# Se não fosse pelos clientes!




Uma das coisas mais difíceis que venho enfrentando no mundo do trabalho é não perder a capacidade de servir.
De me perceber como servidor.
Tem dias que tenho recaídas e trato com rispidez meus clientes.
Ou não tenho tempo para com eles.
Ou até não procuro uma inovadora forma de atendê-los para além dos limites que se apresentam.
Fico remoendo o que fiz de errado.
Porque soltei os cachorros?
Porque da frieza e apatia.
Sabe o que concluo: faltou-me inteligência emocional e uma de suas disciplinas: a empatia.
É muito fácil brincar de pega ladrão ou de esconde-esconde com os clientes.

Todos os dias o monstro dos processos, das normas e da burocracia afia os dentes para regular as entregas somente ao que é previsto.
Esconde-se atrás de processos, leis, regulamentos, emails para, num jogo de empurra-empurra, transferir responsabilidades e delegar culpas.
Pior ainda quando aparecem situações não previstas. Quando o planejado sai dos trilhos, quando o contexto muda.

O que fazer com o powerpoint, com o processo, com o fluxo quando nele as necessidades dos clientes não estão previstas? Reinvente-o!
Digo-lhe: atue no imperativo da urgência; faça e aconteça novas realidades, privilegiando o atendimento de seus clientes.
É quando não basta enviar um email pedindo providências, descansando impávido e colosso como o Brasil.
É quando a situação reclama iniciativas, reclama colocar-se no lugar do outro, na priorização da busca de soluções, e não culpados, que é devido.
Uma dica me ajuda a domar o monstro do Burnout (veja no Google Síndrome de Burnout) comum a quem lida com atendimento. Pergunto-me: e se fosse comigo? Como gostaria que as coisas acontecessem?

Como gostaria de ser atendido, ouvido, contemplado nas minhas necessidades e expectativas?
Todos os dias rezo para não cair na tentação de endurecer ou embrutecer meu coração com os clientes difíceis.
Aqueles do tipo ranzinzas, chatos, ou entristecer-me com os ingratos que nunca voltam para agradecer ou que exigem mais do que podemos ofertar, até ferindo princípios éticos.
Quem trabalha com serviços e com atendimento a clientes internos ou externos tem que construir um altarzinho emocional em seu lar e, todas as noites, purificar-se para continuar servindo no outro dia apesar dos pesares, das caras feias, dos maus tratos e do pouco reconhecimento.

Servindo apesar das condições de oferta de bens e serviços muitas das vezes serem precárias.
Tem que identificar três aspectos:
1. Qual é meu negócio, sua importância e características?
2. Qual a minha carteira de produtos, serviços e processos que ofereço?
3. Quais são meus clientes?
4. Quais os resultados que são esperados de minha área, e qual a minha contribuição no seu alcance?

Se conseguirmos responder as questões acima o nosso autoconhecimento aumentará e, o envolvimento e mobilização com os quais nos entregaremos ao trabalho também.

Se não vejo um porquê trabalhar e servir, de que serve minha obra nesse espaço de tempo e lugar?

Se assim não o faço para que de mim necessitam?
Se não fosse pelos clientes o que seria do sentido de meu trabalho?
A dificuldade de se ver como um líder servidor vem das várias instituições pedagógicas que a vida vai nos matriculando: a família, a escola, as igrejas, ou outras agremiações, os amigos e o trabalho.
Ensina-se a ganhar, dominar, conquistar, aprisionar.
Nunca a servir. Servir não é, digamos um tema da pauta contemporânea.
Nem em manuais de Administração.
O que mais escuto são profissionais falando mal de seus clientes com uma vitalidade impressionante.

Professores de seus alunos, profissionais de saúde de seus pacientes, religiosos de suas ovelhas.
O cliente virou um saco. E sofre as consequências da degradação das relações de trabalho, stress, metas abusivas e equipes reduzidas.
Contudo, qual o motivo que leva pessoas, sob as mesmas condições acima, continuarem a atender bem?

Elas encontraram um prazer e satisfação no que conseguem resolver para seus clientes.

Profissionais que nunca aprenderam nas suas vidas a acolher o outro, em suas necessidades, de repente ingressam no mercado de trabalho e precisam fazer isso. Precisam escutar, "empatizar", solidarizar-se, dialogar, negociar, gerir restrições, inovar, fazer de limões limonadas.

E aí a porca torce o rabo.

Se não se tem isso no interior como postura resolva-acabativa da vida, como desenvolver essas competências profissionais tão fundamentais à entrega de valor e resultados?

Mais uma vez, pela busca do sentido do trabalho, que é construir, com o que se tem, significados de sentido nos processos e fluxos do trabalho.
Por trás de cada email, telefonema, contato, tem alguém precisando de nosso talento.
Compreender nossas próprias emoções e trabalhá-las é fundamental para reverter os perfis egoísta, indiferente, dominador e opressor, incutidos em nosso modelo mental.

Que nos afastam da qualidade do atendimento, criando entre nós e eles muros erguidos com tijolos de nãos e argamassas de gerúndios: Não pode, não posso, estamos analisando, estamos verificando.
Como ser um líder servidor com esse modelo de ser humano impregnado nas atitudes?
Busque no autoconhecimento melhorar todos os dias, aprender com os erros, voltar a encantar-se com o que faz e com o que entrega de valor.

No limite, cuidar para que não fique máquina, pois "homens é que sois".
Nossa tentação é automatizar-nos também. Aliás, tente ir a uma igreja na qual você nunca entrou. Em algumas delas não será notado nem percebido.
Os serviços religiosos foram automatizados. Você virou um input-output. Perdeu a identidade.
Não é mais acolhido e percebido.
Estudando formas de falso-processamento do luto descobri que os números de prontuários médicos são uma delas.

É o RN 5 que veio a óbito. (RN = Recém-Nascido).

Protegem-se com o número para anestesiar o coração do afeto dos nomes.
Compreende?
Vejo pessoas que trabalham com demandas dos clientes tão irritadas com os mesmos que penso: será um eterno infeliz.

Afinal... são justamente essas demandas que mantém a chama do trabalho acesa.
Pois, não são justamente as demandas, por mais malucas que sejam, que edificam os propósitos de nosso trabalho?
Todos os dias vacino-me contra a indiferença de não mais me colocar no lugar do outro que me procura.

Nem sempre consigo e, me entristeço. Tem dias que chuto o balde, que vomito más vontades. Que me olho no espelho e não gosto do que fiz, da falta de empatia com a qual agi, protegido pelo relógio, pelos números, ou por uma desculpa qualquer.

Empatia é mais que uma palavra bonita, é gesto concreto.

Hoje vi uma cena que me marcou, e não era para marcar. Abastecia o carro, pedi a maquineta para passar o cartão, o frentista aproximou-se com ela. Um outro veio em seu encalço, pedindo a máquina. O que estava me atendendo disse-lhe que já estava usando. O outro, indiferente ao meu atendimento que estava prestes a começar, insistiu em usá-la.

Senti-me invisível para aquele frentista sem noção. O da maquineta fincou pé e me atendeu primeiro.
Vibrei.
Corta a cena: na hora do almoço vou ao mercado comprar desodorante, esqueci de passá-lo ao sair de casa. Ao me atender a caixa vê sua supervisora passando e grita: "não esqueça de ver o negócio de minhas férias".

A chefa dá um resmungão sonoro e faísca: "você só sairá daqui a seis meses, tenha calma minha filha, tá nervosa é..." A caixa, desconcertada baixa a vista e diz: "É que eu preciso me programar".
Agora quem baixa a vista sou eu. Qual a dificuldade em servir um despacho de férias, seja positivo ou negativo?

E, se fosse o pedido de férias da Supervisora. Se o diálogo fosse da Supervisora com sua chefia imediata, no mesmo sentido, como ela gostaria de ver sua necessidade encaminhada, atendida?

E se fosse com ela?

Fico matutando, qual prejuízo aos negócios e à produtividade que líderes autocráticos não-servidores causam.

Sem falar do exemplo que estão passando. Equipes são a cara de seus líderes. Quando um líder não entende e articula as demandas de seus clientes com prazer, seja os clientes internos ou externos, está "educando" seu grupo a agir da mesma maneira. Aprende-se por osmose e imitação.

Sobra para os clientes.

Outro dia fui buscar um cartão na nova agência. Era a primeira vez que ali ia, após transferirem minha conta.
Só queria um café, um bom dia, e um "o senhor precisa de algo mais?".
A mocinha, mecanicamente, anunciou meu nome e entregou-me o cartão. E só.
Cri cri cri.
Fiquei com cara de bobo, esperando um algo mais.
Um sorriso, um: "até a próxima".
Acho que ela não estava num bom dia. Coitada... virou uma máquina de entregar cartões.

Você fala que tem muito serviço, que não dá. Digo-lhe: arranje outra desculpa.
Servir é atitude que se faz quando se tem até segundos de contato.

É postura. É decisão de amar. 
É visão de mundo, de ser humano.
Já sentiu calor humano em telefonista de call-center. Eu já.

Já sentiu ser bem atendido pela atendente de plantão médico, um lugar que é sempre um caos? Eu já.
Já sentiu ser bem atendido por aquele cara mais atarefado do setor, mais sem tempo? Eu já.
Essas pessoas desafiam lugares comuns e encontraram sentido e prazer no atendimento ao cliente, e não no frio processo que conduzem.

Servir é verbo que pede iniciativa e ousadia para ser conjugado.
E é um verbo que se conjuga somente no presente, não no passado nem no futuro.
Toda vez que um cliente lhe procurar, seja interno, seja externo, pense nisso: posso fazer a diferença na vida dele agora, na hora da verdade.

Até com uma palavra branda em meio ao turbilhão de emoções a ti trazidas.
Atender nem sempre é resolver. Muitas das vezes o não resolver é atender também e o demandante ainda sai feliz.
É arte que exige humildade e sabedoria. Até para dizer o não.
O melhor curso de atendimento é o mais difícil. Passa por ética e cidadania. Passa por respeito, humanidade e afeto nas relações de trabalho. Passa por encontrar um valor no que entrega, atende e serve. E é difícil um curso prover essas competências quando não às nutrimos em nossos corações.
Quando a visão do outro que nutro, no jardim do meu coração, é de estorvo, de peso, de chatice não adiantará horas e horas de capacitação.
Lembro-me de um copeiro que fiou chateado de ter que servir o café no quarto andar onde eu trabalhava na agência.
Até então ali era um depósito. Um dia disse-lhe: amigo, agradeça ter clientes mesmo que em andares diferentes. Você não tem ideia do quanto é esperado ao adentrar nosso salão.
Pronto!! Fez-se a mágica. Todas as vezes que ele chegava, começávamos em coro a saudar seu nome. Ele já vinha sorrindo. Confesso que passou a servir mais o quarto andar do que o terceiro. rsrs

Ele achou um sentido no estímulo que passou a receber dos clientes do quarto andar, ávidos por um cafezinho matinal. Mudou a percepção. Nós não éramos mais os chatos do quarto andar, os últimos da fila da copa. Éramos os animados que chamavam seu nome, em coro, quando ele saia do elevador. Agora éramos pessoas para ele. E não uma garrafa de café a mais para ser distribuída, entende?

Emails tem rostos, sons, cheiros, afetos, lembranças. Uns gritam, outros sussurram. Uns pedem socorro, outros são ríspidos, duros. Pessoas não são fáceis. Mas sem elas qual é a razão de viver mesmo?

Se não fosse pelos clientes, de todos os naipes, qual sentido teria o meu trabalho?

Visite seu “altarzinho” e processe seu dia cansativo, nem sempre fácil.

Têm pessoas que embora não lhe falem precisam demais de você.

Depure a desmotivação, renove-se e amanhã esteja revigorado para continuar a prestar o melhor atendimento que pode dar nas condições apresentadas.
Seja único.
Continue acreditando em bobas utopias: como a de gostar de gente, de servi-las e encontrar prazer no que se faz.
Diante de um pedido, de uma busca, de um ser que bate à porta de teu coração precisando de algo, diga no interior de teu ser: Sim, eu quero ajudar!

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