Semear no Pó



Não sei com vocês, mas sábado acordei sorrindo. Sempre abro um sorrisão quando chega outubro. Considero o mês mais simpático do ano.
Tem dia das crianças, dos professores, recesso escolar, é aniversário e feriado de Campina Grande-PB, é enforcar e ir pra praia. É festa de Nossa Senhora do Rosário e de Nossa Senhora da Conceição,e correndo por fora de São Francisco.
Quando chega em outubro para mim já é natal. Natal é nascimento, e nasci em outubro.
Aproveitando a energia do dia 1, e o fato de ser um sábado, resolvi plantar sementes adormecidas que colhi, lá no Cemitério de Pirajuí-SP, em setembro, quando fui embarcar a minha sogrona, a Madalena Pinatti.
Quem um dia for à Pìrajuí, deixe de besteira e vá visitar o Cemitério de lá.
O corredor principal é coberto por trepadeiras amarelas, de uma flor exótica, não comum, que vai se enramando por sobre a estrutura de madeira, formando um telhado de folhas e flores, belíssimo, em mais ou menos uns 100 metros de extensão.
Colhi umas sementes e decidi que já era hora de deitá-las ao chão.
Resolvi apostar, plantar no pó, como fazemos no Nordeste, quando a intuição - ao olhar para o horizonte, nos diz que vão chegar as chuvas.
Dois dias depois, na segunda, deu uma chuva das boas. Daquelas que mansamente passa inteiro garoando, chuvinha fraca, mas constante, das que alimenta a terra.
Pensei comigo, as sementes agora estão prontas, ninho alimentado com a bênção da água, agora elas vão debutar no desfile da vida, e apresentarem seu melhor potencial.
Desde então, todos os dias quando chego do trabalho vou dar uma olhada nos canteiros.
Acho que muita coisa em nossa vida é plantar no pó. É acreditar contra toda desesperança.
Tem gente que diz que a vida nunca acontece pra ela, mas não planta no pó. Aí, quando chegam as chuvas, nada de sementes para aproveitarem a oportunidade.
Plantar no pó é acreditar no sonho, é perseguir um ideal, é focar num objetivo.
Mas, não só isso. Isso todo mundo faz. Isso é só intenção.
Precisa saltar no escuro, no vazio do infinito, e apostar em si mesmo, lançando-se á terra, mesmo que árida.
Quando dava aulas numa modesta Faculdade, há uns 40 km de casa, que pagava pouco e atrasado, estava plantando no pó.
Quando chegassem as chuvas, de outras oportunidades, eu já teria ganho experiência em sala de aula, e já podia comprovar docência de ensino superior, num meio dificílimo de entrar.
Por dois anos ali ensinei, pagando pra trabalhar, e um dia um dos professores falou de meu nome a um outro, de outro Centro, e a chuva chegou.
Vivemos hoje uma ambição tão grande, que não temos mais paciência para plantar no pó.
Tudo tem que ser pra já, pra ontem, e - de preferência, sem esforço e disciplina.
Não meus queridos e queridas, não se chega a lugar algum sem aprender a plantar as sementes do vir-a-ser, no pó de uma terra árida.
Sem essa aposta em si mesmo, sem buscar suas melhoras, sem abrir-se a novas oportunidades, que só serão aproveitadas caso esteja para elas capacitado.
Quantas vezes deitei minha semente da esperança de dias melhores em terreno tão sequioso. Que dele não vinha nenhum sinal de que seria possível.
Algumas sementes acabei perdendo, na vida não se ganha muita das coisas em que apostamos. Mas, se não apostar em todas as chances que aparecer, como emplacar pelo menos uma?
Outro dia conversava com o Danilo, motorista da Companhia de Energia da Copel, perguntei-lhe se os outros motoristas também tinham feito o concurso para Aux. Comercial, ele falou que não.
Que eles não se interessaram.
E assim é a vida. Eu vibro quando converso com vigilantes e eles me dizem que vão fazer o curso de Brigadista. Para um vigilante, chegar a Brigadista é como ver nascer os brotos de minha semente.
Mas, como chegar a brigadista sem se preparar? Sem fazer o curso, a prova e se certificar?
Será que apenas no desejo ele chegará? Desejos são como minhas sementes que estavam nessa caixa da foto. Apenas potenciais. Agora, quando eles deitam-se no solo, entendam a metáfora, viram possibilidades concretas.
Não podemos desanimar em buscar nossas melhoras, nosso aprimoramento pessoal e profissional. Agora mesmo minha filha passa uns tempos sozinha, fazendo Doutorado em Natal, deixando o marido só, em Brasília.
E, qual é o problema? Se ela não investir nisso, que tipo de árvore poderá colher no futuro, para o próprio casal usufruir de sua sombra, flores e frutos?
O problema é que estamos perdendo tenacidade, resiliência, capacidade de adiar prazeres, em busca de algo maior mais à frente.
E desanimamos fácil. Não passamos num processo seletivo e já pensamos em desistir, ou terceirizamos a culpa.
Desaprendemos a plantar no pó. A esperar, contra toda evidência em contrário.
Cleusinete Damasceno, a Neta, está terminando seu curso de enfermagem na UNIP. Quando ela começou, morava conosco e investia 90% do que recebia para custear seu curso: mensalidade, roupa, livros e deslocamento.
Outras Netas, não acreditam mais na força da semente que têm em seu interior, e não apostam em suas carreiras. Gastam tudo que ganham no consumo desenfreado, sem se capacitarem para algo mais.
Neta não. Ela passou 4 anos sem comprar uma calcinha. Privando-se de todo pequeno lazer ou conforto dos pobres.
E, agora, está prestes a se formar.
Neta semeou por quatro anos no pó. Agora ela colherá.
Mislene, telefonista da BBTS, mãe de dois filhos, morando longe, trabalho puxado, todos os dias fazia seu curso de Secretariado Executivo, à noite.
Outro dia, apareceu uma oportunidade de trabalho melhor, para cujo perfil exigia essa formação, e ela emplacou.
Agora Mislene é Secretaria Executiva de importante órgão no DF.
Eu sei que você está pensando que têm os que correm por fora, os de QI - a turma do pistolão.
Tem. Aqui e em qualquer lugar.
Mas, para pobre, só há uma chance de abrir caminho, para além dessa turma, é a de se capacitar.
Estudar, estudar e estudar. Aproveitar toda oportunidade de crescimento.
Não meus amigos e amigas, não é hora de desanimar em nossas vidas, em qualquer área dela que aparentemente esteja dando errado, ou já deu. É hora de buscar a caixa de sementes e voltar a acreditar em nós mesmos. Voltar a sonhar. Não se deixar abater por um fracasso, ou pelo desânimo que toma conta de parte da população brasileira.
É hora de cuidar de nós mesmos, de nos levar para semear, de não deixar que adormeçam nossos sonhos.
É hora de nos plantar no terreno do infinito. Talvez, as coisas em que nos capacitemos agora, ou apostas em que fizemos, só deem fruto anos à frente. Ou nem deem. Mas, pior seria se nelas não tivéssemos investido.
Ou seja, se não tivéssemos nelas apostados, seriam apenas intenções, que são diferentes de possibilidades.
Sinta que a chuva vem chegando em sua vida, logo ali, vem dobrando a esquina.
Caminhe mais uma légua. Não se entregue à estagnação de si mesmo. Renove suas esperanças. E acredite que o melhor de tua vida ainda está por vir!
Mas, repito-lhe, tenha paciência. Na vida não há almoço grátis, nem quem chegou a janelinha fez isso sem esforço, disciplina e muitas noites sem dormir.
Plantar no pó pode ser também, coisas para além dos estudos.
Como aquela mãe que usa o amor exigente para não desanimar do filho, e continuar esperando por ele, pelo seu desabrochar.
Ou, aquela pessoa que continua a investir no casamento, mesmo quando tudo ao redor nega-lhe certezas.
Ou ainda, quem não desanima de procurar emprego, batendo de porta em porta.
Ou, quem não desanima diante de tratamentos para doenças crônicas, para os quais não ver muito progresso, e mesmo assim persevera.
Poderia citar muito mais coisas que são como quem planta sementes na terra árida, com um coração esperançoso que não tardará as chuvas serôdias(*) chegarem.
Vem comigo, me dá a tua mão. Esforce-se mais um pouquinho, não se junte à mediocridade de quem faz todo dia tudo igual, da mesma forma, e quer resultados diferentes.
Serôdias - Aquela chuva que chega quando ninguém mais espera.

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