O Dia Em Que a Canção Parou o Tempo.

Era noite enluarada, daquelas de viola e poesia. Tomei um delicioso banho, fiz a barba, armei a rede na varanda do quarto e fui contemplar o luão.
Depois, começou a ventar, fazer frio e entrei.
A noite pedia música e cobertor de orelha.
Fui buscar minha caixinha de som e a coloquei perto do relógio de cabeceira.
Pluguei um pendrive com músicas em mp3 nela e tudo fez-se mágica e belezura.
Lua cheia, música, calor das cobertas.
O quarto, iluminado pela lua, ficava ainda mais aconchegante.
Ao longe, escutava sons acalentadores, de mãe ninando filho - filho birrento que não quer dormir.
Num estado de espírito elevado me deixava conduzir, como Platão por Sócrates, por Almir Sater cantando Viola Enluarada:
“A mão que toca um violão
Se for preciso faz a guerra
Mata o mundo, fere a terra
[...]
Quem tem de noite a companheira
Sabe que a paz é passageira
Pra defendê-la se levanta
E grita: Eu vou!”
Aos poucos fui adormecendo.
Na manhã seguinte, acordo sobressaltado com o som do chuveiro.
Viro-me para o relógio e ele marca 11hrs.
Fico louco, pulo da cama, tentando enxergar o sol, pelas cortinas da varanda.
Mas, tudo está nublado e chove muito.
Entro no banheiro e pergunto à esposa que horas são. Ela, sem entender nada, diz que são pelas sete e pouco da manhã.
Ufa.
Volto ao relógio da cabeceira, para checar se foram as pilhas que acabaram, e percebo que ao retirá-lo de perto da caixa de som amplificada, os ponteiros voltam a girar.
Então, não eram as pilhas.
Mistério.
Encosto-o novamente perto da Caixinha de Som de MP3 e os ponteiros param novamente.
Eureca!
O imã que tem no alto-falante da caixinha de som está interagindo com o ferro dos ponteiros do relógio.
E, era essa ação de um sobre o outro que imobilizava os ponteiros.
Segurem o tempo, a música chegou.

A MELODIA PARAVA O TEMPO.

Acabei de criar o sonho dos sonhos de todos os povos, uma máquina de parar o tempo.
Como queria parar o tempo com o meu filhote de quatro anos nessa fase.
Como queria parar o tempo quando visito meus pais na minha cidade natal.
Como queria parar o tempo quando estou agoniado com um trabalho para entregar e o relógio anda acelerado, contra mim.
Como queria parar o tempo para dizer os “eu te amo” que não disse, por não ter tido tempo.
Olho pra minha estante de livros, ao digitar essa crônica, olho para a pilha de DVDs, CDs, Discos que vou comprando e que não sei se ainda terei tempo de ler todos, ouvir todos, ver todos.
Sensação estranha a compreensão da finitude dos dias, do tempo, das horas.
Sinto-me que agora meu tempo se esvai numa rapidez impressionante.
Logo logo é carnaval.
Amanhã é o Natal que chegará.
Acho que é típico da meia idade essa sensação de tempo que voa.
Vamos nos sentido mais completos, plenos e queremos beber até a última gota de tudo aquilo com o qual cruzamos, e é justamente esse afã de ser mais que torna tudo tão mais rápido.
Nada mais é para sempre.
Vamos tendo a compreensão de que tudo passa, e passa rápido.
Na juventude parece que nos percebemos como eternos, imorríveis.
Agora, vamos nos encontrando mais em velórios do que em noitadas.
Quando alguém começa um papo assim: Sabe fulano.
Pronto, logo em seguida vem um “morreu”.
Mas, não pé de morte esse texto.
É de vida.
É da beleza de uma melodia que enganou um relógio e parou o tempo.
O amor para o tempo.

Numa pesquisa feita nos EUA perguntaram às crianças cujas mães trabalhavam fora qual sua percepção do tempo que as mães passavam com elas.
Paradoxalmente, o que definia a percepção do tempo não era o tempo real. Era o tempo simbólico.
Deixa eu te explicar:
Mães que só passavam efetivos 30 minutos com os filhos, por chegarem tarde em casa e os mesmos já estarem de pijamas prontos para irem dormir, tinham percepções do tempo que passavam com om filhos, ditas por eles quando pesquisados, um tanto maiores do que as obtidas por outras mães que chegavam em casa bem mais cedo.
Os pesquisadores identificaram que o traço comum que alterava a percepção do tempo das crianças, levando-as a registarem em suas respostas um tempo bem maior do que os míseros 30min, era o afeto a elas destinadas, no encontro das mães-minutos e seus filhos.
Naqueles minutos as mães liam histórias para seus filhos, penteavam seus cabelos, interessavam-se pelo que ocorrera no seu dia.
Aquele era um tempo do Kairós, tempo das coisas que valem a pena por elas serem vividas. Kairós é o Deus mágico do tempo, que vive em permanente oposição ao rígido Crhonos, Deus da marcação linear e sem compaixão das horas que passam, que restam.
Kairós é irmão de Eros. Deus do amor.
O amor subverte o relógio do tempo.
O amor seria como um imã que para os ponteiros do relógio.
Um abraço em quem se ama não pode ser cronometrado pelo relógio de Cronos, tem que ser pelo relógio de Kairós, que no limite, altera a percepção do tempo real.
Uma noite numa UTI pode ser pouco para Cronos, para Kairós é uma eternidade.
Não passa nunca!
Viajar para ver a amada e ficar com ela apenas um final de semana, pode ser pouco para Cronos. Para Kairós, em irmandade com Eros, aquelas horas vão se multiplicar, e o efeito delas perdurará por dias a fio, iludindo a realidade.
Parem o tempo, escutem a melodia.
Descobri então como lidar com o rígido Cronos que teima em querer que eu conte meus dias agora em décadas, em “entas”.
É trazendo mais Kairós e Eros para meu viver.
Kairós, o tempo oportuno, o tempo do afeto, o tempo das coisas que de fato valem a pena por elas viver. O tempo da contemplação, das delicadezas, da mística magia de ser.
Eros, o investimento afetivo que faço com esse tempo .
Parem o tempo.
Ouçam canções, deem-se abraços, beijos, cafunés. Escutem o amado. Pentei-lhe o cabelo, cocem suas costas. Ninem mansinho.
Parem o tempo.
Encoste o imã de seu coração no relógio de sua razão e iluda sua sensação de finitude.
Torne-se atemporal.
Segurem o tempo que quero descer para amar, para me doar em gestos de coletivo valor.

Olho para os livros aos montes que tenho e que talvez nunca os lerei.
Já não me aflijo.
Lerei os que quiser e no tempo que quiser, no meu tempo Kairós.
Ansiedade é a noção de Cronos sobre o tempo que resta.
Agora vejo que o tempo não voa na meia idade.
É falsa essa sensação.
O que voa é a razão que anestesiada por Cronos, violentada por ele, ano a fio, vai perdendo a beleza do Eros, do Kairós e tudo vai sendo coisificado, quantificado, racionalizado.
Matematicamente planejado e medido.
Vamos perdendo o entanto, os encantamentos, ficando ácidos, ranzinzas.
Lógico que há inúmeras exceções.
Mas, no geral, de tanta pancada vamos perdendo o brilho, a fé nas coisas simples da vida, a esperança em dias melhores.
E, é isso que ataca a percepção e tempo fazendo com a qual percebamos que passa muito rápido.
Não quero ser esse tipo de velho. Não quero viver cotando o tempo que falta.
Quero viver no tempo que tenho.
Quero mil anos em um, num dia vivido com gestos de amor.
De entrega.
Quero mil anos em um, num abraço apertado, em um banho juntos, em um encontro sob lençóis.
Quero eternidades agora, seja na contemplação de um por do sol, de uma flor, ou ao pisar no chão de estrelas.
Os jovens é que estão certo pela sensação de todo tempo que têm.
Só precisam saber disso e aproveitá-lo da melhor forma.
Já que tempo é diferente de relógio, como bem me ensinou a caixinha de som amplificada.
Percebe-se o tempo pelo imã do coração, e, ele pode ampliar ou retroceder, ou até anular o tempo vivido.
O coração é quem de fato marca nosso compasso, na música do viver.

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