E essa tão falada Geração Y




Tenho lido textos, e mais textos, além de tendenciosas pesquisas censitárias sobre as características dos jovens da badalada “Geração Y”. Geração Y é um termo muito abrangente, criado por consultores, marqueteiros de plantão, e livreiros de auto-ajuda corporativa, designado para definir um saco de gato de características socioculturais dos nascidos de 1980 à 1993, os anos dourados da WEB.
Essas características são quase sempre descritas em tons pejorativos, beirando ao assédio geracional.

“Assédio geracional é, portanto, toda forma de preconceito, ou rotulação, aos nascidos em determinada década, imputando-lhes características homogêneas, como se fossem objetos de uma linha de produção, padronizados e com tudo igual: valores, jeito de ser, pensar, agir e representarem-se a si mesmos - como um coletivo grupal. ” By Ricardim

As razões de minha indignação derivam da convivência familiar, social e profissional com os nascidos neste período.
Tenho três filhos nascidos entre 1982 e 1992. Sou professor de inúmeros jovens que se situam nessa faixa etária, dos 23 aos 33 anos. E fui gestor de um programa de trainee que já recebeu mais de 1.000 participantes, sendo 70% do grupo dessa faixa etária.

Quais os principais rótulos preconceituosos.

Geração Y, ou Cultura Contemporânea – Na sociedade da tecnologia comunicação, a cultura midiática é transmitida de forma muito mais ágil do que nos tempos de nossos avôs. Um vídeo com um novo estilo visual pode tornar-se viral na WEB, e logo, logo será assimilado por milhões de pessoas em todo o mundo. Assim sendo, falar em hábitos geracionais é incorrer num erro de segregar pessoas em estilos de vida, desconsiderando que a cultura dominante é disseminada para todos os que naquela época vivem, leem, navegam pela web, veem filmes, escutam músicas, ou simplesmente se divertem.
Conheço octogenários que pedirão aos seus filhos de natal, celulares que peguem o “Uót” para falarem com a família e amigos. As pessoas aprendem valores de suas épocas. Mas, mesmo assim, nem todas do mesmo jeito, ou da mesma tribo.
Assim sendo, toda forma de botar em caixinhas os jovens é uma forma de isolá-los num conjunto uniforme. Desconsiderando que todos nós somos permeáveis aos novos hábitos e comportamentos sociais. Além do maior erro, considerar que tudo funciona como numa linha de produção. Não aceito o termo geração y. Prefiro cultura contemporânea, ou Zeitgeist.
Zeitgeist significa espírito de época, espírito do tempo ou sinal dos tempos. É uma palavra alemã. O Zeitgeist é o conjunto do clima intelectual e cultural do mundo, numa certa época, ou as características genéricas de um determinado período de tempo.
Os jovens são descomprometidos com o trabalho – Pelo menos uns 1.000 que conheço são muito comprometidos. Acordam cedo, cumprem metas, entregam resultados, e ainda estudam à noite para se aprimorarem um pouco mais. De quem estão falando mesmo?
Os jovens só pensam em cargos e não se esforçam – Será? Será que os de cabelos brancos não pensam em cargos também? Não pensam em melhorar seu padrão de vida e subir na cadeia alimentar das organizações do trabalho. Veja por exemplo as concorridas seleções para executivos seniores.
Convivo com jovens que tiveram processos seletivos adiados por um ano, processos já marcados no calendário, e nos quais poderia concorrer, e nem assim ficaram desmotivados ou pararam de se esforçarem. Conheço jovens que abriram mão de ganharem mais, para ficarem em áreas de sua vocação.
Gente carreirista existe desde que se criou a primeira organização de trabalho do mundo. Gente que não quer se esforçar e quer chegar na janelinha, como prêmio, existe desde que o mundo é mundo. Tem um bocado de “Baby-boomers”, nascidos de 1946 à 1964, como os consultores das idades geracionais me chamam, que só quer moleza. Que só quer uma boquinha, um emprego e que de preferência não precise bater ponto. Então o fenômeno é dos jovens ou de parte do coletivo social?
Os jovens não têm valores – Os que convivo têm e um monte. E dos bons. Faz parte de nosso programa de trainee o envio de três fotos sobre os melhores momentos da vida deles. Dos 800 jovens que se situam na badalada geração Y, as fotos mais comuns dizem respeito ao nascimento de seus filhos, ao casamento, ao dia da posse no Banco, as das formaturas, a dos amigos e a de seus pais. Só aqui já temos o valor dos estudos, da família, da amizade e do trabalho. De que valores mesmo estão falando que eles não têm? A gentileza só anda em falta nos nascidos de 1980 a 1992? A solidariedade, a bondade, a gratidão, a ética, a disciplina, a justiça e a paz – idem. Ou temos tido um déficit de valores, independente do ano de nascidos. Conheço pequenos jovens, de 15 anos, tão competitivos e pouco cooperativos, como outros quaisquer, da contemporaneidade. Conheço meu povo de cabelo branco, tão agressivo, tão egoísta, como os de anos anteriores. Será a data de nascido, ou não será um comportamento social perverso, o dos tempos atuais, carente de valores mais nobres?
Não vou me alongar. Antes de jogarmos a primeira pedra nos jovens, que tal olharmos a nós mesmos naquilo que dizemos que neles está em falta?
Os tempos presentes são quem produz uma série de comportamentos culturais perversos, a que todos estamos imersos, e que só vamos lutar contra eles num processo de autonomia cultural que só a educação promove.
Por último, escuto gestores de minha geração dizendo que seus jovens funcionários não querem nada com o trabalho.
Mais uma vez, será? Conheço um monte que se dedicam muito mais do que os de minha idade. Um monte. Mas, será que o que estão em busca mesmo não é de um líder que os mobilizem, que neles desenvolvam o potencial humano. Será que não estão mais informados e críticos e sabem avaliar-nos rapidamente, até por comparações e outras referências a que têm acesso, conectados que estão?
Será o que todos estão buscando não é na verdade um sentido para suas vidas? E se frustrando, ao verem que lhes são negadas essas oportunidades? No trabalho, na escola, na sociedade...
Ou, verem no dia a dia suas expectativas sobre tudo dissiparem - como moinhos ao vento, numa sociedade escrava da ambição, na qual não há espaço para todos, que idolatra o shopping e que quem não consegue nele aderir sente-se marginalizado.
Será, será...
Escuto ao longe alguém me dizendo: É Ricardim, mas esses jovens vivem conectados virtualmente, e estão perdendo a chance de conectarem-se à vida real.
Serão só eles...?
Ou não será um fenômeno social da contemporaneidade, o aumento do individualismo, e baixa interação social real, embora estejam todos conectados – mesmo que à moda antiga, lendo jornais e livros?
Quem pode atirar a primeira pedra?
Seria tão simples se pudéssemos botar tudo numa cômoda, e em gavetas ali classificar as pessoas.
Mas, com gente é diferente. Gente vaza pelas brechas dos móveis e se reinventa noutros armários quaisquer.
Gente é diferente, mesmo que nascida no mesmo ano, e no mesmo teto.
Ainda assim terá diferenças. Então, qual o porquê de tanto apelo por literatura desse tipo, que propaga uma forma de assédio - o assédio geracional?
Creio que aqui cabe trazer a teoria do bode expiatório. Precisamos deles - dos Y, para justificar, ou explicar, nossa falência como sociedade.
Simples assim.

Um comentário:

  1. Concordo com sua visão, do "bode expiatório" onde precisamos culpar alguém - e sempre o outro, menos nós - pelas mazelas que vemos, mas não aceitamos que criamos. Quando você propõe: "Ou não será um fenômeno social da contemporaneidade, o aumento do individualismo, e baixa interação social real, embora estejam todos conectados – mesmo que à moda antiga, lendo jornais e livros?" vejo que nós, os pais da tal caixinha chamada "Y" talvez tenhamos errado feio na forma como desenvolvemos nossas interações sociais com os de nossa idade e por conseguinte passamos isso aos nossos filhos. Escrevi sobre isso em dois textos em meu blog: "A hipocrisia do olhar e a má educação" e "As múmias contemporâneas da solidão". Nos impusemos (ou aceitamos) um estilo de vida convencidos pelo sistema e passamos adiante. A aversão de nossa geração aos "ipsilons" é o medo do deslocamento "do que vemos no que nos olha" pra citar Didi-Huberman. Grande abraço!

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