Cartas ao JG - Quem não tem cachoeira, caça com rio.
Querido JG, hoje 7/9/2015 acordamos decididos a fazer do feriado um dia diferente, havia um frisson no ar: um frisson de acampamento, de farofadas ou de piquenique.
Na noite anterior, três boas opções haviam sido derrotadas pelo calor: A feira do morango de Brazlândia; a ExpoMinas e o desfile de Sete de Setembro.
Todas vencidas pela temperatura insuportável, baixíssima umidade e uma bolha seca que fez morada por estas bandas, nesses últimos 90 dias.
Arrumamos os sanduíches, água, muita água, frutas e partimos em busca de seu irmão mais velho, o Tiago e sua lady a Carol, que nos deram a honra de nos acompanhar na aventura.
Que aventura?
Escuto tu me perguntar. Vamos para uma cachoeira.
Se tem uma palavra encantadora, na natureza, é cachoeira. Perto delas somos tão pequenos, perto delas tocamos o eterno que habita em nós.
Peguei um atalho para casa de teu irmão, por dentro da UNB, e vejo uma imensa Cagaita toda florida , coberta com seu véu branco do cerrado.
Paramos o carro para uma sessão de fotos. Você sorria com tudo, estava muito alegre.
Tu gosta de aventura e no caminho ia brincando de adivinhação com tua mãe.
- Mãe, o que é que anda no céu?
- “Avião.”
- Não mãe.
- “Pássaro.”
- Não mãe, pássaro e avião não têm pernas.
- “Ah! Não sei, pergunta ao teu pai.”
-[eu] “Nuvem.”
- Ah! Pai, fala sério.
- “Então diz que já estamos ficando zuretas”
- Deus seus bobos. Deus anda no céu. Ele tem pernas.
Cri cri cri
Olhei para ele e sorri, é verdade. E também anda nas flores, nos pássaros, na seca, no ar, na água, no capim sedento, e no coração de todos nós que se deixa encontrar por Ele.
Pontualmente, às 9h30min, estaciono no prédio do Tiago. Tenho fixação com horários.
Tiago e Carol chegam, e agora com você formam a turma do banco de trás. Uma alegria só. Você logo sequestra o celular da Carol e fica jogando futebol, e segue comentando com a turma do fundão cada jogada que vai vendo.
Eita Itiquira que não chega...
Em Formosa-GO, perco-me umas duas vezes. Todos sorriem, escuto ao fundo: “papai nunca pergunta”.
Logo depois, acerto o passo e agora estou na estrada certa, a que liga Formosa-GO ao Salto de Itiquira. Vamos alegres e observando a bela paisagem. São ipês amarelos, são pradarias em sopés de serras, um platô ali, um vale acolá. Uma região muito bonita. Pena que uma nevoa seca cobria tudo.
No carro, o ar condicionado vai no máximo, até que numa curva: uau... um ipê violeta escuro, daqueles raros e estonteantes.
No caminho, vejo um a família se refrescando num riacho, daqueles que cruzam a estrada e passamos por cima deles em pequenas pontes.
Deu inveja.
Boto nas FMs das redondezas e vamos ouvindo o que rola nas cidades. Gosto de fazer isso quando ponho o carro na estrada.
Cristina dorme ao lado.
Vamos chegando perto do acesso à cachoeira, e aquela serra enorme vai se descortinando, é dela que desce a cachoeira, nem acredito quando de longe já a vemos.
Uma emoção.
Vamos chegando perto da entrada do parque e uma fila imensa se forma, pelo tamanho dela creio que tem uns 50 carros à nossa frente.
Desligo os motores, aquilo não andava. O carro da frente comenta em voz alta, lotação esgotada, o parque não permite mais a entrada de nenhum carro.
Não havia onde largar o carro e caminhar uns 2 km até o portão, além de não sabermos se estavam permitindo pedestres.
Então, tomamos a decisão dolorosa de voltar.
Morremos na praia.
No carro, o clima era de frustração e silêncio, ao menos você que fazia gols no jogo do celular da Carol.
Tiago propôs que parássemos num restaurante com piscinas que tem próximo da entrada do parque Salto de Itiquira. Não me animei. Era muito artificial para o que nós tínhamos ido buscar.
Não. Aquele não era um dia de piscinas.
Então, Cristina disse: “ tem nada não, vamos procurar um rio na volta”. Lembrei que avistara um, durante o trajeto. Oba. Eu saberia chegar nele novamente, era só voltar.
Uma fagulha de esperança tomou conta de todos.
Você parou na hora o celular e perguntou, “tomar banho de rio?”
Aí lembrei a todos que houvera passado eles e que escolheríamos um deles pra farofar.
Pronto, a alegria voltou a reinar, a alegria da aventura.
No caminho ainda fizemos a foto do ipê violeta escuro, afinal agora tínhamos todo o tempo do mundo.
Paramos no segundo rio com o qual cruzamos, sobre a ponte.
Era um pequeno riacho que cruzava a estrada e que da sua margem direita tinha uma prainha. Até um carro parado no local estava.
Tememos um pouco, afinal íamos passar um cercado. E se as pessoas fossem más?
Vimos crianças e senhoras brincando de água. Como podem ser más, pessoas que brincam na água?
Entramos, cumprimentamos aquela família, e fomos procurar um canto embaixo de sombras para o piquenique.
A fome apertava e cada um de nós se atracou com um sanduíche como se fosse um daqueles do Guará, chamados de Bombas, de tão gostosos que são.
Depois fui explorar o riacho. A água dava pra gelar uma cerveja. Mas, quem disse que iria até ali e não mergulharia. Fui o primeiro.
Ah! Que delícia. Logo veio você JG.
Estimulado pela possibilidade de saltar do pé de goiaba nos meus braços. Você adora saltar. Salta tudo.
Parece o homem-aranha.
E saltou. Que frio que nada. Era um tal de saltar, e voltar para saltar novamente que fazia gosto.
Depois, mostrei-lhe um cipó e dele você fez arte, corda, aventura.
Todos nos divertíamos. Tiago e Carol relutaram em entrar, era muito frio, mas envergonhados de termos conseguido eles entraram, e depois gostaram muito. Tua mamãe entrou só até a calcinha do biquíni.
Vez por outra eu olhava no horizonte, temendo o dono das terras aparecer com uma espingarda ou um cachorro bravo.
Mas, o lugar era paradisíaco. Vimos vários restos de churrasco, de fogueira. Os nativos frequentavam aquele sossego. O povo sabe onde se esconde as coisas boas.
Na volta, paramos para comer num restaurante estiloso, e depois pensamos que estava muito melhor no rio. Antes tivéssemos levado uma carninha para ficar mais tempo por ali, assando uma costelinha e largateando no sol, ou com redes embaixo das fartas sombras, inteiramente vazias de Sapiens, que achamos.
A única coisa que valeu no restaurante foi aquela foto do ninho “saco” que tu tanto se embeveceu com ele. Me perguntava como podia um ninho ali, balançando naquela espécie de saco de capim, eu te falava: coisas de Deus.
Voltando pra casa, passamos pela prosaica Formosa com a certeza de que ali seria um bom lugar para um final, daqueles com com gostinho de interior.
Agora seriam mais 130 KM e estaríamos em casa. Chegando perto de Planaltina, testemunhamos animados as primeiras chuvas. Elas tocavam nosso carro e nossas almas. Nos renovamos com elas. Todos ficamos encantados. Reduzo um pouco a velocidade, afinal pista molhada, após muito tempo seco, é perigosa.
Você vai negociando com o Tiago e a Carol ficar na casa deles, ou eles irem para a sua. Tiago e você adoram jogos de computador, ou videogames. Química perfeita.
Faz gosto ouvir os papos de vocês três, no banco de trás.
Agora, perto da 20 hrs, você ainda dá cambalhotas na sala. Quanta energia!
Fui lá fora e vi dois raios e um trovão, o outro era tímido. Lá pras bandas de Sobradinho chove, meu filho Rodrigo falou e eu vejo de longe.
Sento na cadeira de pneu, que tem uma história, e agradeço minha família e o dia. Tudo em mim é gratidão.
Volto para sala, e tome cambalhota e saltos mortais com as almofadas.
Tua mãe enlouquece. Eu só digo, casa depois arruma. Felicidade não!
Sou chamado na cozinha por tua mãe. Tem uma barata.
Esforço-me para derrotá-la, mas ela voa. Daquelas pequenas de asa.
Tua mãe pergunta se matei. Digo-lhe que ela agora é uma foragida. Tua mãe, decepcionada, sai às pressas da cozinha. Rsrs
Esse passeio poderia ter sido super diferente se estivéssemos desistido à primeira portaria fechada, aquela de acesso à cachoeira.
No lugar disso, juntamos para nossa vida um monte de conservas emocionais, e das boas.
Juntamos experiências.
Eu dando “flecheiro” no rio e pedindo pra Tiago registrar. Você brincando de Tarzan, ou de Mogli o menino da selva.
E a intimidade de uma família, à sombra de velhas árvores do cerrado, e à margem de um manancial de águas revigorantes, que escorrem gratuitas das montanhas, tal qual a Graça.
Aprenda com este dia. Na tua vida haverá momentos que se frustrará. Que não alcançará um alvo. Não desista. Reprocesse sua experiência, com um olhar positivo, e contabilize as sobras.
Muito de nossa felicidade vem de como processamos as coisas que acontecem conosco.
Muitas das vezes, será a partir da perda e luto que encontrará a coragem para ampliar a percepção de si mesmo, dos outros e da vida e amadurecer para melhor.
Não desista de ser feliz só porque o parque estava fechado para você.
Há felicidade na volta.
Se o objetivo era se refrescar, além ver a bela cachoeira, pelo menos um deles ainda dá para fazer.
Encontre seu “Corguinho” interior para ser feliz novamente, sempre que algo não sair exatamente como esperava.
Há muitas coisas boas na periferia de sua vida, tire o foco momentaneamente do que está dando errado. Aprenda a olhar para os lados. Para aquele rio que passava embaixo da estrada e que se você viesse dirigindo emburrado, e reclamando de não ter podido entrar, não teria visto, ou aproveitado.
Aproveite as sobras. Esqueça a contabilidade das perdas.
Pense assim: o que ainda poderei fazer para não perder o dia?
O que ainda dá para aproveitar.
Penso que logo chegarão as chuvas. Aquele filete de rio ficará imenso. Aquele cipó será destruído - ele e sua frágil árvore que desbarranca. Aquele salto do pé de goiaba ficará insano de fazer, com o volume de água e correnteza que descerão daquela montanha.
Hoje era o dia para ser feliz. Todos os dias em teu viver poderá fazer o exercício de enxergar três coisas boas, belas ou virtuosas.
Estão em todo lugar: um cipó que dele fez balanço; um galho que dele fez trampolim, uma água mansa; um amigo... uma partida de futebol no celular.
Creia e veja o bom, belo e virtuoso. Mas, tem que crer.
Esse é o segredo do rio, aquele cujas águas vivas nunca secarão em teu viver: registre tuas bênçãos, seja grato e ajude.
Não há replay no jogo da vida, diferente do que joga no celular.
Aquela paz de um remanso demorará a acontecer novamente, e, só aconteceu, porque você se permitiu continuar.
A esperança não tem razões. Apenas acredita que o melhor ainda estará por vir e que isso também passa.
Muitos, daqueles mais de 50 carros e uma outra fila com a qual cruzamos, indo na mesma direção, voltaram da portaria sem um banhozinho sequer.
Passaram pelos mesmos três riachos que cruzam aquela estrada, de Formosa à Itiquira.
E não pararam. Estavam preocupados demais. Chateados demais. Resmuguentos demais para se abrirem a outras possibilidades. Não queriam rever seus sonhos, projetos e quereres. Só queriam a cachoeira e pronto. Fecharam-se às outras possibilidades.
Não se urbanize a ponto de ficar besta. De desaprender o valor das coisas simples. De só saber se divertir em piscinas ou áreas protegidas de tudo, até da amorosidade.
Para farofar tem que ter sabedoria. Aprenda a farofar, levando um mala pequena pra ser feliz. Uns sanduíches, um suco, e um monte saltos de uma goiabeira na melhor de todas as águas que já mergulhou, no dia de hoje.
Amanhã virão outras, e as de ontem ficaram na história.
Faça novas todas as coisas. Não tema portas fechadas. Não tema retornar. Não fique procurando razões para ser infeliz e chorando o fato de ter dado errado sua ida à Cachoeira. Não fique remoendo, procurando culpados, terceirizando responsabilidades: “se eu tivesse saído mais cedo...”. Ou no papel de vítima e suas postagens de autoflagelação, com curtidas que a reforçam.
Não banque a vítima. A vida é breve demais para ser vivida de forma pequena. Faça sua cachoeira, mesmo que num pequeno riacho.
Procure a felicidade na simplicidade, ali existe um tesouro que traça ou ladrão não rouba, e que resiste às mais fortes intempéries emocionais que enfrentará.
Voltaremos naquele riacho outra vez. Quanto à não ter visto a cachoeira, um dia a veremos. Afinal, o longe é um lugar que não existe. Só acredite.
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