Sobre bijus, banhos, inseto tipo abelha e carneiro.






No primeiro dia do ano, acordei indisposto, como muitos. Com fome, e sem querer comer o "Restô de Ôntem", intervi quando vi minha sogra jogar um Cavaco Chinês (veja foto do vendedor que fiz) no lixo.
Ela alegou que ninguém o comera e que estava quebrado. Opa!!!, falei, eu quero! Ela olhou-me com ar resmungador.
Frustrei seu desejo de colocá-lo no lixo, e, não se frustra desejo de sogras, logo no primeiro dia do ano.
Peguei aquele alimento, mais parecido com um biscoito - por aqui chamado de Biju e fui para o carro esperar a esposa e filho.
Fui retirando do saco plástico os restos de Biju, comia qual um manjar dos Deuses. Delícia.
Trata-se de um alimento gostoso, com poucas calórias, quase um vento, e é muito frágil. Se não souber retirá-lo do saquinho plástico ele vai se quebrar em mil pedacinhos.

Tal qual os relacionamentos.

Primeira lição: cuide do outro como quem come um Biju. Lembre-se que ele, embora quebrado, sem forma, pronto para ir para o lixo - segundo alguns, ainda assim poderá te encantar, surpreender e ser sustento para tua alma cansada. Pessoas são predestinadas a serem bijus: doces, puras, frágeis, com a dose certa das calorias do ser. Elas, pessoas-biju poderão matar tua fome de sentido, de presença e de amor.

Continuei pelo meu primeiro dia, agora chegando na casa de Dona Zilda, uma vovozinha que nos acolhe há uns 20 anos aqui em Londrina, cuja filha é amicíssima de minha esposa. Ali, o meu recanto é o quintal. Quado chego vou num bar da esquina, compro 1/2 kg de costela no bafo, umas cervejas, e ali atrás faço a festa, enquanto o almoço não sai e o pessoal bota a conversa em dia.

Hoje o dia estava quente e estava abafado, embora ontem á noite tivesse caído uma tromba de água aqui em Londrina-PR.
Então, peguei uma vasilha de sorvete e a enchi com água da torneira. Aí comecei a tomar "banho de cuia", como fazíamos no Nordeste.
Que banho divino! Aquela água me lavava de toda mágoa encardida.
De toda decepção mal curada. De toda culpa encrustada. Descia a água e meu ser lentamente ia se revigorando.
E, não era da ressaca, era de mim mesmo.
Uma sensação gostosa de quem se lava pelo interior. Essa foi minha segunda lição, começar o ano despindo-se de velhas fórmulas, de velhos comportamentos que de tão rotineiros acabarão por virar uma espécie de falsa-pele. Agora dissolvida pela água.
Entre uma cuia de água e outra, ia me sentido mais belo, puro e revigorado para novos desafios.

Precisamos nos levar para tomar um banho de cuia, vez por outra. Precisamos de encantamentos, da delicadeza de uma água descendo pelo corpo e tirando dele o calor excessivo. Tirando a pressão. Precisamos dessas paradas para diminuir a pressão do dia a dia.

Agora, refeito pelo banho, vou fazer uma das coisas que mais gosto, fotografar. As primeiras fotos de 2014.

Acho uma espécie de abelha, de olhos verdes, polinizando uma flor. Miro emocionado a lente, e torcendo que ela não voe, e clic clic clic.

Que linda que era. Uma bênção encontrá-la, agora eu estava pronto para vê-la, estava puro, limpo pelo interior.

Ela revelou-me a terceira lição. Polinize. Leve felicidade, paz e perdão para todos com os quais cruzar.

Que felicidade daquela flor de Urucum, polinizada por aquele tipo de abelha, com seus lindos olhos verdes. Urucum é de que é feito o colorau.

Colorau é um tipo de tempero que deixa tudo mais gostoso, muito usado no Nordeste.

A abelha poliniza a flor de urucum que nos dá o colorau que tempera nossos alimentos. Não temos ideia do efeito de nossos atos na teia da vida. Não sabemos o efeito futuro de um gesto polinizador de nossa parte na vida dos outros. Podemos estar propiciando as condições ideais para que do outro surjam flores e frutos - tal qual faz aquele belo inseto.
Ele não tem ideia da força de seu gesto. Eu, quando tempero uma peixada com o fruto do urucum tenho.
Assim é conosco. Precisamos de pessoas-polinizadoras em nosso viver. Pessoas com as quais ao cruzarmos, sairemos melhores, mais fecundos para a vitalidade do vir-a-ser. E, também podemos ser polinizadores para os outros, mesmo que sua flor esteja feinha, estragada pela vida, podemos germiná-la com nosso material genético - cheio de amor; fortalecendo sua existência e engravidando-a de novas possibilidades, deixando cada pessoa com as quais cruzaremos em nosso viver, grávidas de potenciais de infinito do ser.
Fecundando-as com o pólen do otimismo, perseverança, fé, bondade, justiça, mansidão, ética e cidadania. As flores e frutos do jardim da humanidade agradecerão.

A mesa está posta. Mesa posta é lugar de encontro, de celebração, de diálogo. Para mim é feito especialmente um carneiro. Um carneiro temperado com ervas aromáticas, e o colorau da abelha que a pouco o polinizou. E aí vem a quarta lição. Faça mimos para o outro. Agradeça, seja grato a quem lhe fez algo de bom. Reconheça o outro. Compre um pernil de carneiro, tempere-o com ervas aromáticas, só para dizer-lhe o quanto ele te é importante. Lembre-se de que não é nunca demais dizer eu te amo. Você é importante para mim. E foi assim que me senti: visto, valorizado. Edna, a amiga de minha esposa, fez aquele carneiro para me agradar. Para me alegrar no almoço de início do ano. Ela falava com tanta ênfase do carinho e cuidado com o molho, com o tempero de véspera, que eu nem precisaria comê-lo, minha alma já estava saciada de tanto carinho recebido.
Faça à sua maneira um carneiro para quem gosta. Para quem é importante em teu viver.
Andamos carentes de nos sentir importantes, não no sentido material, mas importantes no sentido afetivo. De nos sentir amados, acarinhados. Andamos muito secos na correria dos tempos atuais e luta pela sobrevivência. Estamos desaprendemos a dar carinhos ao outro. A fazer agrados, e pequenos gestos de entrega e doação para ele.
Fazer o outro sentir-se gente, valorizado, reconhecido exige depreendimento, renúncia, altivez. Exige esforço.
Amar exige esforço.
Exige preparar de véspera o carneiro, deixá-lo temperando em vinha d´alhos.
Exige buscar ervas aromáticas que combinem com o gosto e faze rum suculento molho para assá-lo nele.
Exige treino, dedicação, comprometimento com o gesto.
Mas, sobretudo, exige verdade e genuína oferta de si mesmo.
Quem estará esperando esse prato em seu viver?
Quem precisará sentir-se vivo, presente, amado em tua história de vida?
Quem estará sedento e com fome de carinho, afeto e sentimentos de cumplicidade,
tão carentes em tempos de cataratas das retinas da alma,
que causam a indiferença para com as coisas do outro - tão próximas e belas que acabamos por tê-las como invisíveis ou que não necessitam e carecem de um:
Muito obrigado. Ou um:
Valeu por existir!.

Que biju, banho, inseto de olhos verdes e carneiro deliciosos!

Que primeiro dia do ano tão pleno em diálogos de meu ser que ora compartilho.

Feliz 2014!

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