho do Pai me fita e diz, sem falar uma só palavra: Vem comigo, doravante serás testemunha do quanto meu Pai pode desossar pecados entranhados, em almas tidas como perdidas, reconduzindo-as ao meu reino.
Sempre que alguém achar que sua vida é tão ruim, suja, pecaminosa e carrega culpas, mais pesadas do que a torre do Minarete, lembrará de sua história e do quanto naquelas lágrimas e perfumes tu me adorou e se refez. Hoje, em teu coração aconteceu o Salmo 51, "e a misericórdia do Pai apagou todas tuas iniquidades. ”

Fatalidades

Qual a probabilidade de você,
quando voltar da feira, ser atingido por uma palha,
daquela Palmeira Imperial mais à frente?
A mesma despencando do alto e caindo sobre o capô e vidro do seu carro?
Quase provocando um acidente, por ter tomado completamente a visão,
além do impacto da queda? Pois é, aconteceu conosco.
Recuperados do susto, demos graças a Deus.
Na hora do impacto, chegamos a pensar que teria sido uma pessoa atropelada.
Respondendo à pergunta inicial, não interessa a probabilidade, quando acontece conosco. 
Por mais que nos surpreendamos com o inusitado, 
com o inédito do ocorrido, ou com o nunca acontecido, esse é o drama da fatalidade.
Não é esperado nem alguém apostaria um centavo de que um dia pudesse acontecer, 
quando numa bela manhã, pimba! 
Então, dai graças por tudo... 
viver é sempre uma grande aventura. 
Ninguém tem a mínima ideia do que pode vir a
acontecer no segundo seguinte em que ler esse texto.

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