Poetizando a vida.


Na praça uma Mãe em bronze exalava um aroma de paz.
Muitos passavam e detinham-se, frente à beleza da estátua que mais parecia falar.
Corações contritos, emudeciam e oravam.
Na esquina, uma loja de cosméticos e cremes para cabelos, apinhada de mulheres que procuravam uma última loção para a virada do ano.
A vendedora notou meu assombro, olhando tantos e diferentes produtos, e disse-me: “mulher gosta de beleza...”
É, e homens também.
Todos gostamos, desde as cavernas com suas pinturas.
Que bom!
O comércio está em fervorosa pressa.
Afinal, faltam 8 horas para a virada e todos ultimam detalhes.
Saindo da loja, um tanto aturdido, com a visão de uma miríade de produtos que nunca tinha visto, cruzo com um vendedor de “pra que isto”.
Ele vendia um boneco que ao ser soprado, dele saía bolhas de sabão.
Observei-lhe por um momento. Nenhum cliente. Estava só.
Crianças rareiam nessa tarde do ano, no comércio.
Devem estar dormindo em casa, para que aguentem a virada acordadas.
Lá em casa nos davam uma tal de sangria. Uma mistura de vinho e água.
Pronto, dormíamos “embriagados”. O sistema era bruto.
Aproximo-me dele e falo: Quem inventou esse mecanismo diferente de soprar o balão, daqueles que conheço.
Ele estranha a pergunta e solta um:
Custa RS 6,00. Tem do Patati Patatá, do Bem10, da Galinha Pintadinha.
Compro a galinha, combina mais com as festas de final do ano.
O calçadão do Centro de Londrina está vazio, perto das 15hrs de 31/01/2013, coisa rara.
As lojas apressam-se em cerrarem as portas.
Todos correm.
Voltando para casa dos parentes, e chegando perto do carro, um senhor me aborda:
Gosta de poesia?
Trata-se de um tipo esguio, com olhar manso e penetrante, e com um pacote de panfletos em sua mão.
E, neles impressos suas poesias.
Digo que gosto e ele me dá uma.
Pergunto-lhe quanto é.
Ele me diz: qualquer coisa!
Qualquer coisa?
Quanta honra e dignidade daquele ser!
Sabe que o valor de uma poesia é o outro que dá, e o maior prêmio pra ele não é apurar dinheiro, é distribuir suas poesias, mesmo que seja ao preço de “qualquer coisa”.
Sinto isso com meus livros.
Fazia tempo que não ouvia isso. Pago-lhe R$ 5,00 por um panfleto poético, no qual suas poesias viajam mundo afora.
Ele me conta que atua “no ramo” há uns 20 anos. Sempre no mesmo ponto.
Que abandonou o curso de direito, e o movimento estudantil, e foi viver literalmente de poesias.
Chego em casa.
Aquele poeta causa turbilhões em meu coração, tenho que escrevinhar as letrinhas, debulhar sentimentos.
Olho para a mesa que espera a virada, agora distando 4 horas e vejo em que a combinação de guardanapos de papel de cores diferentes, um ramo de ficus, uma florzinha do campo violeta que brota na calçada, e um cordão, causaram na estética do belo, do arranjo dos pratos.
A beleza do místico, a beleza do corpo, a beleza da arte e a estética de um arranjo simples me falam à 2014.
Encantado com tanto belo, em formas e linguagens diferentes, leio uma das poesias do Fábio Evans, muito apropriada para o dia da muda:

"Confecção do Ser

A dor não diz bom dia
O cotidiano não diz bom dia
A esferográfica não diz bom dia
O granizo do seu beijo não diz bom dia

Quem diz bom dia
É a poesia
Curando a dor
No cotidiano de luas
Esferográfica testemunha
Do granizo
Das bocas nuas"

A poesia elevou meu coração. Vejo luas cheias estimulando almas cansadas. Eternizando momentos, falando mansinho: Bom dia!
Obrigado poeta de esquina de rua de cidade grande. Que sabedoria!
A poesia é quem transcende a realidade.
A poesia é quem nos liberta das amarras de destinos partidos, de vidas aflitas, de dias sem luz.
A poesia chega, invade, faz-nos orar, faz-nos procurar um produto de beleza para nos sentirmos melhores; faz-nos arrumar uma mesa com ramos de flores e folhas, moldando num simples guardanapo de papel um infinito particular.
A poesia ama, perdoa, faz-nos soprar bolhas de sabão numa manhã de sol.
E, ao acompanhar a trajetória das bolhas, brincamos de adivinhar para onde irão ao sabor dos ventos. Não nos cansamos de admirar sua formosura.
Cultue o belo em 2014.
O belo é irmão do bom, primo do justo, filho do ético.
Cultive um jardim interior, pare mais para contemplar florezinhas, beija-flores, entardeceres.
Luas cheias de amor.
Traga um raminho de folhas e algumas florezinhas do campo e enfeite seu ser interior, e seus amados.
Mire seu olhar, vez por outra, no eterno que mesmo entre brumas difusas faz-se presente, às vezes até sem ser notado.

"Quem diz bom dia
É a poesia
Curando a dor
No cotidiano de luas
Esferográfica testemunha"

Se tiver dúvida, não desespere.
Todos temos as nossas, só que fingimos melhor, e em alguns momentos.
Se tiver decepções, ou causar, perdoe-se primeiramente. Depois tente restabelecer as conexões desgastadas, usando a força do amor.
Nada dura mais do que que um abraço amoroso, nada acalma mais um ser amedrontado do que um: eu gosto de você, ou, eu torço por você.
Se andas triste, pessimista com o que vem por aí. Lembre-se da poesia, ela cura a dor e anuncia coisas novas e a boniteza da vida.
Se nessa noite sente-se deslocado, estranho, e quer fechar os olhos e só acordar amanhã, tenha calma é só um rito universal. Muitos também sofrem nessa noite.
Saudades, lutos, incertezas, ansiedades... tudo vem embalado em retrospectivas nem sempre fáceis de serem processadas e relembradas.
Repito, tenha calma, você não é o único. Apenas acredite: o belo vence. O bom sara, liberta e transcende.
O raminho de folhas e as flores transformarão você num arranjo único.
Assim será em sua vida, quando menos esperar flores e ramos estarão novamente a enchendo de sentido, de luz e esperança em recomeçar, de soluçados sobreviveres.

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Seu comentário é uma honra.

Crônicas Anteriores