Cartas ao JG - Volte ao jogo.


Cheguei ao treino de futebol a tempo de ver o final do amistoso que disputava. Teu time perdia por 3 x 2, mas num ataque felomenal um atacante fulminou a trave adversária e empatou. Tu vibrava, ali no gol.
O juiz e técnico ao mesmo tempo avisou que faltavam 2 minutos, caso empate iria aos pênaltis.
Teu amigo o Gustavo jogava no time de camisa, tu no gol dos sem camisa.
Eis que um ataque inimigo segue em direção ao teu gol. Tu estás bem posicionado, olha para a bola que o atacante chuta um tanto sem jeito, ela vem devagarinho, manhosa, tu se ajoelha para pegá-la entre as mãos, eis que ela pega um efeito e você erra o ponto em que a encaixaria, ela entra devagarinho ao teu lado.
O time adversário comemora como uma final de copa, é 4 x 3.
Você levanta-se do chão, incrédulo. Não olha para nenhum dos jogadores de teu time. E abraça a trave chorando.
Um dos atacantes de teu time corre em tua direção, e te consola. Um cena que nós, da torcida dos pais, choramos juntos ao vê-la.
Ainda resta um minuto, o tempo de um ataque de teu time. Em vão. O jogo acaba. Você vem até mim cabisbaixo, os amigos tentando te consolar.
Alguns pais ficam emocionados ao vê-lo.
Seguro as lágrimas.
É hora de te ensinar algo.
- Filho, um verdadeiro homem se mede pela capacidade de se levantar, após tomar um frango, e continuar no jogo.
Você não entende muita coisa.
Então, aproveitei a vinda para casa, e que vocês estavam no porta-malas do carro, você e Gustavo, e ensinei-lhes a arte de bater a poeira, enxugar as lágrimas e, mesmo contrariado e triste, continuar no jogo da vida.
Impressionante ver o respeito do Gustavo, que mesmo vitorioso, "empatizou-se" com tua dor. Belo garoto e lição.
Tenho muito medo de quem cria filhos para sempre serem os maiores, melhores e os primeirões em tudo.
Não filho meu, aqui em casa está liberado levar um frango no gol da vida.
Entendeu?
A única coisa que nunca permitirei, em filho nenhum meu, é ficar deitado no gramado, desconsolado, ou chorando no pau da trave, enquanto o jogo prossegue.
Nunca faça isso. Chore só o tempo do juiz recomeçar o jogo.
Não fique bancando a vítima, ou tendo pena de si mesmo. Nem se cobrando demais.
Foi um vacilo aquela bola? Foi. Foi constrangedor o frango? Foi.
Errou ao preparar-se para agarrar aquela bola muito confiante, até subestimando o adversário que errou o chute, saindo a mesma mansinha? Errou, faltou-lhe humildade.
Mas é o teu frango, e ninguém estará ali naquela hora para sofrer aquela tragédia por ti, a não ser você. E, se for esperto, tirará aprendizados dele, úteis numa próxima jogada.
E, ninguém te levantará também, caso não queira você mesmo erguer-se dela.
Mesmo teu amigo te apoiando, lembra? Esse da pulseira vermelha. Foi ele quem te consolou. Ainda assim você continuou vertendo lágrimas e sem querer mais agarrar. Foi preciso eu te orientar da torcida, para voltar ao gol: "Bora JG, fica no centro da barra, ainda tem jogo."
Tem muita gente adoecendo por sempre esperar para ser feliz "quando". E o "quando" chega e a ele se acrescentam outros "quandos", e a pessoa vive a vida sempre na provisoriedade, nunca sente-se completa, em paz e feliz.
Quando eu virar o jogo. Quando eu não tomar um frango. Quando eu mudar de cidade. Quando eu mudar de emprego. Quando eu mudar de namorada.
Quando... quando... quando...
Quantas crianças dariam a vida para estarem no teu lugar, jogando num campinho transado, uniformizados, com arquibancada e até um técnico?
Na hora que acontece um revés em nosso viver, tipo levar um frango numa bola tranquila, quando todos esperavam que você agarrasse a mesma e o jogo acabasse; tudo cega e num turbilhão de emoções nos esquecemos de outras coisas bacana. Como o fato de estar no próprio jogo.
Conheço um bocado de gente que se sentiu preterida por não ter sido indicado para um cargo superior e quer desistir do jogo.
Outras que se deram mal numa relação a dois, e querem sair de campo.
Nunca faça isso. A vida não acontece no quando.
Acontece no como.
Como contabiliza as sobras que ainda tem, apensar do frango que levou.
Afinal, sábado que vem terá nova partida, por que desistir agora?
Esse final do ano está sendo especial para mim, você e seu irmão mais velho, o Tiago.
Todos nós estaremos mudando de local e funções no trabalho e escola.
Sua escola fechou, a Monteiro Lobato, e você irá para o Sagrada Família, não terá nenhum dos amigos que desde quando tinha pouco mais de 1 anos estudava, ou brincava, com eles.
A mesma coisa com seu pai, que assumirá um posto executivo numa das Controladas do BB.
Saindo da Diretoria de Tecnologia, na qual desde 2008 fiz um monte de amigos.
E a mesma coisa para o Tiago, que assume uma nova função na CEF.
Levaremos alguns frangos, em nossa adaptação. Ninguém chega sabendo, em lugar algum.
Errar, tropeçar, ter crises de adaptação, dias melhores, dias piores, faz parte do processo da mudança.
O novo assusta, é como só ter um minuto para virar o jogo.
Será que daremos conta?
É o que dizemos ali no pé da trave, chorando os que ficam, e o que fica,aquilo com o qual nos acostumamos. Será que daremos conta.
Mas, não há crescimento sem perda, sem desapego, sem o vôo de gaiolas reais, ou imaginárias.
Largar o pau da trave e retornar ao jogo é fundamental.
Tudo será conquista para ti. Poderá sofrer buling, poderá causar estranheza, "quem é esse novato que chega no II Fundamental?"
Poderá até sofrer agressões, por ser tão doce e de paz.
Atravessaremos juntos essa adaptação ao novo. Também a estarei vivendo em meu viver. Então, nos daremos forças.
Não poderei viver tuas novas aulas por ti. Esse é teu cálice, terás que beber.
Mas lembre-se: em todos os lugares há pessoas como teu amigo Gustavo, que mesmo tendo ganho o jogo entendeu teu sofrer e recolheu o júbilo da vitória.
Ou como aquele único atacante de teu time - o da pulseira vermelha no punho, aquele que nem esperou a bola entrar em jogo novamente e saiu de sua posição, agora super cobrada para um empate, e foi te consolar.
Estas pessoas existem em todos os lugares, procure-as. Elas nos ajudarão nas adaptações a processo de mudança.
Com elas fica mais fácil e melhor superar as dificuldades da vida.
Mas, se não enxugar as lágrimas, morder a língua e ousar recomeçar; mesmo com toda, e apesar da dor, tudo será muito, muito, mais difícil.
Esteja pronto para novos frangos e gools. Um dia agarrará uma bola difícil e ficará exultante, noutro perderá de pegar uma facinha, e ficará chateado, mas não é disso que é feito o sabor da vida, ele é feito de sentir-se no jogo, independente da posição, jogada, fracasso ou vitória.
Um dia entenderá.

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