Podas Necessárias

Plantei-te como vinha nova.

Num terreno sem beleza ou 

formosura.

No lugar de um piso, 
cerâmica, piscina, 
ou coisa que disputa o verde.

Abri as covas a trator, 
dado a dureza do solo. 
As enchi com terra molinha, 
vermelha, e as deitei no solo.

Mesmo antes das paredes erguidas, já as tinha por companhia e cuidado.
Aguava e via suas dificuldades em crescerem.
Esperei os primeiros frutos e flores tal qual um pai amoroso espera as vitórias dos filhos.
Plantei-te como vinha nova.
Muitas, trouxe de terras distantes, na mala do carro.
Cinco anos depois faço a primeira poda.
Na Lichia, uma poda radical. Todas as folhas são decepadas. Estavam doentes com um tipo de ferrugem que enrugava suas folhas.

Não há medicamento. Só o severo corte das folhas pode estancar a doença e matar os agressores por inanição.

No Flamboyant o corte foi de alguns caules frondosos. A árvore está imensa, mas vem sombreando suas irmãs.

Na Ameixa o corte foi mais dolorido e definitivo. Cortei-lhe a própria carne, decepando-a para a vida. Não colocava frutos e nem crescia, estava ocupando uma preciosa área.

Senti por ela, amanhã vou plantar uma graviola no lugar.

Há cortes necessários ao nosso desenvolver.

Coisas que se agarram à nossa caminhada e nos tornam infelizes.

Algumas pedem uma poda mansa. Daquela que fiz no Flamboyant.  São coisas que embora belas, tal a copa do Flamboyant, pelo excesso em nosso viver, estão fazendo mal ás outras áreas do ser.

Estão sobreando outras capacidades, inibindo vida pelo excesso de dedicação a ela destinado.
Existem amores que sombream, pelo excesso.
Relações pais e filhos.
Relações com o trabalho, ou com o sagrado.
Até relações de ativismo ideológicas.
Tudo em excesso sombreia e tira o vigor de outras dimensões.

Outros cortes mais fáceis, são de atitudes e comportamentos adquiridos e que não mais respondem às nossas necessidades de crescimento. Um hábito aqui, uma mania acolá, um jeito errado de proceder, ou reagir. Coisas que no aprendizado diário vamos ajustando.

São cortes mais fáceis, não menos dolorosos, posto cortes que são.

Outros pedem uma intervenção mais radical. Pedem fartas doses de esperança, que após todas as folhas decepadas, do caule e troncos nascerá folhas sadias, sem a doença que as vitimava.

São os grandes lutos de nosso viver. Perdas que tiram todo nosso viço, verde, vigor.

Quem olha de longe não vê nossa copa, flores, folhas.

Só cuales e troncos retorcidos.

Acham que morremos.

Mas, não.

Nossas raízes estão íntegras, e teimarão - numa peleja de vida e morte, contra o tempo para circularem a seiva da vida em nosso ser, nos fazendo brotar novamente, e bem mais sadios.

São perdas de separações, de relações mórbidas, co-dependências afetivas. São distanciamento de tudo que se fixou em nosso ser, até de alguns tipos de amigos, tal aquele fungo-ferrugem nas folhas. Ousamos nos matar um pouco para sobreviver mais adiante.

Enganamos a dor.

Por último, existem situações com as quais nos deparamos que precisam de uma intervenção maior.

Não há mais frutos, nem flores, nem renovação das folhas e crescimento do caule.

Estancamos.

Para estas, só decisões radicais. Mudar de curso superior, de cidade, de penteado.

Romper com padrões culturais, sociais e religiosos, um dia aprendidos e que não geram mais vida.

Superar traumas familiares, até afastando-se de sua origem.

O corte é radical. Não mesmos mais os mesmos, após o machado na alma.

Contudo, abriremos nosso solo às possibilidades de outros tipos de sementes e mudas serem cultivadas. Mesmo que leve tempo, ficaremos melhores, ahhh se ficaremos!




Saber que tipo de poda pede nosso ser, ou áreas dele, é arte, é sabedoria, é intuição, instinto de sobrevivência.

Nunca teremos certeza absoluta.

Só sabemos uma coisa, pior não poderá ficar.

Plantei-te como vinha nova.

Não tinha formosura ou graça.

Num terreno árido e sem nutrientes.

Preparei-te para a vida.

Cuidei de cada cacho, de cada broto.

Agora, nas tuas sombras, reconcilio-me comigo mesmo e, com os sangramentos que drenavam seiva dos ramos de meu existir.

Prefiro a nudez de uma árvore sem folhas do que as aparências e vazio de uma vida sem sentido.

Se estou certo? Não sei.

Haveria outras saídas para a Ameixa, Lichia e Flamboyant?

Poderia haver sim.

Mil outras possibilidades. Mas as suas.

As minhas, seguem um ponto localizado entre o ótimo e o regular.

Ali oscilo e tento fixar minha caminhada. Um ponto marcado pela luta da razão com o coração. Um duelo de gigantes.

Ali, vou encontrando as metades do meu ser: em cada entrega, em cada renúncia, em cada nova semente que ocupa covas velhas da minha alma.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores