"Esparadrape" sua Autoestima


Hoje fui almoçar com o Fahl. 
No caminho, comentei que ele
deveria vender o seu carro. 
Ele acabara de me relatar que ontem, 
quando vinha para o trabalho, um cara deu uma entrada nele. Ele freou, para um pedestre na faixa, e quem vinha atrás não brecou a tempo.

Fiquei rindo de tamanho azar. é que as histórias de seu carro, com esta, são quatro.

Outro dia o Fahl me contou que passou o final de semana apreensivo, tinha roubado seu carro da porta de sua casa, no sábado pela manhã. E, que a polícia só o encontrara na noite do domingo.

Noutras vezes, ele bateu ao retirar o carro da garagem, e a mulher errou o lugar de uma vaga e bateu ao estacionar.

Hoje, indo almoçar, falei sorrindo pra ele vender o carro, que deveria ter uma macumba nele.

Ele, manso e sábio de coração, como sempre, olhou-me com olhos de lua cheia e disse-me que o carro era abençoado.

Sofreu três batidas e nenhuma delas tinha sido muito grave, ou tinha ferido alguém.

E, no episódio do roubo, o seguro estava vencido, e o carro ainda fora achado intacto.

"Vendo nada. Esse é uma bênção."

Acho que o aparelho mental do Fahl funciona como o de um percussionista que conheço que coloca esparadrapos no pandeiro (veja foto), para "desligar alguns sons mais agudos".

Todos os dias estes sons nos importunam. Saber desligá-los é uma arte. Aprendo sempre com o Fahl.

Ele deixa publicar com a sua vida, apenas os melhores sons, os mais afinados. "Esparadrapa" no seu coração aqueles sons mais feios. Inibe-os.

Como Fahl e meu amigo percussionista me tocaram nesse dia.

Temos que saber desligar sons que teimam em nos incomodar. Em nos fazer tristes e nos sentir mal amados.

Botar uns esparadrapos neles, para que outros sons de nosso viver, plenos de harmonia e sentido, possam prevalecer.

Temos uma síndrome, danada de ruim, de repetição. De ficar martelando sentimentos, ou ecoando na razão, as coisas que nos fizeram mal.

Na comparação com o Fahl, seria como se ele passasse o dia lamentando-se das intempéries de seu carro.

Na com o Mário, meu amigo percussionista, seria como se ele continuasse tocando seu pandeiro, com sons desafinados, que não combinassem mais com a partitura e harmonia que executa.




Saber a hora de "esparadrapar" emoções negativas, culpas, raivas, sentimentos não legais, é preciso para sobreviver.

Ficar resmungando, reclamando, remoendo e ruminando o que não deu certo, ou algo que lhe aconteceu e não te fez bem, não irá mudar em nada o acontecido.

No máximo vai te deixar ranzinza e resignado.

Aprendamos a ver as bênçãos, onde outros veem maldições.

Aprendamos a emitir nossa melhor e mais harmoniosa melodia, para os outros, mesmo que desliguemos parte de nosso ser que teimam em ficar nos atazanando, nos agoniando.

Que tal nesta noite pensar nisso e parar de se levar tão a sério. Parar de se melindrar com pouca coisa.

De se vitimizar pelos deslizes e sufocos que passou. De cultivar um jardim interior de emoções toxicas.

Parar na posição de quem está sempre na defensiva, de quem foi criado para ser perfeccionista em tudo.

Parar de proteger à exaustão a sua imagem, como quem a joia da coroa do Rei.

Você não é uma unanimidade, e alguns simplesmente não irão com tua cara.

Nada pessoal. Coisas da vida.

"Esparadrape" sua autoestima. Ela pode tá ficando muito exposta, muito sujeitas às infecções e violências relacionais.

E, nada pior do que aquela pessoal, que por ter levado muitas pancada na vida, no lugar de ter aprendido com elas, foi ficando arisco, armado, pronto ao menor sinal de perigo para lançar seus ferrões, numa tentativa estéril de se proteger.

Relaxe. Desligue o som que está te fazendo infeliz. Passou.

Desligue-se os pensamentos que teima em te tirar o sono.

Onde mora teus pensamentos mora tua ação no mundo.

Crie um lugar de paz para habitar. Aquele no qual o Fahl construiu pra ele e o fez reagir com sabedoria às dificuldades que se lhes apresentaram.

Vou correndo buscar esparadrapos. Hoje uma chateação acompanhou-me até em casa.

Agora, permitir ou não que ela vá pra cama comigo é uma escolha que posso fazer.

E, não adiantará nada ela se enrolar em meu ser, noite afora, nada resolverei hoje. E, algumas coisas para serem resolvidas pedem o olhar e o tempo de várias luas cheias.

Pense nisso!

2 comentários:

  1. Olá, Ricardo! Que bela reflexão!
    Esse seu amigo Fahl é sábio e abençoado! Que Deus o conserve sempre assim! Ele nos dá uma lição com seu modo de levar a vida!
    É preciso mesmo que aprendamos a enxergar as coisas, ou as intempéries da vida de maneira positiva.
    E bendito é aquele que aprende a olhar assim...
    "Só se vê bem com o coração, o essencial é invisível aos olhos" (Exupèry)

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    1. É amiga, temos que aprumar nossas antenas para captar o que realmente interessa.

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