Cartas ao JG - Cuidado com Vampiros Emocionais.


Madrugada de sábado, pelas 6hrs, você entrou em nosso quarto procurando os bilhetes da rifa e ingressos da festa junina. Acordou efusivo. Era o dia de tua sonhada apresentação junina no colégio.
Zonzos e bocejantes, e sem acreditar que tu estavas acordado àquela hora, num sábado, tranquilizamos-lhe.
A festa só seria à noite.
Perto das 18hrs, posou para foto todo formoso, vestido e maquiado à caráter, como manda o figurino de festas juninas.
Tua mãe fez-lhe até bigode e barba, com lápis rímel.
Chegando ao teu colégio, corremos freneticamente para localizar o lugar da concentração de tua equipe de dança. Ufa, deu tempo. Eles estavam na arquibancada superior direita, e eram os próximos a entrarem no salão.
Você abriu um grande sorriso e disparou ao encontro deles.
Mas, não mais do que em um minuto, de teu riso fez-se o pranto.
E, tu chorava copiosamente. Sentado no degrau superior, enquanto teus amigos divertiam-se ao teu lado.
Tal jorro de lágrimas vertia de tua face, que pensei que alguém tinha pisado em tua mão, sem querer.
Antes fosse. Tua mãe chegou perto e me confidenciou que você dissera-lhe que um amigo houvera te ofendido. Pois, logo ao vê-lo chegar, disparou contra ti uma crítica ofensiva: “Como você está feio, parecendo um velho de barba”. E você – não esperando aquela provocação, desatou a chorar.
A partir daí, convencê-lo a não desistir e abandonar a dança, foi uma tarefa hercúlea.
Mais refeito do baque emocional, você entrou no salão.
Contudo, estava triste. Eu senti muito ao fitá-lo, pelas lentes de minha teleobjetiva, e ver seus olhinhos murchos, sem vida. Tal qual esses, registrados minutos antes da apresentação.
Você dançava, mas ali não estava você. Aquela crítica, em forma de xingamento, tirou tua graça. E ficara remoendo em tua cabeça, em torvelinhos, entre uma coreografia e outra.
Roubando-lhe vida.
Não sei quando lerá essa carta, só sei que pessoas como aquele sem noção, aquele vampiro emocional, vão continuar habitando nos lugares em que convive.
Não será possível mudá-los. Não mudamos ninguém. Sinto muito. Vampiros emocionais estão se propagando na velocidade da luz. Pessoas secas de amor, ressentidas e más.
Pessoas que não perderão a oportunidade de tentar te diminuir, de levantar calúnias, fofocas e maledicências estarão também perto de ti, seja em que ano leia essa carta. Infelizmente.
A única coisa que podemos fazer, quanto a isso, é mudarmos a nós mesmos. Se você não criar resistências, casca grossa, não sobreviverá. Infelizmente, volto a dizer.
A melhor casca grossa que desenvolvi, quando lido com pessoas dizendo que “estou muito feio”, é gostar de mim mesmo como sou, sem precisar sentir-me aceito por quem quer que seja.
Não gosto de meu barrigão de chope, mas não deixo ninguém me diminuir por tê-lo.
Nem deixo de caminhar na praia. Quando escuto um cabra dizer assim: “Ricardim, tu tá grávido é?”.
Digo-lhe: “E num é que estou. E de 6 meses. É menina, vai se chamar Stela Artois.”
Aí a pessoa fica sem jeito, esperando que eu fosse ficar incomodado. E a brincadeira perde a graça.
Se o cara nota que você se incomoda com algo, aí não soltará de seu pé. É só não se levar tão a sério, ou levar a sério o que o outro de nós fala.
Não podemos ser hipersensíveis nessa vida. Ser muito “não me toque”.
Aprenda a lição, para que não perca as danças de salão por ter se magoado com o outro.
Mais cedo ou mais tarde, e com alguma frequência, o outro vai te magoar, assim como você a ele.
Um dia li que relacionamentos são como construções, que vez por outra um tijolo cai lá de cima e espatifa tudo, machucando os pedreiros.
Aí tem que fazer curativos, cuidar, recuperar o estrago, passar a vassoura e continuar a obra.
Relacionamentos são assim, como obras em construção que exigem perdão e compaixão para vingarem.
Então, querido filho, quando alguém disser algo que te faça infeliz, cuidado para não amplificar isso com as lentes da emoção, potencializando a força do mal, satisfazendo teu agressor.
O agressor se alimenta do medo, ódio, ou tristeza que percebe estampados no rosto de sua vítima.
Desconsidere, aquilo que o outro disser de ti e que não seja verdade, e objeto de mudança.
Se dê valor. Não fique esperando, para ser feliz, que alguém diga que seu bigode e barba de caipiras estão bacanas.
Não espere demais dos outros. Crie um paraíso dentro de si, alimente-se dele.
Tem gente que se perde querendo agradar a todo mundo. Querendo ser o centro das atenções, objeto de admiração e exaltação.
Vaidade boba. Barganha de afetos doentia.
Ninguém é centro da atenção de nada. Ninguém perceberá se tua unha está grande, entrando num bar lotado. Se for o caso, bote a mão na calça, e divirta-se.
Seja autêntico com você e o espelho. Você é o que você é. Pare de se idealizar, ou de querer ser algo para atender a alguém, sem consistência.
De tanto querer ser o que o outro acha que devamos ser, podemos desaprender a ser nós mesmos.
Se garanta e pronto.
Outro dia, num almoço entre amigos, todos cinquentões, um deles quis tirar onda comigo.
Disse que leu sobre uma tal escala de avaliação do nível da masculinidade. Considerando o menor número (0) uma maior alta tendência feminina, o maior (10) a masculina.
Ele, morrendo de rir, entre uma garfada e outra, me deu nota 5.
Fiquei no centro da escala. E, com “viés de baixa”, segundo ele. rsrs
Agradeci a nota sorrindo. Afinal, tirar um 5 nessa escala, e após os 50, ainda é um notão.
E, ter os outros 5 de porção feminina foi um elogio e tanto, afinal é a minha melhor parte.
Entendeu como papai funciona? Não tenho nenhum temor em vir a ser objeto de gracejos sobre minha sexualidade.
Não estou disputando nenhum troféu de macho. E, e nem ando precisando manter imagem dessa natureza.
Então, não nos levemos tão a sério, e brinquemos também!
Percebe que dessa maneira tiramos a força?
Isso valerá para um bocado de coisas em teu viver. Onde você põe o foco, crescerá.
Se aprender a relativizar, a relaxar, a não querer defender uma imagem tua como se fosse sagrada, tu irá fluir melhor nos relacionamentos.
Tu foi quem perdeu parte da festa, e teus amigos nem aí, e se divertindo.
Assim é a vida. Cada vez que deixamos de aproveitar algo bom, por nos sentirmos ofendidos, machucados, tristes, será um algo a menos de bom aproveitado.
E, confesso-lhe, os “algo-bons” na vida não são tão frequentes.
Então, desapegue de tudo que projetarem em ti de mal.
Cultive sua auto-estima. Aprenda a gostar de você como é. Com sua altura, sotaque, cor da pele, profissão, cultura, credo e opção sexual e política.
Aprenda a repor o sangue extraído de ti por vampiros emocionais.
Goste-se. Como amar o próximo se não ama a si mesmo?
Afinal, não espere muito das pessoas, que elas venham até ti enxugar-lhe as lágrimas, ali na arquibancada da vida.
No limite, o enxugar, será entre você e Deus, só vocês.
Levante-se desse excesso de sentimentalismo, sensibilidade e chiliques de não-me-toques.
Pois, se não for você mesmo quem se der valor, indo dançar, e ainda sorridente, o amanhã já será Natal... e o São João já será passado.
Pense nisso, senão eles - os que te chamarão de feio, vencerão.

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