Borboleta Azul (Autor Ricardo de Faria Barros)


Para se ver borboletas azuis precisa-se capacitar o olhar.
Elas se prestam mais a vistas travessas, de crianças sapecas, do que sisudos olhares de adultos ensimesmados.
Um viajante inepto, irá vê-la apenas de perfil, e dirá: "Qual graça existirá nessa borboleta, de asas marrons, qual um tronco seco?"
Ahh, caro viajante inepto, tem que degustar o olhar. Tem que acreditar em coisas bobas: como anjos, recomeços, potes de tesouro abaixo do arco-iris, noites iluminadas por vaga-lumes e uma orquestra formada pelos sons do crepitar das chamas.
Sem se permitir; tourear o sentir, nunca você verá uma Azul por inteira.
Não é pra qualquer mortal.
Parada num tronco, sem graça alguma, imperceptível em seu disfarce predileto, ainda assim, para os caçadores de Azuis, é ela. E é só dar tempo dela. Esperar.
Elas só está disfarçada. É só aguardar um pouco e ela abrirá as asas e fará um planeta azul com seu vôo.
E aí, quando elas alçam vôos, um azul cintilante irrompe do nada, das "entrecoxas" de suas asas, e sai colorindo a mais monocromática das paisagens.
É azul interior, azul daquele do céu que forra a cama dos anjos.
Se tiver sorte, aliás não é sorte, ela aparecerá no meio de um trilha que faz, em direção a alguma das mais de vinte cachoeiras da Chapa dos Veadeiros.
Como essa que fotografei, e até que não tremeu tanto, dado sua velocidade ser tremenda, quando ela sai para saborear o vento.
Mas, tem que capacitar o olhar, repito, para ver coisinhas azuis batendo asas, saindo do nada, e correndo serelepe à sua frente, sem se deixar fotografar.
Ela não é chegada a fotos.
Ela gosta mesmo é de desafiar as correntes das brisas aracatis e ficar sambando no palco da vida.
Se um dia você conseguir vê-la, aproveite o instante. Deguste cada segundo, pois ela não ficará á sua frente por muito tempo.
E, não tente adivinhar para que lado ela irá. Será perca de tempo.
Borboletas azuis não são domesticáveis, e para vê-las, em todo seu esplendor, tem que libertar o coração de qualquer sintoma de prisão.
Durante as caminhadas que fiz, nesse final de semana na Chapada, ela sempre esteve presente. Quase uma "guia espiritual". Em todas as ocasiões, ela aparecia ao menos uma vez, sempre na ida e na volta, como quem a nos guiar.
Ensinei o JG a colecionar aparições de borboleta azuis.
E foi um barato. E, em algumas destas aparições, era ele quem via primeiro e gritava: "Pai, uma borboleta azul!"
Essa da foto foi ele quem avistou primeiro.
Ao vê-la, aquilo revigorava nosso ânimo, já combalido, ao fazermos trilhas de alta dificuldade.
Logo depois eu dizia para o JG: "Sinta o aroma do bater de asas delas.".
JG, entrava na fantasia e dizia: "cheirinho bom."
E eu ficava com um sorriso no canto dos lábios.
Acredito que muitos de nós são como elas. Precisam das alturas para revelar o que têm de melhor, precisam fazer conexões com a dimensão da poesia, aquela que nina a alma, para azular a mais opaca das esperanças de dias melhores.
Hoje, na cachoeira do Lajeado, algo impressionante aconteceu. Uma enorme Azul ficou "brincando" um tempão à minha frente.
Dei vários cliqueis, mas nenhum ficou bom, elas são muito rápidas.
Aí, algo de chato me ocorreu. Cai de uma das pedras, na qual me apoiava para fazer um close da queda de água.
Foi de bunda ao chão, mergulhando com a câmera, meu xodó, a Sony A6000.
E aí, ela não ligou mais. Creio que se afogou.
Uma sensação de tristeza invadiu meu ser. Aí, olhei para o paredão de pedra, na contra-face da cachoeira, e quem estava novamente ali, fazendo piruetas para mim? Tornando tudo mais colorido, e com vida, por onde passava?
Ela, a Azul do Lageado. Então, lembrei que a câmera podia até estar quebrada, mas meu coração não estava.
E era só guardar aquelas novas cenas, lá no cofre interior, onde cupim não dá, e o Homem não rouba, aquele mesmo local onde se guarda o Amor.
Apurei as retinas, e saboreei o momento até a última das batidas de asas.
Senti que ela estava me consolando. E funcionou. Até esqueci o luto, por um instante, ficando a contemplar as piruetas daquele espécime tão raro e de difícil engaiolamento. Talvez por isso, o mais belo.
Assim é com tudo de ruim que nos acontece, aquilo não resistirá à força do amor.
O amor sara feridas, restabelece propósitos e nos faz - perante a chamada da Vida, dizer: presente!
Obrigado Borboleta Azul!

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