Homo-Selfie



Eu selfio.
                            Tu selfias.
                                                      Ele selfiará.

Mas o que é selfie?

É um termo em inglês, conceituado como o ato de fazer autoretrato.

Hoje, vinha dirigindo de volta pra casa e num é que o condutor do veículo a frente resolveu fazer um selfie.
Pense num cabra doido. Ainda bem que com o trânsito lento, daria para fazer vários selfies.
Aproveitei o engarrafamento, e umas vivências profissionais recentes, para refletir sobre a cultura selfie.
Existe um certo selfie-style no ar. Que vem sendo alimentado por autores de livros de personal-selfie, igrejas dos selfies, e, muito, muito mesmo marketing de consumos-selfies.

Compartilho selfies, logo existo. O jeito selfie de ser, para além das prosaicas fotos, é uma forma de se perceber como centro.

Centro da vida, do trabalho, da família, do prédio onde mora.
Centro da relação.
Tudo gira em torno do Homo-Selfie. Sua dor é a maior.  A injustiça que sofreu, idem.
As oportunidades que não teve acesso, nem me fale!
Egos inflados em si mesmos, arrotam suas conquistas como os antigos bárbaros apresentavam os bens saqueados das suas invasões.
Não têm autoconsciência, a força imensa de sua "gravidade interior", faz com que tudo acabe girando sobre eles mesmos.

Não conseguem se compadecer com o outro, com a dor do outro. Ter compaixão de qualquer espécie.

Também não se alegram com a alegria do outro. Neles, a vozinha interior nutre diálogos de inveja.

Selfies estão por aí soltos, em toda parte.

E, de qualquer idade.

São a resposta de uma sociedade que chegou aos limites da ética e razão.

Tudo foi banalizado.  Assista a qualquer jornal popular que verá coisas que não mais lhe causará comoção, tornaram-se corriqueiras.

Antevejo uma epidemia de falta de sentido da vida.

Você me pergunta, mas o Homo-selfie (HS) não é cheio de sentido no viver?

Respondo-lhe, mentira.  É raso como um pires em qualquer emoção mais profunda, que o sacuda.

Ele é uma enganação de si mesmo.  Não se permite amar, e amar é sofrer.
Não se doa a ninguém, nem a causa alguma.

E, está sempre resmungando, ou choramingando atenção.
Manipula todos para que o endeusem e o cubram de estímulos.
Querem o futuro agora e já.
Não conseguem ver outros padrões de referência, até para num processo de comparação, se tocarem.

Homo-Selfie não conseguem expressar gratidão, por nada ou coisa alguma.

Como perceber o dom, a graça de viver, a bênção e prazeres das coisas simples e pequenas conquistas, se o HS sempre se ver, como alguém, para com quem a vida está eternamente em débito?

Ando irritado com os Homo-selfies.

Relacionamentos são desafios a dois, caso um deles seja um HS.
Imagine o estrago de um chefe-selfie?
Até de uma instituição-selfie.

Os HS não aprenderam a ralar. A perder um jogo e continuarem na partida. Mais ainda, não aprenderam a cooperar.

HS são uma praga nas sociedades modernas.

Uma praga que a infecionará com a epidemia da desilusão.

Não sem razão o número de pessoas que atentam contra a própria vida vem aumentando, ano a ano, e em todos os países.
Pessoas que não aprenderam a perder, a sofrer e a cair.
Então, as quedas são percebidas como enoooorrrmeeeees, os lutos, enorrrrrrrmes.
E a saída, fácil, fácil, é só desligar o HD.
Afinal, não querem aparentar serem um "não-selfie".
Selfies estão sempre de "bem com a vida".

Estamos criando uma geração de pessoas frágeis. Na fachada se acham, mas não aguentam o menor tranco emocional. Para qualquer adversidade, ou saem culpando todo mundo, menos a eles mesmos, ou se entopem de drogas lícitas ou ilícitas.

Pessoas-Selfies olham para vida pelo retrovisor.
Reproduzindo em seu EU, o que fazem com seus celulares.
E a vida vai passando lá fora. E ele se fotografando.
Lá fora a cena está desenrolando, o atleta invade a área pra fazer o gol, e o HS se autofotografando.

Entenda a metáfora. Não é contra a fotografia selfie. Autoretratos existem desde as cavernas.

É sobre a psico-selfie que falo. Só uso a metáfora da foto. Da necessidade de expor o EU, colocá-lo no centro da experiência de viver. E, isto é a mãe de todas as depressões.

Perde-se o vínculo coletivo, comunitário, fraternal. Fundamentais para a saúde mental.

HS olham para trás, ou para si mesmos, quando podem avançar, ou contemplar o que passa ao seu redor.

E, tudo vai ficando sem sentido.

O pior, não têm autoconsciência e não sabem de onde vem tanta amargura, tanto vazio.

Respondo-lhes, do espelho.

Um espelho narcisístico, que projeta sombras alucinantes no teatro da vida. Que em vão tentam tocar em pessoas expulsas do palco do seu viver; amedrontadas por suas atitudes egoístas e individualistas , na ganância de tudo ter e poder. Nas fantasias de dominação projetadas no seu ego inflado.

Ando ficando ranzinza. Não perco a esperança na humanidade, mas precisamos de uma revolução do ser.

E, não será puxada pelas instituições religiosas, ou por ativistas político-culturais.

Por quem será puxada?  Não sei. Por estas instituições não será. Também viraram selfies.

Quem sabe a revolução está iniciando com os Selfies-Nós, aquelas fotos que o amigo chama o grupo de amigos?

Quem sabe não será pelas redes sociais que Comunidades educaram para novas posturas do ser?

Quem sabe se o próprio povo simples não encontre as saídas e os imitemos.

Quem sabe não fiquemos sozinhos demais, com fotos demais só nossa, e passamos a fazer mais selfies-coletivos, juntando mais, o nós em nosso ser, e menos nós no nosso viver.

Quem sabe?

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