Uma Segunda Mágica (Autor Ricardo de Faria Barros)

No quintal da Ânimo há um pomar. Sinto uma paz tão grande nele, como se adentrasse o do Sítio do Pica Pau Amarelo, descrito nos livros de Monteiro Lobato.
Nele, habitam dois pés de cajá, bem altos, um coqueiro, um tamarindo, uma graviola, uma pitanga, um cajá-manga, uma laranja e um abacateiro.
Correndo por fora, nascido quase ao lado do de cajá, havia um de jamelão.

Por que havia, Ricardo?
Eu jurava que era um Jamelão, aquele que dá uma frutinhas como se fossem azeitonas pretas, com o interior carnudo e que mancha tudo com a cor violeta.
Até que o jardineiro me falou que não era jamelão. Ele me disse que se trata de "um pé de Cravo da Índia".
Uauuu!!! Nunca tinha visto um pé de Cravo da Índia.
Sei que por ele travaram-se batalhas, sendo uma das especiarias mais cobiçadas no comércio da idade média.
Sr. Manoel apontou para o alto da copa e me mostrou umas frutinhas, que ainda havia, restos da última safra.
Notando minha cara de espanto, pegou uma folha e pediu que eu a mascasse.
Uauuu!!!
Era mesmo que estar comendo um dente de Cravo da Índia, de sabor inesquecível.
Hoje pela manhã, após a sessão com meu paciente, convidei-lhe para conhecer o pé de Cravo da Índia.
Afinal de contas, não é todo dia que conhecemos algo de novo.
Ele me seguiu com uma disposição de adolescente, antevendo uma nova aventura.
Chegando lá, fiz a mesma cena de Sr. Manoel, com a diferença que não mais avistei as frutinhas no alto da copa.
Dei-lhe para mascar uma folha, e seu sorriso abriu num sol riso, como que maravilhado ele soltou um: “Não é que é mesmo!”
Agora, enquanto digito essa crônica, masco um pedaço de uma folha que trouxe do quintal. Ela perfuma, refresca, dá uma sensação de liberdade.
Delícia.
Voltando com ele para a sala da Ânimo, um beija-flor nos encara.
Coisa mais linda do Pai, ele fica dando rasantes à nossa frente, como que a querer brincar conosco.
Eleva-se um pouco, até a altura de nossa visão, e numa fração de segundos nos cumprimenta, partindo faceiro para um enorme Bourganville lilás que emoldura a lateral de nosso quintal.
Ficamos uns instantes extasiados. Nas nossas bocas o gosto do cravo, em nossos corações o sabor do encontro com o beija-flor. Convenhamos, não é todo dia que um beija-flor está para papo conosco.
Ao chegar em casa, deparo-me com minha amiga borboleta, de asas inconfundíveis, sei que é ela.
Você deve estar sorrindo, tentando adivinhar o que andei bebendo, comendo ou cheirando. Risos.
Nada, nada, nada!
Só vida. Dessa ando comendo, bebendo e cheirando muito.
Minha borboleta está nas flores da Sempre-Viva. Aproximo-me dela, a cumprimento, e vejo suas asas um pouco dilaceradas, pelo ocorrido ontem. Então é ela mesmo. Aquele corte na asa foi quando a resgatei.
Deixa eu lhe contar.
Ao chegar da feira, comecei a colocar na mesa da cozinha as mercadorias que comprei: macaxeira, melancia, laranja e, ao desviar minha vista para o chão, vejo uma borboleta ali deitada.
Com delicadeza, pego-lhe pelas asas, e sinto que ela ainda vive.
Coloco-lhe bem devagarinho numa flor.
Fico na torcida, que ela se levante daquele sono. Que ainda esteja viva.
Não sei desde de quando ela ficou presa na cozinha. Então, lentamente ela vai reagindo. Abre as asas, meche as antenas, como que a me agradecer.
Depois, fica uns minutos ali pousada, posando para minhas fotos. E então levanta vôo.
Fico feliz da vida. Como ela veio parar na cozinha? Não sei.
Mas, sei que cozinha não é lugar para borboletas. Borboletas são livres, pedem polinizações amorosas para cumprirem seu legado.
Borboletas gostam de flores, de preferência das de cor laranja, aí elas enlouquecem de desejo pelo néctar delas.
Por isso comprei uma roseira laranja, para elas.
Deve ser algo místico, ou ando ficando velho, ou sentimental demais, mais confesso-lhes que me emocionei com a presença dela.
Acho até que ela me reconheceu, pois espevitou-se toda.
Masco minha folha de cravo.
E relembro do amigo beija-flor e de sua parada para encarar meu ser.
Que segunda mágica!
Agora, vou ali buscar o JG na escola, e contar-lhe sobre essas coisas.
Acho que ele irá gostar.

Para além de nós mesmos, a vida também acontece, e em todo lugar. É só prestar mais atenção! E agradecer.

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