Memórias Líquidas (Autor Ricardo de Faria Barros)


Se Zygmunt Bauman fosse vivo, talvez nesse dia estivesse escrevendo sobre Memórias Líquidas.
A febre que assola a humanidade no momento.
Virou moda os grandes veículos de interação digital-social criarem estratégias de proteção do conteúdo, de quem posta algo, apagando-os após um certo tempo.
Todo mundo agora faz vídeos que duram um dia, depois passarão a habitar o terreno do nada.
Nossas memórias estão sendo relativizadas a um dia de duração. Que pena!
É como se um casal passasse o dia trocando confidências, e ao anoitecer, tudo fosse apagado, virasse pó.
Tempos depois, quando quiserem reler suas vidas entrelaçadas, os caminhos pelos quais trilharam na doce e imprevista entrega do amor, não se achassem mais.
Cruel, não é?
Cruel essa sociedade do presente, que renega o valor das memórias, lembranças e recordações.
Nem nossas fotos nos damos ao direito de as imprimir mais.
Lembram daquelas filmagens que fazíamos em fitas VHS, de nossos bons momentos em família, com amigos e em atividades que fizeram a diferença em nosso viver?
Acabaram.
Perdemos esse hábito, nesse viver alucinado do aqui e agora, uma espécie de hedonismo do hoje.
Como pequenos deuses que a um toque no "Play" pudéssemos evocar todo cabedal de memória afetiva que nos fez maior e melhores.
E, vamos nos perdendo de nós mesmos, de nossa história, pois ela agora virou líquida.
O que postei de mim hoje, amanhã já será outra coisa.
E se quiser voltar a mim ver, pelos caminhos que trilhei, paciência.
E tudo vai ficando pó, perdendo as raízes, ficando na provisoriedade de um DEL.
E levamos isso para a vida afetiva também.
Como se as cenas boas, belas e virtuosas estivessem sempre ali. E não precisássemos com elas fazer compotas emocionais para os tempos outros que virão.
Não faça isso com sua vida!
Guarde seus bilhetes de amor. Guarde seus posts de uma fase que viveu, em que esteve ternurando a vida.
Guarde seus vídeos num lugarzinho especial do HD de seu coração. Não perca o engatinhar de se filho. Não perca suas primeiras palavras. Não se perca suas declarações de amor.
Você pode dizer quantas vezes amará na vida?
Então, não faça vídeos co sua amada que se apagam no dia seguinte. Entendeu?
Vejo o vídeo do JG, com dois anos, entrando na creche, numa fila, de soslaio ele olha para mim. Como que a me pedir socorro.
E choro.
Quase seis anos depois, se eu não tivesse guardado esse registro, não teria uma emoção tão boa de saber que sou amado por ele.
Então, resista ao povo que não gosta de bater foto. Bata muitas. E guarde-as na nuvem, para nãos e perderem.
Faça muitos vídeos.
Um dia poderá rever seus filhos engatinhando, aquela feijoada que fez com defumados de primeira, sua filha voltando de uma missão solidária, ou aquele amor que te tirou dos eixos.
Guarde!!!
Essa sociedade que nos ensina a ser descartável, até em nossas memórias não poderá vencer-nos, resista.
Imprima fotos, faça vídeos, cultive saudades boas, não ache nunca que amanhã terá as mesmas condições de fazer o mesmo vídeo de coisas boas de teu viver.
Portanto, ao fazê-los, não os apague de seus corações.
Seja um subversivo, não se renda às memórias líquidas do Séc. XXI.
Não descarte suas boas vivências, cuide delas.
E, com elas faça compotas para que nos dias do futuro possa ter sempre um lugar para degustar

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