Acorda, venha olhar a lua.

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Os céus declaram a glória de Deus e o firmamento anuncia a obra das suas mãos. Um dia faz declaração a outro dia, e uma noite mostra sabedoria a outra noite. Salmo 19,1-2
O domingo começou de forma especial.
Na feira livre, ganhei de um feirante um quilo de tomates do campo. Em retribuição, comprei-lhe rapadura. No seu vizinho, paguei o fiado do Guiné do domingo anterior. Ter um lugar que confie a nós um fiado é uma honra e raridade.
Deixei o Guiné descongelando, para fazê-lo mais tarde no almoço. O prato do dia será um Arroz de Capote. Capote, Guiné, Cocá, ou Galinha D´Angola, tudo sinônimos da mesma ave. Deliciosa e exótica.
Naquela manhã, tudo respirava paz, coroando-a com o tradicional pastel com caldo de cana, na La Deisy. Com direito a foto das simpáticas proprietárias.
Chegando em casa o calor estava insuportável.
Liguei os aspersores do pomar, mas de nada adiantaram. Muito seco aqui em Brasília, calor e baixíssima umidade.
No fogão o Guiné pegava gosto no refogado.
JG, com nariz tampado, mexia a panela.
Ele tem olfato sensível a aroma mais fortes.
No paneleiro, jazia nossa antiga bacia, um dos tantos artefatos que usei para banhar o João Gabriel (JG) quando pequenino.
Eu, a bacia e o JG trocamos olhares cúmplices.
Resgatei-lhe do alto do suporte de panelas, local que botamos aquelas que delas vamos nos esquecendo com o tempo.
Colocamos a bacia embaixo da sombra da mangueira e a enchemos com água. E começou a festa.
Era banho de mangueira, agora a de água e banheira de bacia.
Viramos crianças libertas pela água e brincar.
Tudo foi se encantando numa magia e mística do encontro. Para culminar alguns de meus filhos, nora e genro estavam conosco.
Era felicidade demais.
Mas, já não temo que acabe. Antes temia, ficava ansioso. Pensava: “está bom demais, virá desgraça. Ou, “o que é bom dura pouco”.
Agora, curto o “enquanto dura”. Presto atenção a tudo e saboreio no silêncio de meu coração, galvanizando o momento, eternizando emoções.
Agora, a degusto e a guardo em imagens, como quem faz conservas para depois, conservas emocionais, para consumi-las em tempos mais escassos.
Antigamente vivia esses momentos sem prestar atenção neles, como se fosse fácil repetirem-se, depois de quase 51 no lombo, aprendi que nem sempre voltam.
Então, agora não temo mais que acabem. Simplesmente, abro-me e permito-me ao seu assombro, ao seu encantamento, e ao seu louvor ei de cantar meu canto, como diria o poeta.
À noite senti saudade de meus pais, é perto das 18h15min, estou pronto para ir à Igreja, coroar um dia de muita luz.
Quem atende é a Guia que logo me pergunta se já fotografei a Super Lua. Solto uma brincadeira qualquer, mato a saudade de meus pais e desligo.
Aí uma força me faz olhar pela janela da cozinha. Uauuu!!!
Está linda. Corro e troco as lentes da câmera, rezando para ter bateria. Sim, ainda tinha um pouco. Fiz umas fotos, e selecionei uma delas para compartilhar na rede.
Gosto de luas cheias.
Algo naquela foto me marcou, estava diferente. Seu romance com o sol estava descarado.
Então seguimos para a igreja metodista.
Lá, fiz mais um monte de fotos para o amigo Pastor André colocar no blog, e até pequenos vídeos fiz. Não precisaria mais da bateria. Carregaria em casa.
Durante a celebração, a Rebeca me perguntou seu eu faria a foto da Lua de Sangue. Eu respondi que já tinha feito. Ela fez cara de espantada, dizendo-me: Mas como? Ela já saiu? Eu disse: sim, fi-la às 18h45min. Ela olhou-me assombrada.
Na hora, não entendi nada de seu espanto.
Na saída da igreja fomos tomar sorvete, era 21hrs.
Chegando em casa, perto das 22hrs, acesso minha página.
Vou lendo os comentários na foto da lua que postei. Aí o milagre da Lua de Sangue aconteceu em meu viver.
Leio um comentário na foto do amigo Sergio Souto: “E já me antecipando, vai uma do eclipse !!! Pena que é da internet “.
Na cidade em que ele mora chovia.
Leio aquilo e um insight, em forma de anjo, sopra em meu ser.
“Venha ver o eclipse da lua”.
Não tinha lido nada sobre o tema. E, nas outras vezes que falavam de eclipses sempre me frustrava e não via nada.
No final de semana quase não acessei a rede, com festinha de aniversário, sessão Série de TV dobrada e o Guiné.
Então, abri a porta da cozinha e olhei para o céu. Estava límpido, nenhuma nuvem, nem nevoa seca, ou fumaças de queimadas, tão comuns nessa época pelas bandas do planalto central de meu Brasil.
A noite estava perdidamente nua, languida e entregue a imensidão do céu.
Em seu regaço as estrelas deitavam-se manhosas.
Olhei para a lua e não notei nada de estanho.
Só uma ponta de nuvem.
Uma pontinha que a encobria do lado direito.
Vou voltando para a cozinha e algo me diz: “vai lá rapaz, olha novamente”.
Olho por uns 5 minutos e a pontinha não sai do canto. Se fosse nuvem sairia, ou alteraria a forma.
E não há nuvens.
Desconcerto-me, bambeio as pernas, queria chorar: era ele, ali na minha frente, fenomenal, o meu primeiro eclipse!
Corro e chamo o JG e a mulher para verem da varanda. Deito-me no chão com eles.
Mas, eles são tomados pelo sono e logo voltam para o quarto.
Desço da varanda e vou para o jardim. Forro com o cobertor uma área calçada, abro um vinho, e fico deliciando-me com o fenômeno.
Lentamente ela vai cedendo ao sol, deixando-se ser encoberta por ele.
Uma cena que me conectou às coisas do alto.
Agradeci a maravilha da natureza, e o fato ter sido chamado para presenciar aquele fenômeno.
Se não lesse o post, se não tirasse a primeira das fotos, estimulado pela Guia.
Se... se... Se acabasse a bateria... se chovesse...
Se não tivesse me rendido a continuar tentando impostar as notas de meus alunos, pelas 21h50min, brigando com o sistema da faculdade que teimava em sair do ar.
As muriçocas querem estragar meu eclipse. Nada que um banho de repelente não resolvesse.
O céu virou um grande observatório, limpo, esplêndido e magistral.
Vou captando cada centímetro de lua que se vai, até virar a lua de sangue.
A lua eclipsada, mas que mesmo assim não perde seu fulgor, ela está ali, é só prestar atenção, apurar a lente e focá-la.
E agora, dormir ou esperar. Quanto tempo passaria encoberta?
Ah! Gente, ontem não era noite de dormir. Teria a vida a frente inteira para isso.
Boto mais umas doses de vinho e miro estrelas, resoluto, esperando que a lua volte a resplandecer.
Perto das uma da manhã ela vem voltando. Mansamente, pelo mesmo lugar que começou a se ir, da direita para a esquerda.
Deu a volta sobre si e aconteceu novamente.
Tudo fez sentido.
Somos tão frágeis, tão pequenos, poeirinhas cósmicas num universo tão belo.
Hoje à noite choveu muito aqui em casa, agora mesmo escuto trovões e vejo relâmpagos e raios.
São as primeiras chuvas, após quatro meses de seca. Se ontem fosse hoje, jamais veria um eclipse aqui.
Sergio Souto não viu o eclipse. Chovia na cidade dele. Mas, ele moveu a eternidade a meu favor. O eclipse dele nasceu na minha vida.
Nunca esquecerei, aquelas três horas de comunhão com a lua, o sol e Deus.
Descobri o mais importante, pelo mesmo lugar que nascem as trevas, far-se-á a luz.
Sim amigos, essa foi minha descoberta. A luz arrodeia as trevas e a surpreende pelo lado de lá, o mesmo onde fora golpeada.
Eu queria saber por onde viria a luz novamente, ao recuperar-se de seu eclipse, e vi que voltou pelo lugar de onde partiu.
Entenderam?
Pela mesma área onde ela foi perdendo a luz, quando resgatada de sua potencialidade, foi por ali que ressurgiu. À direita da lua cheia.
Que ensinamento. Para momentos de “cansamentos”, de aflições, nos quais nos sentimos sozinhos, desamparados – no escuro de um medo que tudo imobiliza.

Pois bem, é ali mesmo, naqueles momentos, que digo e repito com fervor: passarão.
A luz vem a galope resgatar nossa vida vazia, sem tom, sem sabor, sem fulgor.
É só confiar e continuar esperando, agindo enquanto espera, não vá dormir.
Ela já vem lá, arrodeando o astro rei, em nosso socorro.
Aguarde tempos melhores lutando por eles, preparando-se para recebê-los quando chegarem.
Se eu fosse dormir, após o eclipse total, jamais saberia ou testemunharia por onde a lua renasceria, qual uma fênix de esperanças vadias.
Desista ainda não, amigo ou amiga, por maior que seja a dor, o luto e breu em seu viver.
Acredite, o sol está só encoberto. É uma fase.
Hoje cantei aquela canção “”de repente fico rindo à toa sem saber porque...”
Era risada de eclipse, de bem com a vida, com as mesmas ou maiores preocupações cotidiana, mas estranhamente eu sentia-me potente, rejuvenescido.
Aprendi a lição maior do Eclipse. A luz voltará. Só espere um pouco mais. Só confie.
Acalma seu coração e aguenta firme, antes de raiar de um novo dia o eclipse em teu viver será dissipado.
Movida pela luz da esperança, a luz contornará as trevas e voltará a habitar em nosso viver, sempre, a qualquer hora, e até em dias encobertos por melodias sentimentais.
Deixo-vos com Villa Lobos, e a música título dessa crônica, com letra de Dora Vasconcellos, e sugiro pegarem com a interpretação de Zizi Possi.
Melodia Sentimental
Acorda, vem ver a lua
Que dorme na noite escura
Que surge tão bela e branca
Derramando doçura
Clara chama silente
Ardendo meu sonhar
As asas da noite que surgem
E correm o espaço profundo
Oh, doce amada, desperta
Vem dar teu calor ao luar
Quisera saber-te minha
Na hora serena e calma
A sombra confia ao vento
O limite da espera
Quando dentro da noite
Reclama o teu amor
Acorda, vem olhar a lua
Que brilha na noite escura
Querida, és linda e meiga
Sentir seu amor é sonhar.

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