Jardineiros de Sentido


Ela poderia ter passado despercebida. Invisível na sua discreta intervenção de mover um vaso de flores de lugar.
Mas, quem carrega flores e fica invisível?
Flores são presença, são sentimentos, são bilhetes da mãe natureza dizendo que nos ama.
Hoje queria um milhão de flores para acalmar lutos de pessoas queridas.
Um milhão de flores para perfumar almas sofridas, colorir vidas monocromáticas e atrair borboletas e beija-flores mil.
Lembro os primeiros cheiros de flores que senti. Eram flores de pé de Santos. Flores de altares e de jazigos.
Depois, mais maduro, comecei a ver que elas não se prestavam somente a igrejas e cemitérios. Elas eram a expressão de amor, e não de sofrer.
Eram purgativas de vidas vazias.
Desde então, apaixonei-me por todo tipo de flor, confesso-lhe que um pouco mais daquelas flores bobas amarelas que nascem em todo pé de calçada ou terreno baldio.
Um dia recebi um ramalhete de flores. Não sabia o que fazer com ele. Os colegas de trabalho caçoavam. Eu, vermelho, vermelho.
Mais vermelho do que elas. Ahh se fosse hoje, faria até onda e sairia desfilando-o pra mostrar a todo mundo.
Mais cedo, ao sair para o trabalho, o meu amigo beija-flor estava de namoro com uma flor do deserto que crio.
Uma cena tão linda.
Em cada tremular de suas asas, uma parada para bicá-la, sugando seu néctar e pólen. Eram parceiros do eterno.
Amos as flores.
Pessoas são flores, embora nem todas assim se percebam.
Existem as mais sofisticadas, de pouca simplicidade, e muito distanciamento dos mortais.
Existem as de todos os dias, como as violetas e bouganvilles.
Existem as de raro trato, de tão especiais, precisam ser amadas mesmo que só se mostre numas hastes e algumas folhas, um belo dia ela despontará em orquídea rara e bela.
Existem as flores sobreviventes, que com pouca coisa florescem em mil tons.
Ela levou o vaso de flores. Teve pena dele, pois, após o evento, ficaria num canto qualquer pedindo água e sol.
Ela cuidou do vaso de flores.
Creio que aqui e acolá sinais de uma humanidade mais terna, gentil e solidária vai aparecendo.
Estamos cansados do pó, fuligem e asfalto da cidade grande, que estranha valores mais amorosos.
A humanidade está carente de flores-pessoas. Cuidadas por jardineiros de esperanças. Jardineiros de sentido.
Como essa jovem que cuidou de um vaso de flores, esquecido pós-evento.
Cuidemos das pessoas-flores que todos os dias cruzam nosso viver.
Algumas precisam de nosso sol, água, ou de um simples abraço.

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