Orvalhos


Nessa manhã sorvi o aroma de café com prazer.
Cida chegou em casa. Cida é a nossa diarista, chega cedinho, pelas 6 horas.
Sempre que estou fazendo a barba, preparando-me para mais um dia de labuta, sinto aquele aroma invadir o banheiro e alegrar minha vida.
Sempre agradeço.
Sabe aquele cheirinho que nos anima? Pronto, é o do café matutino.
Sei que a Cida chega, pelo aroma do café que sobe da cozinha.
Aí me troco, desço e sorvo uma xícara farta de café, dirigindo-me ao jardim.
Hoje, pela manhã o jardim estava numa algazarra só.
Folhas batendo papo excitadas, flores abrindo-se em multicores e brincando de esconde esconde com abelhas.
É a semana da chegada da primavera. É festa.
Formigas em procissão, carregam seus espólios da guerra, animal x vegetal, travada durante à noite.
Uns beija-flores e pássaros dão vôos rasantes.
O que houve durante a noite?
Qual era a razão daquele furdunço, daquela festança?
Ahh!, Captei.
Orvalhou, anunciando a primavera que vem ali pertinho, dobrando a esquina da vida.
As folhas estavam cobertas de pequenas gotículas de orvalho e o chão úmido.
Até o ar estava mais doce, mais saboroso.
Havia meses que a seca e a baixíssima umidade imperavam, e nem orvalho nas manhãs vindouras, aparecia.
Naquela madrugada algo de novo acontecera.
Orvalhou.
Como gosto do orvalho. Ele é discreto. Sua presença não é anunciada em gotas generosas, sobre as cumeeiras de nossos lares.
Nunca vi alguém falar que viu uma tempestade de orvalho.
Ou que perdeu tudo por uma orvalhada. Orvalhos são generosos, mansos e do bem. Não causam destruição.
O orvalho é como a presença de Deus em nossas vidas.
Acontece nas madrugadas, nos fortalecendo para o amanhã das manhãs em cio.
Quanto mistério em gotinhas que se juntam, nas microscópicas partículas de água, que a menor presença do sol se dissiparão, contudo deixando sua marca de vida nas flores, frutos, sementes e toda forma de vida.
Passo a mão nas folhas da samambaia, elas se contorcem em prazer, sabem que estão tomadas banho.
Aquele poeirão que as cobria foi diluído, na madrugada que passou, gotinha a gotinha que as lavou.
Mas a frente tropeço num broto da Flor de Jade que olha para mim toda encantada como quem me diz, logo logo debutarei, agora renovada por esse tônico de água que tomei.
Aqui no Distrito Federal têm meses do ano que são tão secos que nem os orvalhos dão o ar da graça.
Vi outro dia que têm regiões no planeta, nas quais suas populações nativas produziram artefatos para acumularem a água dos orvalhos, de tão pequena que é a precipitação pluvial naqueles locais.
Literalmente tomam água de nuvens prometidas às chuvas.
Fico muito feliz. Os orvalhos estão chegando novamente, logo virão as chuvas.
E, de orvalho em orvalho, as plantinhas vão resistindo um pouco mais.
Hoje meu ser está orvalhando. Sim amigos (as), podemos conjugar o verbo orvalhar na vida das pessoas.
Quando orvalhamos quem se encontra conosco, sentirá a vida e sairá melhor. Rejuvenesce. Você já viu que na nossa tem gente que na sua presença nos ficamos rejuvenescidos. Chamo-as de pessoas-orvalhantes.
Nunca tinha parado para refletir sobre a importância do orvalho para a manutenção da vida.
Quando jovem cantava tanto a canção de Pe.Zezinho: "O orvalho da manhã criança, me fala de meu Deus..."
Mas, só há pouco tempo fui entendê-la. Coisas da vida.
Florestas inteiras dependem do orvalho para atravessarem períodos de chuvas menos frequentes.
O orvalho é a esperança da natureza, em forma de água.
Hoje, ouvindo a algazarra de minhas plantinhas, tive uma compreensão profunda de seu papel.
Creio que podemos exercitar o orvalhar emocional.
Orvalhamos, emocionalmente falando, quando em meio à secura dos corações somos capazes de soprar uma brisa suave, brisa faceira e cheia de vida, no coração do outro.
Orvalhamos quando fazemos nossa parte para deter o fluxo de ódio e intolerância, de todos os tipos.
Orvalhamos quando somos bons, mansos e misericordiosos.
Orvalhamos quando ajudamos ao próximo.
Orvalhamos quando perdoamos, quando nos arrependemos e mudamos de atitude.
Pessoas-orvalhadas fecundam a existência, catalisam as sementes de potenciais adormecidos, capacitando-as á germinação.
Pessoas-orvalhadas alegram nossa jornada, suportam nossas aridezes, elevam nosso ser à dimensão da esperança.
Pessoas-orvalhadas quando todos ao nosso redor desanimam, dizendo: não dá; não passará, ou, as coisas são assim mesmo; elas dizem: dará; passará, e as coisas mudarão.
Como são belos os orvalhos que deixamos na vida dos outros e no caminhar de nossa existência.
Sorvo mais um pouco do café. Alegro-me com alegrias simples, apalpo o molhado do chão, meu ser vibra e olho ao longe no sentido da prumada do horizonte, conectando-me ao Senhor de todos os orvalhos.
Tem gente que fica ressecada em seu viver, esperando ansiosamente que venham as chuvas.
E perdem de ver as gotas de orvalho que ainda existem em seu viver, pequenas alegrias, pequenos prazeres, pequenas razões pra ser feliz, contudo tão significativas.
Espera-se para ser feliz quando...
Esquecendo-se que de orvalho em orvalho vivencial, materializados em coisas bacanas que estão ali pertinho - só não mais vistas, ou valorizadas, pois foram atacadas pela doença da indiferença, a vida se constitui também.
Pensar que uma noite de orvalho pode alimentar uma floresta, e até pequenos lugarejos, com a esperança de dias melhores, imagine a energia emocional que teremos se pararmos para apreciar e perceber o tantão de orvalhos em nosso viver!
Pequenas gotas de paz, perdão, amor, mansidão, doação, generosidade e gratidão.
Orvalhemos pessoas e a nós mesmos!
Afinal, chegou a primavera.

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