Cartas ao JG - Guiné para um.



Ao meu lado, uma “flor de algodão” recém colhida. À minha frente, um João de Barro ciscando entre folhas, tomando seu café da manhã. Todos precisam de espaços para criar infinitos particulares. Esse espaço, ao lado da horta do Cond. Ouro Vermelho é o meu. Um verdadeiro refrigério. Escuto o som dos pássaros, à minha esquerda corre por cima do muro um casal de saguins. A mesa na qual escrevo é formada por dois troncos de madeira, empilhados.
Do lado direito, a horta de Sr. Waldir, meu amigo de todos os sábados. Que já me presenteou com suculentas rúculas e pimentas de cheiro. Hoje, comentei com ele que no domingo passado fiz um Guiné na cozinha. Ele babou. Disse-me que com arroz fica muito bom.
E foi o que fiz: Arroz de Capote. Capote, Guiné, Cocá, Galinha D`Ângola tudo são sinônimos da mesma ave, uma prima distante da galinha.
Comprei meu Guiné do Sr. Waldyr, na Feira de São Sebastião. Comprei fiado, no domingo retrasado. Ele disse-me que eu pagaria depois, confinou em mim. Sr.Darcy é aquele feirante amigo, o avô do Erick, aquele seu amiguinho da cadeira de rodas motorizada.
Domingo passado chegamos em casa excitados para cozinhar. Você gosta de mexer a panela.
Fica em cima de uma cadeira, todo concentrado.
Corte a ave em pedaços menores, deixei pegando tempero de cominho, limão e sal.
Fiz um refogado com muita cebola, alho e tomate e coloquei a bichinha para dourar.
Você tapava o nariz, ao mexer a panela de barro. Está no DNA, assim como teu irmão Rodrigo, você tem sensibilidade a aromas fortes.
A hora do almoço chegou, tirei a ave da panela, coloquei-lhe em vasilha bonita e esperei a degustação.
Você foi o primeiro que pulou fora: “Não vou comer isso não”.
Aí foi seguido por Rodrigo e Andreza; Por Hugo e Priscila e por Cristina.
Ninguém queria encarar aquela carne de cor escura, diferente da cor da galinha.
Fiquei por uns minutos passado. Um tanto decepcionado e triste.
A sorte foi umas costelas de porco que tinha descongelado para petisco. Elas viraram o carro chefe do almoço.
Você JG ainda ficou tirando onda dizendo que fedia. Fedia nada.
Guiné é uma iguaria, apreciado nos quatro cantos do mundo, com gosto semelhante ao faisão.
Tinha colocado tanta expectativa naquele prato, e por duas semanas já vinha saboreando antecipadamente o momento, curtindo.
Então ativei meus anticorpos emocionais para deter aquele princípio de infecção de rejeição.
Um deles é a contestação da crença. A crença, é aquela vozinha que afirma com convicção algo, sobre algo que ocorreu. Deixa eu te explicar melhor: olha a minha vozinha daquele domingo:
“Bem que eles podiam ter se esforçado e comido um pouco. Um trabalhão que tive, além de ser uma carne cara. Eles nem provaram, como é que dizem que é ruim? Devo ser mesmo um péssimo cozinheiro. É Ricardim, você não foi reconhecido, não foi considerado, amado”.
Percebe filho a tendência a catastrofixação?
Palavra que inventei para denominar as crenças que alimentamos sobre o que ocorre conosco, e as generalizações que após o acontecido vamos tecendo.
Cuidado. Isso é muito perigoso.
Conteste suas crenças sobre como você interpreta os fatos que lhe ocorreram.
Discuta com você mesmo. Repreenda essa vozinha.
Não é porque as pessoas não comeram seu Arroz de Capote que elas não gostam de você.
Outros pratos que já fez elas comeram.
E outros haverá de acontecer vida afora.
Repreenda pensamentos negativos e excessivamente críticos sobre você mesmo, a vida e os outros. Verá que a vida ficará mais leve, feliz.
Utilize o humor para rir de você mesmo, e da situação. Permita-se novas vistas de um ponto sobre o acontecido, discutindo com seu interior, sempre dizendo a si mesmo: Será mesmo que o que estou pensando é o mais correto... e se?
Foi o que fiz.
Agora teria uma panela de guiné para comer sozinho. E tome guiné. Comi a metade, deixei o resto para a semana.
Na segunda, tomando o café para ir trabalhar, disse a Cida que tinha cozinhado um Guiné e que a metade dele estava na geladeira, pronto pra ela deliciar-se com ele no almoço.
Cida é a senhora que trabalha em nosso lar, ela é da Bahia.
Cida respondeu-me: “Deus me livre comer aquilo. ”.
Cai na risada, ela não entendeu o contexto.
Filho meu, aprenda ativar seus anticorpos emocionais para poder viver. Não se leve tão a sério, ou as coisas que lhe acontecem.
Nada é para sempre. E, nem sempre tão dramático como pintamos.
Vivemos muito esperando ser admirados, valorizados, reconhecidos. Ficamos esperamos que algo que façamos gere um gesto de gratidão do outro, para conosco.
Terceirizamos muito nosso bem-estar. É como se fosse condicionando nossa felicidade a ser aceito, a não falhar, a ser estimado.
E aí carrega-se nas tintas da expectativa, procurando razões – e o pior achando-as, para ser infeliz.
Comi aquele guiné no domingo, segunda e terça com prazer enorme.
Era meu guiné.
Estava delicioso. Me satisfez.
Guiné para um, por favor.
Foi assim que senti a cena. Não espere demais das pessoas, não julgue demais.
Desenvolva a autoestima, encontrando espaço para o prazer e o cuidado de si mesmo também. Noutros tempos, eu teria perdido o almoço. Feito um dramalhão mexicano.
Ficado emburrado, amuado, triste num canto. Me chicoteando com todo tipo de emoção negativa.
Aprendi que só eu teria perdido, caso fizesse aquilo.
Perdido as boas vibrações de um almoço de domingo em família, cada vez mais raro de acontecer, pelo crescimento dos filhos e a manifestação de suas agendas próprias e legítimas.
Fazer coisas só para esperar ser percebido, aceito ou estimado é um grande erro comportamental.
Não lhe digo que não deve ser bom, acolher e agradar a todos. Digo-lhe que não deve fazer isso esperando receber afeto.
Eis que se aproxima de meu “escritório” o Sr. Waldir. Adivinha o que ele fez JG?
Ele me presenteou com maxixes fresquinhos: “Olha aqui, para você comer com o Guiné”.
Parece que adivinhou.
Talvez todo esse prato que cozinhei tenha sido preparado na cozinha do infinito apenas para esse momento. Quando cheguei na horta do Sr. Waldir, hoje pela manhã, comentei que tinha feito um capote.
Agora, ele vem e me presenteia com um “buquê” de maxixes para meu Guiné.
Receber essa doação dele, de coração tão terno, meigo e alegre por me presentear só foi possível pelo “fracasso do guiné”.
Entende filho, como a própria vida vai acertando o passo, o compasso, alterando a partitura do viver, mas sem sair do ritmo.
Não olhe para o que não deu certo. Aprenda com o fato. Cresça. Mas não fixe o olhar nas preocupações, aflições e dores do viver. De qualquer natureza. Aprenda a perceber o que ainda está legal.
Que pode estar passando despercebido na tua vida pelo excessivo foco no que lhe falta.
No que lhe fez infeliz. Cuidado para não aprender a ficar desamparado, a bancar a vítima para receber afagos.
Se não gostarem de seu prato, coma você mesmo. E o saboreei com prazer. Isso valerá para muitas coisas no teu viver. Não exclua de teu caderninho quem não gosta de comer guiné. É direito deles. Nem todo mundo atenderá ás nossas expectativas e nem por isso serão más pessoas.
Pense logo num plano b, quem sabe descongelando às presas um outro tipo de carne, ou fazendo uma omelete.
Você entendeu a metáfora?
Talvez um dos maiores ensinamentos que lhe deixo seja esse: na vida, aprenda a se dar valor, a gostar de si mesmo, a também apreciar um guiné sozinho. Aprenda a estar só, consigo mesmo, mas em paz e feliz. E, paradoxalmente, nunca estará só.
Querido JG, aqui no meu escritório, entre matas de cerrado, escutando ao longe a algazarra do futebol, escrevo para ti. Registro para não esquecer, registro para que me acompanhe tempos depois quando esses escritos fizerem sentido em teu viver.

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